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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Mamma Roma

Mamma Roma - 1962. Escrito e dirigido por Pier Paolo Pasolini. Direção de Fotografia de Tonino Delli Colli. Produzido por Alfredo Bini. Arco Film / Itália.


Pier Paolo Pasoline certamente foi o mais polêmico e controverso dentre os cineastas que integravam o "Sexteto de Ouro do Cinema Italiano" (como ficou conhecido o grupo formado por ele, Vittorio de Sica, Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Federico Fellini). Ele, que também era poeta e escritor, ingressou na indústria cinematográfica como roteirista, tendo colaborado com Fellini em clássicos como Noites de Cabíria (1957) e A Doce Vida (1960). Pasoli, homossexual assumido, causou frisson no cenário cultural italiano ao discorrer em suas obras, de forma aberta, sobre sexo, religiosidade e política. A tendência esquerdista e a crítica à burguesia e à moral constituída foram temáticas recorrentes em sua filmografia, que pode ser considerada de vanguarda, por ter sido produzida em uma sociedade ainda firmada sobre pressupostos arcaicos e obsoletos. 

Em Mamma Roma (1962) estão presentes todos os aspectos que permeiam a obra do diretor/autor, nele o profano se entrelaça ao sacro para compor um retrato desconstrutivista, realista e um tanto obscuro do período pelo qual a Itália estava passando. O filme é uma metáfora, quase óbvia, da situação política e econômica vivida pelo país. Naquele momento histórico a nação começava a superar os traumas da segunda guerra mundial e as dificuldades que marcaram os primeiros anos que sucederam o conflito. Após um sofrido e humilhante processo de reconstrução (física e de identidade) a população voltava a olhar para o futuro, a criar expectativas e a ensaiar novos posicionamentos frente às suas questões internas e ao cenário mundial, é justamente este posicionamento que se torna o alvo da contundente crítica que o cineasta faz através de metáforas e simbolismos.


Mamma Roma (Anna Magnani), a personagem central do filme, é uma espécie de personificação da consciência coletiva do país no princípio da década de 60; este potencial alegórico, que ela como personagem tem, não é novidade nem no cinema, nem na tradição cultural italiana, ela é a representação do estereótipo da mãe protetora que deposita no filho suas próprias expectativas, transferindo para ele seus sonhos e anseios (esté estereótipo também está ligado até ao mito de criação de Roma). Na trama, a personagem, que é uma ex-prostituta, batalha e faz de tudo para dar um futuro digno para o filho adolescente, Ettore (Ettore Garofolo), ele, no entanto, prefere vadiar na companhia de outros garotos e flertar com uma moça mais velha que ele, que tem um filho ainda bebê. Ao relacionar os personagens com o cenário que comentei acima, percebe-se que a mãe representa a confiança que o país depositava na possibilidade de um recomeço e o filho o futuro, ainda incerto, que guardava consigo a potencialidade de uma vida nova.


À princípio, a metáfora criada por Pier Paolo Pasoline até nos parece otimista, mas definitivamente ela não o é, apesar da confiança depositada no porvir, tanto o filho quanto a nação parecem condenados à repetir os mesmos erros já cometidos no passado (no caso do filme, pela mãe) e é neste fatalismo que se encontra a crítica feita pelo cineasta. Tal como os personagens no filme, os italianos continuavam acreditando na promessa de realização futura feita pelo capitalismo, sem perceber que este mesmo sistema propiciara sua ruína de outrora. Na história, Mamma Roma acredita que a felicidade chegou com a compra de um apartamento novo e mais adiante ela transmite a crença que tem no consumismo para o filho, ao lhe dar de presente uma motocicleta. Rondando o otimismo, que é apenas aparente, está a ameaça do passado, que no longa é representada pelo reaparecimento de Carmine (Franco Citti), ex- cafetão da Mamma, que volta para tentar convencê-la a retomar sua antiga vida.


