Azul é a Cor Mais Quente (La vie d'Adèle) - 2013. Dirigido por Abdellatif Kechiche . Escrito por Abdellatif Kechiche e Ghalia Lacroix, baseado na comic book de Julie Maroh. Direção de Fotografia de Sofian El Fani. Produzido por Brahim Chioua, Abdellatif Kechiche e Vincent Maraval. Quat'sous Films e Wild Bunch / França | Bélgica | Espanha.
Adèle (Adèle Exarchopoulos), que até então nunca tinha ficado com outra garota, teve algo despertado dentro de si logo na primeira vez que viu Emma (Léa Seydoux), ela fora tomada por um sentimento desconcertante, que a fizera perder o chão por alguns minutos. Ainda que haja um certo ceticismo em relação ao amor à primeira vista, pode-se afirmar que foi desta forma que nasceu a paixão que transformaria completamente sua vida em um espaço de tempo relativamente curto. Não demorou muito até que as duas se conhecessem, o que se deu quase ao acaso. É interessante perceber que já no primeiro encontro são assumidos alguns papéis que iriam determinar os rumos da relação que se iniciaria entre elas. Emma, mais velha e experiente, assume uma função de protetora, uma quase mentora de Adèle, esta por sua vez se entrega de corpo e alma à paixão que queima dentro de si e a intensidade desta entrega à torna relativamente vulnerável quando começam as primeiras crises no relacionamento.
Nas relações entre as garotas e seus amigos e familiares também é possível notar a extensão dos papéis que foram assumidos no dia em que se conheceram. Emma é bem resolvida, seus pais tratam com naturalidade a sua sexualidade, sem qualquer tipo de preconceito, e seus amigos a aceitam tal como ela é. Já Adèle não consegue conversar com seus pais sobre sua relação com Emma e as piadas e de suas amigas sobre sua suposta amizade com a 'garota dos cabelos azuis' a impede de abrir o jogo com elas também. Em uma evidente ânsia de se resguardar, ela se esconde e adota uma personalidade que não condiz com a sua verdadeira essência. Este é um traço da personalidade de Adèle que não está relacionado apenas à sua homossexualidade, em dado momento ela diz ter receio de compartilhar seus escritos por eles serem pessoais demais. Nota-se que o que ela está vivendo não é só um processo de descobertas, é também um processo de autoaceitação.
Não é por acaso que o filme tenha sido dividido em dois capítulos (que acabaram sendo lançados juntos), a sua história pode ser dividida em dois momentos bem distintos um do outro. O primeiro é caracterizado pela descoberta, nele vemos a transformação da paixão avassaladora que uniu Adèle e Emma em algo mais sólido, este processo é retratado de uma forma brilhante pelo filme. Neste primeiro capítulo a ingenuidade, a fragilidade e a insegurança podem ser apontados como os traços que melhor caracterizam o comportamento da protagonista. Ela ainda carrega consigo os medos e os dilemas típicos da adolescência, mas isso logo mudará. Em um segundo momento, Adèle passará por um amadurecimento forçado, que mudará completamente sua postura em relação ao mundo à sua volta e por fim sua visão sobre os relacionamentos.
Com o surgimento das primeiras crises a idealização criada em torno do relacionamento começa a se desfazer em um processo que é extremamente doloroso, principalmente para Adèle. A sucessão de erros cometidos por ambas as garotas torna a relação cada vez mais complicada e nenhuma delas consegue lidar tão bem com isso. A abordagem adotada pelo filme se abstém do olhar romantizado para retratar os relacionamentos tal como eles são, os problemas enfrentados pelas duas e os temores que elas sentem são extremamente comuns e a verdade é qualquer relação, por mais sólida que ela seja, sempre estará sujeita a ser afetada por eles. A trama de Azul é a Cor Mais Quente ganha ainda mais significado e profundidade por conseguir evocar diversas características atribuídas aos relacionamentos pós-modernos, nela podem ser observados aspectos como a fragilidade dos laços criados, a transitoriedade das relações e, principalmente, a angústia de projetar no outro aquilo que se espera da vida a dois.
