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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cosmópolis

Cosmópolis (Cosmopolis) - 2012. Dirigido e Escrito por David Cronenberg, baseado na obra literária de Don DeLillo. Direção de Fotografia de Peter Suschitzky. Música Original de Howard Shore. Produzido por Paulo Branco e Martin Katz. Alfama Films e Prospero Pictures / Canadá | França | Portugal | Itália.


Alguns filmes conseguem captar toda a aura que paira sobre determinada época, estes são capazes de reproduzir sentimentos, sensações, expectativas ou temores experimentados pela sociedade naquele período. Quando se trata de filmes de época, tal fenômeno é relativamente mais fácil de ser reproduzido, uma vez que há o distanciamento proporcionado pela passagem do tempo, porém, no caso de obras que fazem um recorte do mundo contemporâneo, isto se torna bem mais difícil, pois é complicado captar, em meio à uma ebulição de acontecimentos e percepções, aqueles que são comuns á uma grande maioria e que sendo assim são capazes de representar aquilo que se encontra encrustado na consciência coletiva. Cosmópolis (2012) de David Cronenberg realiza este feito de uma forma sublime, ao assisti-lo, nos deparamos com um retrato obscuro do mundo pós-moderno, onde a realidade se entrelaça ao surrealismo, forjando assim uma situação opressiva de temor e ansiedade.

O longa adaptado da obra de Don DeLillo recria de forma metafórica, em uma contexto aparentemente minimalista, as causas e o efeitos de algumas das crises enfrentadas pela sociedade atualmente. É preciso frisar que não é apenas a crise econômica que está sendo alegorizada na trama, ela também aborda a crise dos relacionamentos e a de identidade. Todo o desenvolvimento da história acontece quase que por completo dentro de uma limusine e ele acompanha o percurso de Eric Packer (Robert Pattinson), um  jovem bilionário que decide atravessar Manhattan para conseguir um bom corte de cabelo (!). O trajeto é tumultuado, pois o caos estava instalado nas ruas da cidade, manifestantes protestavam contra a visita do presidente, que aconteceria naquele mesmo dia, e uma horda fãs se aglomerara para seguir o cortejo fúnebre de um rapper, do qual Eric também era fã.


Eric interage com diversos personagens e de seus diálogos com cada um deles surgem divagações que renderiam horas de reflexão, no entanto, tudo é muito rápido e denso, o que torna o filme difícil de ser digerido em apenas uma exibição (o que não é de maneira alguma um problema), isso faz com que o longa cobre de nós expectadores uma postura ativa e não apenas contemplação ou busca por entretenimento. Cada um dos personagens secundários traz consigo uma gama de significações, que nos ajuda a decifrar o complexo comportamento e a personalidade do protagonista. Eric é um rapaz de 28 anos que acredita ter o mundo aos seus pés, sua ilusão de poder o leva a crer que está acima de tudo e de todos e isso fica perceptível em diversas passagens. 

Eric age como se estivesse observando a vida de todos à sua volta do alto de um pedestal, local onde ele estaria protegido e resguardado dos riscos aos quais as pessoas comuns estariam expostas. A crise econômica, que motiva os protestos contra a visita presidencial, é irrelevante para ele, de dentro da limusine ele contempla as rebeliões como se ele próprio não fosse um dos responsáveis por elas. Ele não sente culpa pelas dores do mundo à sua volta e sequer questiona os efeitos de suas atitudes e de seu estilo de vida alienado. Sua limusine é seu quartel general e mais que isso, ela é o lugar onde ele se sente intocado pelo mundo exterior. Aquele micro ambiente, cercado pela alta tecnologia, é como se fosse seu reino, um lugar onde sua vontade, que é absoluta, lhe garante o acesso a inúmeros serviços (que vão de consultas médicas e aconselhamentos ao sexo casual) e ele aparenta acreditar que estas regalias são suficientes para saciar suas necessidades.


O egocentrismo de Eric o colocou em uma posição tão distante da realidade, que ele sequer percebe detalhes do mundo á sua volta, a irrelevância que ele dá para aqueles que o cercam o distancia ainda mais do restando mundo. Numa determinada passagem ele aparenta se surpreender ao ver a esposa fumando, ela então o conta que fuma desde os quinze anos, provavelmente ele que nunca tinha dado conta disso. O sexo casual com outras mulheres, com quem ele se relaciona profissionalmente, é desprovido de qualquer sentimento ou afeto, é tão somente a satisfação de uma necessidade. Em um diálogo ele pondera: "somos pessoas no mundo, temos que comer e conversar". Ao chegar a tal conclusão, ele coloca a necessidade que temos de nos relacionarmos com outras pessoas no mesmo patamar da necessidade de nos alimentarmos, como se a primeira fosse tão somente uma necessidade fisiológica como é a segunda; nisto vemos a importância que ela dá para as relações...