Carmine não só personifica a culpa proporcionada pelos erros de outrora, como também a dificuldade de se fazer o que é certo, quanto se está cercado por um sistema que lhe compele ao erro. Na trama, uma outra personagem exerce uma função alegórica parecida com a dele, ela é Bruna (Silvana Corsini), a jovem que seduz Ettore. Ela representa a falsa inocência que traveste o erro e a sedução do caminho que conduz aos tropeços. Ela seria, portanto, uma personificação do ímpeto capitalista que ressurgia com toda força na Itália impulsionado pelo consumismo. Longe de ser moralizante, Pasoline não aponta respostas, nem culpados, ele apenas faz um alerta, baseado em suas convicções políticas e na leitura que ele fazia da sociedade de sua época. O final emblemático carimba a visão que ele tinha sobre os temas abordados, mas deixa algo em aberto, como uma pergunta feita à própria Itália sobre a perspectiva que ela, como nação, tinha de seu próprio futuro...


Anna Magnani está sublime no filme, ela expressa de uma forma extraordinária tanto a esperança e o otimismo de sua personagem, quanto o desespero dela diante de suas frustrações, que já são anunciadas desde o primeiro ato do filme. Ouso dizer que ela entrega neste longa uma atuação ainda mais intensa que a de  Roma Cidade Aberta (1945), que é tida por muitos críticos e cinéfilos como o seu melhor desempenho. Ettore Garofolo também está ótimo, as sequências nas quais ele contracena com Magnani são, na minha opinião, as melhores do filme, pois elas representam o choque que há entre as duas visões que norteiam a alegoria proposta pelo cineasta, tal choque é potencializado pelo desempenho de ambos os atores que emprestam aos seus respectivos personagens uma notável consistência dramática. O restante do elenco, formado basicamente por atores não profissionais, também entrega interpretações convincentes e destituídas de qualquer exagero, o que reforça ainda mais o tom realista do filme.


A grandiosidade de Mamma Roma não está presente apenas em seu roteiro, mas também em todo o seu aparato técnico. A fotografia naturalista e a predominância de cenas filmadas em locações abertas, nítidas influências da estética neorrealista, estão condizentes com a proposta do filme de se apresentar como um recorte realista da sociedade italiana daquela época, este viés realista, ainda que dotado de simbolismos e metáforas, acentua o impacto que o filme provoca em nós espectadores e explica o tipo de recepção que ele teve quando foi lançado em seu país de origem. A trilha sonora é outro aspecto que merece destaque, ela ajuda a criar, durante toda a duração do filme, um clima um tanto melancólico, que contrasta em alguns momentos com a alegria e a espontaneidade da Mamma Roma, este contraste serve para mostrar o quanto o otimismo da personagem soa estranho devido ao contexto no qual ela está inserida. 


Foquei nesta resenha o viés político do filme, pois ele foi o que mais me chamou a atenção, no entanto reconheço que Mamma Roma é o tipo de produção que possui múltiplas abordagens e que, sendo assim, ele permite análises com diversas angulações, todas elas potencialmente consistentes. Este pode não ser o melhor filme de Pasolini, mas é uma das obras mais importantes da fase áurea do cinema italiano, simplesmente indispensável!


Assistam Mamma Roma completo no You Tube,  clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Prometheus

Prometheus - 2012. Dirigido por Ridley Scott Escrito por Jon Spaihts e Damon Lindelof, baseado nos personagens criados por Dan O'Bannon e Ronald Shusett. Direção de Fotografia de Dariusz Wolski. Música Original de Marc Streitenfeld . Produzido por David Giler, Walter Hill e Ridley Scott. Twentieth Century Fox,  Scott Free Productions e Brandywine Productions / USA | UK.


Prometheus (2012) acabou se tornando vítima de dois problemas, um deles inocente. O longa dirigido por Ridley Scott se autoproclamou um prequel de Alien – O Oitavo Passageiro (1979) e esta pretensão lhe  rendeu seu primeiro tropeço, o involuntário, afinal todos esperavam que o cineasta iria entregar uma obra no mesmo nível de qualidade atingido no primeiro filme do alienígena, que também fora dirigido por ele, no entanto o caminho trilhado nesta nova empreitada segue uma direção bem diferente daquela escolhida em 79. Neste novo filme o suspense foi praticamente descartado e o pouco que se tem do gênero simplesmente não funciona. Prometheus não consegue meter medo e tão pouco provocar em nós espectadores a sensação de claustrofobia outrora experimentada. Preciso deixar claro que não vejo isso como um problema, afinal o diretor não assumiu nenhum compromisso de rezar novamente pela mesma cartilha e é natural que este filme esteja dramaticamente e estilisticamente mais próximo de suas produções recentes do que de uma que ele realizou há mais de trinta anos.