As cenas de sexo explícito, que causaram bastante polêmica quando o filme foi lançado, são condizentes com a trama e eu diria até que são necessárias para o seu pleno funcionamento, afinal de contas é através delas que a narrativa trabalha as mudanças (boa parte delas sutis) que ocorrem no relacionamento entre as duas garotas e a forma com que estas mudanças impactam na relação de dominação que existe entre elas. A primeira transa entre elas, retratada em uma sequência que dura mais de seis minutos, retrata perfeitamente o processo de descoberta que se encontra em curso, o ato é selvagem e nele está evidente a explosão da paixão que ambas sentem. Porém, pouco a pouco, as sutilezas e as carícias vão ganhando mais espaço, o que indica que o sentimento primitivo, observado até então, estava finalmente se transformando em amor.
O curioso é que mesmo com o evidente amadurecimento do relacionamento, a relação de dominação é mantida, o que pode ser percebido em uma outra cena de sexo (aquela que considero a mais bonita do filme), em dado momento Emma interrompe o ato por acreditar que Adèle gritaria devido ao orgasmo, o barulho certamente chamaria a atenção de seus pais (esta é a primeira vez que elas transam na casa de Adèle); esta construção tão simples deixa mais uma vez evidente que é Emma quem está conduzindo, não só a transa, mas toda a relação, ainda que este domínio seja exercido por meio do afeto. Em última análise, é a existência deste afeto que torna tudo ainda mais complicado e doloroso... A consequência da intensidade da entrega de Adèle remonta à principal causa da superficialização das relações: o temor provocado pela ameaça de que o amor e o afeto, quando não mais correspondidos na mesma proporção, se tornem insuficientes para sustentar um relacionamento, levando assim à uma frustração que pode ser aniquiladora...
Adèle Exarchopoulos está excelente no filme, sua atuação é caracterizada por uma completa entrega à personagem, o que fica evidente na verdade contida em cada um de seus sorrisos e olhares. É a grandiosidade de sua atuação que torna a protagonista ainda mais humana e seus sentimentos ainda mais palpáveis, por isso nos identificamos tanto com sua história e com sua ventura, nos vemos nela, afinal seu drama não nos é de todo estranho. Destaco ainda a fotografia e os enquadramentos, que são também essenciais para o desenvolvimento da narrativa, e o ótimo trabalho de edição de som, que prioriza os ruídos diegéticos na ausência de uma trilha sonora. Eu, sinceramente, tenho pena daqueles que deixarão de assistir ao filme, ou de apreciá-lo, pelo preconceito que, infelizmente, pode ser despertado pela sua trama, estes certamente perderão uma das melhores obras lançadas em 2013, sem mais.
Nas relações entre as garotas e seus amigos e familiares também é possível notar a extensão dos papéis que foram assumidos no dia em que se conheceram. Emma é bem resolvida, seus pais tratam com naturalidade a sua sexualidade, sem qualquer tipo de preconceito, e seus amigos a aceitam tal como ela é. Já Adèle não consegue conversar com seus pais sobre sua relação com Emma e as piadas e de suas amigas sobre sua suposta amizade com a 'garota dos cabelos azuis' a impede de abrir o jogo com elas também. Em uma evidente ânsia de se resguardar, ela se esconde e adota uma personalidade que não condiz com a sua verdadeira essência. Este é um traço da personalidade de Adèle que não está relacionado apenas à sua homossexualidade, em dado momento ela diz ter receio de compartilhar seus escritos por eles serem pessoais demais. Nota-se que o que ela está vivendo não é só um processo de descobertas, é também um processo de autoaceitação.
