Pulp Fiction - Tempo de Violência (Pulp Fiction) - 1994. Dirigido por Quentin Tarantino. Escrito por Quentin Tarantino e Roger Avary. Direção de Fotografia de Andrzej Sekula. Produzido por Lawrence Bender. A Band Apart, Jersey Films e Miramax Films / USA.
Não sei se isso acontece com todos que escrevem sobre filmes, mas para mim, falar sobre aqueles que são os meus favoritos é sempre bem mais difícil, nunca sei se estou suficientemente preparado para tal e se farei jus à grandiosidade daquela obra. Surge outro problema quando o filme em questão já é agraciado tanto pelo público quanto pela crítica, pois neste caso corre-se o risco de apenas chover no molhado ao discorrer sobre ele, afinal pressupõe-se que todos já conheçam bem cada um de seus aspectos técnicos e artísticos. Me vejo diante destes problemas ao começar a escrever sobre Pulp Fiction - Tempos de Violência, o segundo longa-metragem dirigido por Quentin Tarantino, filme que considero um dos mais importantes e influentes do cinema contemporâneo.
Tirando dentre aqueles que o consideram violento demais, Pulp Fiction é quase uma unanimidade positiva e isto é realmente impressionante, uma vez que o nível de violência exposta não pode por si só ser considerado um problema. O filme chama atenção pela sua trama fragmentada, pelos excelentes diálogos, pela ótima trilha sonora e pela edição, que o mantém em um ritmo frenético durante toda sua longa duração. Cada um destes aspectos são repletos de citações e referências à sétima arte e à cultura pop, neste texto pretendo comentar, ainda que de forma rápida, cada um deles e a forma com que eles colaboraram para que o filme se tornasse, com relativamente pouco tempo, uma das produções mais cultuadas de sua época.
A primeira cena do filme mostra um casal conversando em uma lanchonete, ele é Ringo (Tim Roth), ela Yolanda (Amanda Plummer), eles discutem sobre algo que à princípio não sabemos o que é, aparentemente se trata de algo banal e não tão importante, pois não há exaltação ou raiva em seus tons de vozes. Uma garçonete vem até a mesa e serve café para Yolanda, que a agradece com uma cordialidade quase suspeita para em seguida dar continuidade ao diálogo com o rapaz, é então que percebemos sobre o que eles estão falando, é sobre assaltos. Durante a conversa eles decidem parar de atacar lojas de bebidas, por ser muito arriscado e Ringo então propõe trocar o alvo por lanchonetes como aquela onde estão, segundo ele este tipo estabelecimento estaria despreparado para reagir, pois eles nunca esperam ser assaltados. Yolanda se empolga com a ideia e diz que o assalto deve ser ali e naquela hora, eles se beijam, trocam juras de amor, se levantam e anunciam a ação aos berros... Entram os créditos de abertura.
Na sequência depois dos créditos, acompanhamos Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson), que conversam à caminho do local onde realizarão um 'serviço', o diálogo que se dá entre eles percorre temas que vão da liberalidade das drogas na Holanda à massagens nos pés, passando pela diferença que há no nome de um mesmo sanduíche de McDonald`s nos Estados Unidos e na França. Eles são matadores profissionais e estão indo recuperar uma maleta, cujo o conteúdo não nos é revelado, que pertenceria ao mafioso Marsellus Wallace (Ving Rhames), o chefe deles. Tanto na primeira sequência, quanto nesta, ficam perceptíveis aquelas que são as características mais fortes do filme: Os diálogos que percorrem temas variados, com referências à cultura pop; os personagens sem tanta profundidade e a banalização da violência.
Em seu desenvolvimento, Pulp Fiction constrói pequenas tramas, que vão se conectando de alguma forma até o final do filme. Tem por exemplo a história de Butch Coolidge (Bruce Willis), um boxeador que combinara de vender uma luta importante e que se mete em um agrande encrenca por isso e a de outros personagens de menor relevância, que de alguma forma são envolvidos na trama. À primeira vista, o longa parece um emaranhado de eventos aparentemente desconexos, como os que acontecem na noite em que Vincent leva a junkie Mia Wallace (Uma Thurman), a esposa de Marsellus, para um passeio, todavia o roteiro amarra todos estes eventos, percorrendo estas diversas ações, sem aprofundar tanto em nenhuma delas e nem em nenhum dos personagens, neste percurso o que se constrói é uma teia de de mensagens e significações que não conseguem transpor a barreira que há além do superficial, mas não se enganem, isto não é um defeito, é na verdade a principal característica que determina a estética do filme.