A franquia de Alien, como um todo, sempre foi caracterizada pela apelo sensorial de seus filmes, as quatro produções que a compõem buscam, através da trama e do aparato técnico, despertar sensações em nós espectadores. Este fenômeno, no entanto, não se repete em Prometheus, simplesmente porque este não e  o objetivo dele, nota-se que ele se propõe a ser mais reflexivo e filosófico do que sensorial e neste aspecto está o seu segundo tropeço. Em uma clara tentativa de parecer grandioso, ele constrói sua trama tendo como alicerces questionamentos complexos acerca da origem do universo e da existência de Deus. Esta angulação, se tivesse sido bem explorada, poderia realmente tê-lo tornado um clássico contemporâneo, mas não é o que acontece. Personagens rasos e uma trama que passa rápido demais por determinados pontos não proporcionam uma abertura maior para a reflexão e as perguntas levantadas nos primeiros atos acabam se perdendo durante o desenvolvimento do filme ou sendo respondidas de forma simplória.


Um outro aspeto que esteve presente na franquia de Alien, principalmente em Aliens, O Resgate de James Cameron, é a questão da maternidade, em Prometheus esta metáfora é novamente revisitada, sendo personificada na trama pela cientista Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), ela é a personagem feminina aparentemente destinada a substituir a tenente Ellen Ripley, interpretada pela Sigourney Weaver nos outros filmes. Naquele que seria o início de toda a história contada pela franquia, Elizabeth e Charlie (Marshall-Green), ambos arqueólogos, descobrem uma ligação entre pinturas rupestres de diversas épocas diferentes, encontradas em pontos distintos do globo. Nas gravuras analisadas por eles, homens apontam para algo semelhante à uma constelação, o que poderia ser, de acordo com a interpretação deles, um mapa. Seguindo esta trilha improvável, os cientistas embarcam em uma missão, idealizada e financiada por uma excêntrico milionário, que os leva ao planeta LV-223, o local para onde teoricamente as pinturas nas cavernas os guiavam.


A nave, chamada de Prometheus, em uma referência ao titã da mitologia grega que desafiou os deuses, parte com a missão de desvendar alguns dos segredos sobre a origem da humanidade, uma motivação que sempre guiou o trabalho de Elizabeth e Charlie. Além do casal de arqueólogos, estão a bordo a coordenadora da missão, Meredith Vickers (Charlize Theron), o capitão Janek (Idris Elba), o androide David (Michael Fassbender), além de outros cientistas, mecânicos, pilotos e técnicos. Para boa parte dos tripulantes a missão não tem sentido algum, eles estão lá apenas pelo dinheiro que lhes fora prometido e isto acaba determinando suas ações e reações após a aterrissagem no planeta até então desconhecido... 

O roteiro constitui cada um dos personagens de acordo com suas motivações e com o sentido que eles vêm ou não em tudo que os cerca, o problema é que tal constituição se torna falha à medida que as aspirações deles passam a não fazer sentido para nós expectadores. O contentamento da personagem principal com as respostas que ela dá a si mesma, por exemplo, é um tanto incondizente com sua curiosidade e a postura questionadora que a trama lhe atribui.


Ditos os pontos negativos, vamos agora aos positivos, aqueles que fazem a experiência de assistir o filme ser no fim das contas compensadora, ainda que frustrante em diversos aspectos. O ritmo da narrativa até que é bem conduzido, mas por ser rápido ele acaba sendo prejudicial à reflexão para a qual o roteiro tenta nos direcionar em alguns momentos, contudo ele faz com que a experiência de assistir ao longa seja agradável e isto faz com que o filme acabe funcionando ao menos como um bom entretenimento, o que não deixa de ser uma de suas propostas, vide o apelo à tecnologias como o 3D e o IMAX. 