Não é por acaso que o filme tenha sido dividido em dois capítulos (que acabaram sendo lançados juntos), a sua história pode ser dividida em dois momentos bem distintos um do outro. O primeiro é caracterizado pela descoberta, nele vemos a transformação da paixão avassaladora que uniu Adèle e Emma em algo mais sólido, este processo é retratado de uma forma brilhante pelo filme. Neste primeiro capítulo a ingenuidade, a fragilidade e a insegurança podem ser apontados como os traços que melhor caracterizam o comportamento da protagonista. Ela ainda carrega consigo os medos e os dilemas típicos da adolescência, mas isso logo mudará. Em um segundo momento, Adèle passará por um amadurecimento forçado, que mudará completamente sua postura em relação ao mundo à sua volta e por fim sua visão sobre os relacionamentos.
Com o surgimento das primeiras crises a idealização criada em torno do relacionamento começa a se desfazer em um processo que é extremamente doloroso, principalmente para Adèle. A sucessão de erros cometidos por ambas as garotas torna a relação cada vez mais complicada e nenhuma delas consegue lidar tão bem com isso. A abordagem adotada pelo filme se abstém do olhar romantizado para retratar os relacionamentos tal como eles são, os problemas enfrentados pelas duas e os temores que elas sentem são extremamente comuns e a verdade é qualquer relação, por mais sólida que ela seja, sempre estará sujeita a ser afetada por eles. A trama de Azul é a Cor Mais Quente ganha ainda mais significado e profundidade por conseguir evocar diversas características atribuídas aos relacionamentos pós-modernos, nela podem ser observados aspectos como a fragilidade dos laços criados, a transitoriedade das relações e, principalmente, a angústia de projetar no outro aquilo que se espera da vida a dois.
As cenas de sexo explícito, que causaram bastante polêmica quando o filme foi lançado, são condizentes com a trama e eu diria até que são necessárias para o seu pleno funcionamento, afinal de contas é através delas que a narrativa trabalha as mudanças (boa parte delas sutis) que ocorrem no relacionamento entre as duas garotas e a forma com que estas mudanças impactam na relação de dominação que existe entre elas. A primeira transa entre elas, retratada em uma sequência que dura mais de seis minutos, retrata perfeitamente o processo de descoberta que se encontra em curso, o ato é selvagem e nele está evidente a explosão da paixão que ambas sentem. Porém, pouco a pouco, as sutilezas e as carícias vão ganhando mais espaço, o que indica que o sentimento primitivo, observado até então, estava finalmente se transformando em amor.
O curioso é que mesmo com o evidente amadurecimento do relacionamento, a relação de dominação é mantida, o que pode ser percebido em uma outra cena de sexo (aquela que considero a mais bonita do filme), em dado momento Emma interrompe o ato por acreditar que Adèle gritaria devido ao orgasmo, o barulho certamente chamaria a atenção de seus pais (esta é a primeira vez que elas transam na casa de Adèle); esta construção tão simples deixa mais uma vez evidente que é Emma quem está conduzindo, não só a transa, mas toda a relação, ainda que este domínio seja exercido por meio do afeto. Em última análise, é a existência deste afeto que torna tudo ainda mais complicado e doloroso... A consequência da intensidade da entrega de Adèle remonta à principal causa da superficialização das relações: o temor provocado pela ameaça de que o amor e o afeto, quando não mais correspondidos na mesma proporção, se tornem insuficientes para sustentar um relacionamento, levando assim à uma frustração que pode ser aniquiladora...
Adèle Exarchopoulos está excelente no filme, sua atuação é caracterizada por uma completa entrega à personagem, o que fica evidente na verdade contida em cada um de seus sorrisos e olhares. É a grandiosidade de sua atuação que torna a protagonista ainda mais humana e seus sentimentos ainda mais palpáveis, por isso nos identificamos tanto com sua história e com sua ventura, nos vemos nela, afinal seu drama não nos é de todo estranho. Destaco ainda a fotografia e os enquadramentos, que são também essenciais para o desenvolvimento da narrativa, e o ótimo trabalho de edição de som, que prioriza os ruídos diegéticos na ausência de uma trilha sonora. Eu, sinceramente, tenho pena daqueles que deixarão de assistir ao filme, ou de apreciá-lo, pelo preconceito que, infelizmente, pode ser despertado pela sua trama, estes certamente perderão uma das melhores obras lançadas em 2013, sem mais.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.