O que Quentin Tarantino fez em Pulp Fiction é similar, ao meu modo de ver, ao que Andy Warhol fez nas artes plásticas, ambos se aproveitaram do mitos e símbolos forjados pela cultura pop para criarem suas próprias obras. O interessante é que as referência ou citação feitas por eles não reproduzem toda a potencialidade de significação da obra ou do conceito original e daí vem a superficialidade que pode ser notada no filme. As múltiplas colagens fazem da obra originada uma espécie de coxa de retalhos, que nos chama a atenção mais pela pluralidade estética de sua composição, do que pela sua própria trama. Ao contrário do que pode-se pensar num primeiro momento, o abuso da referências à outros filmes e à cultura pop não fazem de Tarantino um canastrão ou plagiador, isto porque ele, assim como Warhol o fez, realiza este processo deixando evidentes cada um dos artifícios que usou e ainda com uma grande propriedade, o que permite que suas obras sejam chamadas de autorais.
As referências presentes no filme denotam o vasto conhecimento que Quentin Tarantino tem da história do cinema, de seus personagens e de seu aparato técnico. Há em Pulp Fiction citações diretas ou indiretas à obras de Howard Hawks, Jean-Luc Godard, Alfred Hichcock, Elia Kazan, dentre a de outros... A já clássica cena do twist, por exemplo, na qual Vincent e Mia dançam em um bar temático dos anos 50, teria sido inspirada em uma sequência parecida de Bande à Part (1964) de Godard, filme que dá nome à produtora criada por Tarantino. Na mesma passagem John Travolta teria recriado os movimentos de uma dança feita por Adam West no seriado Batman produzido nos anos 60 e Uma Thurman por sua vez teria se inspirado em uma personagem do desenho Os Aristogatas, a gata Duquesa, para criar os movimentos sedutores de sua dança.
Outro detalhe curioso que pode ser observado em Pulp Fiction, são marcas e produtos criados por Tarantino, que aparecem neste e em outros de seus filmes. Dentre eles estão a marca de cigarros Red Apple, que voltaria a aparecer em Grande Hotel (1995), o hambúrguer Big Kahuna, que aparecera em Cães de Aluguel (1992) e seria mostrado novamente em Um Drink no Inferno (1996) e o estabelecimento Jack Rabbit Slim`s, cujo comercial pode ser ouvido no rádio tanto neste, quanto em Cães de Aluguel. Outra curiosidade é que em uma passagem do filme, enquanto se lava na casa de um amigo, para apagar de seu corpo vestígios de um 'acidente', o personagem Vincent Vega menciona o sabão Lava, uma marca que realmente existiu, para a qual o próprio Travolta fez um comercial na década de 70, no início de sua carreira.
Pulp Fiction também deixa evidente a habilidade de Tarantino de dirigir atores, cada um dos membros do elenco tem seus talentos aproveitados ao máximo - não é atoa que longa tenha revitalizado a carreira do John Travolta, que estava à beira do ostracismo. Praticamente todo o elenco (que inclui ainda nomes como Harvey Keitel, Maria de Medeiros, Ving Rhames, Rosanna Arquette, Eric Stoltz e Christopher Walken) está muito bem, a naturalidade e a destreza de cada uma das atuações é impressionante, porém dentre todos Samuel L. Jackson é ao meu ver o que mais se destaca, ele está sem sombra de dúvidas em uma de suas melhores interpretações... A trilha sonora do filme é formidável, ela mistura num caldeirão pop diversos estilos musicais, como rock clássico, soul, country, funk e surf music (Tarantino chegou a afirmar que escolheu canções deste último gênero por elas soarem tanto como rock´n´roll, quanto como trilha sonora de faroestes italianos). E vale destacar também a fotografia e os movimentos de câmera inusitados, que comprovem a qualidade técnica do filme e ainda dão a ele um charme todo especial... Precisa dizer mais alguma coisa? Ah sim, ULTRA RECOMENDADO!!!
Pulp Fiction ganhou a Palma de Ouro, o prêmio máximo do Festival de Cannes. No Oscar, o filme venceu na categoria de Melhor Roteiro Original, tendo sido indicado também aos prêmios de Melhor Filme, Diretor, Ator (John Travolta), Ator Coadjuvante (Samuel L. Jackson), Atriz Coadjuvante (Uma Thurman), Fotografia e Edição. No Globo de Ouro, ele ganhou o prêmio de Melhor Roteiro, tendo recebido indicações nas categorias de Melhor Filme - Drama, Diretor, Melhor Ator - Drama (John Travolta), Melhor Ator Coadjuvante (Samuel L. Jackson) e Melhor Atriz - Drama (Uma Thurman).
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.