A aparato técnico de Prometheus é muito bem realizado, sua fotografia e efeitos visuais produzem cenas belas, que salientam nos espaços abertos a grandiosidade do todo ao redor dos personagens, reforçando assim a ideia da insignificância do ser humano diante da imensidão do universo (aspecto que por sua vez não tão bem explorado pelo roteiro) e nos espaços fechados a sensação de encurralamento (que como eu disse, não chega a ser claustrofóbica, por não depender só da mise en scène). A direção de arte é outro aspecto que não deixa nada a desejar, a composição dos ambientes, principalmente a do interior da nave, é muito bem feita e possui diversas referências ao filme de 79.


O elenco, composto em boa parte por nomes de peso, também não deixa nada a desejar. Noomi Rapace e Michael Fassbender acabam se destacando dos demais, apesar de não apresentarem nada de tão extraordinário, eles estão bem e conseguem dar credibilidade para seus personagens, que no fundo é o que importa, principalmente tendo-se em vista que são personagens rasos e mau construídos, como eu já disse. 

Concluo portanto que Prometheus peca por tentar funcionar ao mesmo tempo como brokebuster e  como objeto de reflexão, é esta pretensão que o torna irregular e incapaz de agradar plenamente tanto um público mais exigente, que provavelmente considerará sua tentativa de ser filosófico uma farsa, quanto o público médio que tenderá a se dispersar nos momentos em que ele tenta parecer complexo... Mas, quando tento olhá-lo por uma outra perspectiva, quase me convenço de que quem pecou de fato fomos nós que acreditamos, mesmo contrariando todas as evidências, que o Ridley Scott produziria uma obra que superaria a mediocridade de boa parte de seus últimos filmes, como fomos tolos... 


Se você ainda não o assistiu e se dispuser a fazê-lo, recomendo então que se tente desvinculá-lo da franquia de Alien, principalmente do primeiro filme, uma vez que há pouca relação entre os tipos de abordagem que vemos neste e nos anteriores. Recomendo também que seja feita uma redução das expectativas previamente alimentadas, pois assisti-lo sem esperar muito o tornará bem melhor (eu sou testemunha disso). Não é um filme ruim, eu estaria sendo injusto se o classificasse como tal, ele apenas parece ter sido escrito por um daqueles tripulantes da nave Prometheus, para quem as perguntas existencialistas e suas possíveis respostas têm pouca ou nenhuma importância .. Contudo, recomendo!   


Assistam ao trailer de Prometheus no You Tubeclique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.


Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de Alien, o Oitavo PassageiroAliens, o ResgateAlien³ e Alien - A Ressurreição.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sombras da Noite

Sombras da Noite (Dark Shadows) - 2012. Dirigido por Tim Burton. Escrito por Seth Grahame-Smith e John August, baseado no roteiro televisivo de Dan Curtis, escrito para a série homônima produzida nos anos 60. Direção de Fotografia de Bruno Delbonnel. Música Original de Chris Lebenzon. Produzido por Johnny Depp, Christi Dembrowski, David Kennedy, Graham King e Richard D. Zanuck. Warner Bros. Pictures, Infinitum Nihil, GK Films, Zanuck Company, Dan Curtis Productions e Tim Burton Productions / USA.


Sinceramente eu não sei o que esperar de Frankenweenie (2012), filme do Tim Burton que estreia no Brasil no próximo mês, de certa forma isso é bom, simplesmente porque a obra do cineasta se tornou nos últimos anos uma mera repetição de tipos e fórmulas. Sombras da Noite (2012), fruto de mais uma parceria de Burton com o ator Johnny Depp, reforça esta constatação. Não é um filme de todo ruim, principalmente se comparado com a obra anterior do cineasta, o medíocre Alice no País das Maravilhas (2010), no entanto, ele peca nos mesmos pontos em que outros filmes recentes do mesmo diretor pecaram e dentre estes pontos o mais fraco é o roteiro. Adaptada da série homônima exibida pela TV americana nos anos 60, a história mescla o terror à comédia, sem no entanto funcionar em nenhuma das duas frentes. O trâmite entre gêneros distintos, que já foi uma habilidade de Burton, é hoje o seu calcanhar de Aquiles. 