De certa forma a limusine, dentro da qual o personagem se esconde do mundo, é similar às nossas salas de estar, onde nos sentimos seguros e de onde contemplamos o mundo pela tela da TV. Tal como ele, nos sentimos testemunhas de tudo o que acontece do lado de fora de nossa fortaleza, no entanto não somos participantes, apenas expectadores. Esta noção, ao mesmo tempo que nos isenta da culpa pelos males do mundo (afinal, acreditamos que não podemos ser culpados pela omissão), nos distancia de qualquer ação que possa ser potencialmente transformadora. Assim como Eric, somos despertados apenas quando sentimos que algo que nos é estranho pode nos ameaçar, no caso dele, isso acontece em um dado momento da trama, quando ele recebe um diagnóstico de que sua próstata é assimétrica, é uma afirmação sem significado algum, nem para ele, no entanto ela representa o máximo de risco a que ele acreditar estar exposto. 


A ilusão de poder que move Eric que ele demora a assimilar a ameaça de falência, que passa o assombrar depois de uma aposta equivocada que ele faz na variação cambial da moeda chinesa. Seu comportamento é afetado, porém vagarosamente. Mesmo com seus ativos sendo reduzidos a pó, ele continua acreditando que está resguardado, a ameaça externa começa a lhe preocupar pouco a pouco, e a transformação que estão se desencadeia em seu mode de agir o leva da total confiança em si mesmo à perda de todos os seus estímulos numa questão de oras, o que nos remete à forma com que a crise do final da década passada afetou o mercado e os investidores. Cosmópolis, como eu havia dito, não aborda apenas a falência do modelo capitalista neoliberal, a decadência que ele retrata é a do homem pós-moderno, aquilo que vemos na tela é uma representação da nossa própria degradação como indivíduos e como sociedade. 


Robert Pattinson me surpreendeu e muito, ele está excelente em uma atuação que exige diversos níveis de interpretação e ele transita por todos eles com uma incrível agilidade. Ele mergulha fundo na complexidade dramática de seu personagem e isto fica evidente em praticamente todas as passagens do longa, principalmente na sequência final, que é protagonizada por ele e por Paul Giamatti, que também está ótimo. O restante do elenco também entrega atuações fortes, que não deixam nada a desejar em nenhum momento, destaco os desempenhos de Juliette Binoche, Sarah Gadon, George Touliatos e Kevin Durand. O aparato técnico confere ao filme um estilo que é ao mesmo tempo futurista, surreal e apocalíptico, que é desenvolvido através de uma fotografia limpa, porém repleta de sombras; uma direção de arte que dá destaque à onipresença da tecnologia e enquadramentos inusitados que exploram muito bem o interior da limusine, que é o principal cenário do longa.


Cosmópolis não é o tipo de filme que agradará a todos, mas não tenho dúvidas de que ele é um daqueles que deveria ser visto, analisado e debatido por todos aqueles que apreciam o bom cinema, ou que se interessem pela condição do indivíduo frente ao sistema vigente no mundo pós-moderno. Depois de dirigir um filme raso e mediano, como foi Um Método Perigoso (2011)David Cronenberg concebeu esta grandiosa obra, que acredito que será lembrada no futuro como um dos mais contundentes retratos de nossa época.


Assistam ao trailer de Cosmópolis no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

4 comentários:

  1. Interessante. Acho que esse filme é interessante, mesmo sem vê-lo. Gosto do Robert e seria bom ver ele sem Edward Cullen. Gostei da dica e da resenha.
    Abraços.

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  2. Oi Bruno
    Quanto tempo né?! Sabe que eu já havia visto esse filme, mas como eu me incluo no "todos", fiquei cismada em assisti-lo, mas com sua ótima crítica como sempre, vou arriscar kkkkk. É incrível o que o cinema faz como os atores Robert Pattinson passou de um adolescente a 28 anos em o que 4 anos, desde o primeiro filme da saga Crepúsculo?kkkkkk. Isso é Hollywood!
    Bjos. Fique com Deus. Um 2013 abençoado para ti e tua família.

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  3. Ainda não consigo imaginar Pattinson sem dentes pontudos e pele brilhante, mas vou tentar assistir em frente da sua bem elaborada crítica.


    Abraço querido.

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  4. Olá, José Bruno.
    Crio que Cronenberg seja um destes diretores que sempre conseguem criar filmes com conteúdo, e que jamais ficarão satisfeitos com o lugar comum.
    Li no Filmow que muita gente não entendeu nada da proposta do filme; isso deve ter ocorrido porque ele merece ser visto com muita atenção.
    Abraço.

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