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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Amor Bandido

Amor Bandido (Mud) - 2012. Escrito e dirigido por Jeff Nichols. Direção de Fotografia de Adam Stone. Música Original de David Wingo. Produzido por Sarah Green, Lisa Maria Falcone  e Aaron RyderEverest Entertainment, Brace Cove Productions e FilmNation Entertainment / USA.


No afã de aproximar os lançamentos das expectativas comumente criadas pelo público médio, as distribuidoras de filmes acabam por vezes ousando na escolha do título nacional de algumas obras, em raras ocasiões a ousadia se dá de forma criativa e o nome dado à obra acaba fazendo algum sentido, mas na maioria das vezes não é isso que acontece. O novo filme de Jeff Nichols foi vítima de um destes erros grotescos. Amor Bandido, o título dado a ele aqui no Brasil, é reducionista e não contempla nem de longe a complexidade de sua trama. No entanto, ele tem mais apelo comercial que Mud, o título original, e isso é o que basta para que a lambança seja feita. Por mera questão de conveniência, escolhi manter o péssimo nome nacional como título da postagem, mas farei referência ao filme no desenvolvimento do texto apenas por meio de seu título original, este sim coerente com a sua trama e com a sua proposta. 

No centro da narrativa de Mud (2013) estão dois garotos que encontram um velho barco suspenso em meio a árvores em uma ilha próxima ao local onde moram. Desbravando a embarcação eles descobrem que tem alguém morando lá, não demora muito e eles acabam estabelecendo contato com o estranho, ele é Mud (Matthew McConaughey), um homem misterioso que aparenta estar se escondendo de algo. A região na qual o filme se passa é composta por pequenas ilhas fluviais, não tão distantes uma das outras, Ellis (Tye Sheridan), um dos garotos, mora em um barco com os pais, eles sobrevivem da venda dos peixes que pescam no rio. Neckbone (Jacob Lofland), o outro, mora com o tio, Galen (Michael Shannon), um mergulhador boa vida, que aparenta não se preocupar tanto com o sobrinho. As relações desenvolvidas nestes dois núcleos familiares são um fator decisivo no desenvolvimento da trama. 


Os pais de Ellis estão se separando e o filme em algumas passagens nos induz a crer que o rompimento é o resultado de um longo processo, algo que já vinha se desenrolando há bastante tempo. Para o garoto, no entanto, tudo é novo, os conflitos, a falta de diálogo e principalmente a ideia do divorcio. Por analisar tudo de tal ponto de vista, ele conclui que os pais não estão dispostos a lutar pelo casamento, ele acredita que eles não têm a mesma coragem demonstrada por Mud, que acaba se tornando para ele uma espécie de referência. Mud conta para Ellis e Neckbone a sua história errática, que inclui o seu conturbado relacionamento com a problemática Juniper (Reese Witherspoon), ele se coloca como  vítima e com isso acaba ganhando a confiança dos garotos, passando então a exigir deles favores que o colocam em uma arriscada situação.

O grande mérito do filme é conseguir amarrar o ótimo roteiro de forma com que a complexidade dos temas abordados não lhe tirem a simplicidade e a singeleza, que lhe são conferidas pelo olhar curioso e relativamente inocente dos meninos. Há na história elementos que remetem a inúmeros clássicos da literatura e do cinema que também retratam a complicada transição da infância para a vida adulta. Não creio que seja exagero afirmar que há em Ellis e Neckbone um pouco de Huckleberry Finn e no universo do filme e em sua temática uma forte influência da literatura do escritor americano Mark Twain, que também explorou em algumas de suas obras o drama da desestruturação familiar sob o olhar de crianças e adolescentes.


Vale ressaltar também o fato do filme não se render ao lugar comum de retratar as relações de forma simplicista, com finais felizes e ausências de conflitos complexos, o que vemos nele é uma reprodução realista dos relacionamentos tal como eles são (o que não quer dizer que todos os relacionamentos passem pelos mesmos dramas retratados pelo longa) e é interessante perceber o quanto ambos os garotos amadurecem (principalmente Ellis) ao descobrirem que a verdadeira coragem pode estar em aprender a lidar com separações e perdas e não na decisão de prolongar uma relação já fadada ao fracasso, que pode abrir feridas ainda mais profundas.


O peso da direção habilidosa de Jeff Nichols pode ser sentido no fio de tensão que percorre toda a trama até explodir no último ato em sequências de tirar o fôlego; ele consegue ainda extrair excelentes desempenhos de todo o elenco. O fato de não se tratarem de personagens maniqueísta, aliado ao naturalismo da composição dos mesmos, reforça o tom realista das interpretações e torna convincente o drama vivenciado pelos personagens e a evolução pela qual eles passam no decorrer da história. Os jovens Tye Sheridan e Jacob Lofland estão muito bem, é interessante observar a destreza com que eles transitam tanto pela leveza, que caracteriza os primeiros atos do filme, quanto pelo drama. A Reese Witherspoon também entrega um grande desempenho, ela consegue tornar notável a dor que sua personagem sente apenas pelo olhar e pela expressão facial, vemos as marcas do sofrimento estampadas em seu rosto belo, porém visivelmente melancólico.


O Matthew McConaughey entrega aquela que talvez seja a melhor atuação do filme, em seus olhares temerosos e na insegurança que ele deixa transparecer nos pequenos gestos de seu personagem fica perceptível o paralelo criado na trama entre ele e os garotos que passam a reverenciá-lo como uma distorcida figura paterna - nota-se que ele é na verdade tão imaturo quanto os dois meninos. Tal como Ellis ele não tem a coragem necessária para lidar com a iminente possibilidade de perder uma pessoa que ama e isso o torna mais humano e seus dilemas morais mais compreensíveis aos olhos dos expectadores. McConaughey trabalha de forma genial o contraste entre a suposta infantilidade de seu personagem, que reforça o carisma que ele tem, e o perigo que ele representa pra si mesmo e para as pessoas à sua volta.


Pode-se dizer que Mud dialoga com a temática explorada em O Abrigo (2011), o filme anterior de Jeff Nichols, ambos retratam em suas respectivas tramas a apreensão causada pela possibilidade de que o núcleo familiar possa ser desintegrado por alguma ameaça interna ou externa. Em ambos vemos o quanto o padrão de felicidade associado à ilusão de segurança, representada nos dois casos pelos laços familiares, pode ser nos fim das contas tão frágil... Mud vem confirmar aquilo que O Abrigo já indicava, Nichols merece ser acompanhado de perto, afinal ele tem se despontado como um dos mais talentosos cineastas americanos da atualidade.



Assista ao trailer de Mud no You Tube, clique AQUI !


A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.


Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a crítica de O Abrigo (2011), também dirigido pelo Jeff Nichols.


2 comentários:

  1. Olá, José Bruno.
    Eu não conhecia este filme, valeu pela dica (gosto de filmes que sejam sérios sem serem piegas ou exagerados).
    Vi El Topo, do Alejandro Jodorowsky estes dias, é bastante surreal; gostei do filme, mas ainda prefiro as hqs escritas por ele, como O Incal e Bouncer.
    Abraço.

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  2. Concordo plenamente com a lambança do título... ótimo texto!

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