A narrativa de Sombras da Noite começa em 1752, quando a família Collins se muda de Liverpool na Inglaterra para os Estados Unidos. Barnabas (interpretado na vida adulta por Depp) era então uma criança, ele era muito apegado aos pais,  Joshua e Naomi, que sempre lhe ensinaram sobre o valor da família. Já em solo americano, os Collins prosperam no ramo de frutos do mar e criam um verdadeiro império em torno do qual a cidade de Collinsport é edificada. Já adulto, Barnabas inicia um relacionamento com Angelique (Eva Green), a empregada da família, contudo ele a abandona depois de se apaixonar por Josete (Bella Heathcote), a quem escolhe para ser sua esposa. Angelique revela sua verdadeira natureza ao descobrir que fora traída, usando truques de feitiçaria ela mata os pais de Barnabas, conduz Josete ao suicídio e transforma se próprio amado em um vampiro, para em seguida atiçar a cidade contra ele e enterrá-lo vivo, acorrentado em um caixão


Quase duzentos anos depois, precisamente em 1972, Barnabas é acidentalmente despertado. Ao se ver livre ele percebe que está em mundo bem diferente daquele que conhecera. Ele então tenta se reaproximar de seus descendentes, quatro deles ainda vivem na cidade. Elizabeth Collins (Michelle Pfeiffer) é a nova matriarca da família, que agora está falida e vivendo em ruínas, ela o recebe com receio e desconfiança. É  Elizabeth quem luta para manter os parentes unidos apesar das adversidades, ela vive com a filha adolescenteCarolyn (Chloë Grace Moretz), com o sobrinho David (Gulliver McGrath) e com o irmão Roger (Jonny Lee Miller), pai de David. No antigo castelo construído pelo pai de Barnabas moram ainda a psiquiatra de David, Dra. Julia Hoffman (Helena Bonham Carter), a empregada recém contratada, Victoria Winters (Bella Heathcote), e outros dois serviçais.


Nos anos 70, Barnabas se depara com uma espécie de continuidade da história que vivera cerca de duzentos antes, todavia, este novo cenário é bem diferente e o estranhamento diante de tudo lhe causa um enorme choque, neste ponto da drama está o aspecto mais legal do roteiro. A trama brinca com o fato de que mesmo um vampiro seria incapaz de ser tido como diferente em uma década povoada por personagens tão excêntricos e bizarros. Em uma das sequências, o músico Alice Cooper aparece interpretando a si mesmo em um baile, o personagem central não consegue distinguir o que de fato ele é e o confunde com uma mulher, esta cene rende uma das melhores tiradas do filme. Outras piadas criadas em torno da confusão de Barnabas são engraçadas, no entanto elas só funcionam em um primeiro momento do filme, se tornando depois repetitivas e cansativas... A verdade é que na segunda metade pouca coisa no filme funciona.


Da metade para o final do filme a impressão que fica é a de que o fio da meada foi perdido, há uma nítida pressa em dar um desfecho para história que possa relacionar cada um dos fatos que vieram à tona nos primeiros atos. A desenvoltura observa na apresentação de cada um dos personagens, simplesmente desaparece dando lugar à uma sequência de ações desajustadas que prejudica o desenvolvimento da história e coloca a perder tudo que já tinha sido edificado. A sequência final beira ao ridículo, denunciando assim o problema que tem sido comum também a outros dos últimos filmes do Tim Burton: apesar de ter personagens interessantes o roteiro demonstra que não sabe o que fazer com eles e sendo assim, a saída é inseri-los em uma realidade alterada, ora sombria, ora burlesca, que busque se sustentar apenas pelo aparato técnico da produção.


A atuação do Johnny Depp no filme é um indício claro daquilo que já venho defendendo a bastante tempo, a parceria dele com Burton já deu o que tinha que dar, ele não está mal, contudo a repetição de mais um personagem excêntrico, que se assemelha a tantos outros que ele já viveu, pelos diversos trejeitos e maneirismos, é extremamente prejudicial para ele como artista, uma vez que seu nome está cada vez mais associado a tais tipos. Na constituição de seu Barnabas Collins não há ousadia, apenas mais do mesmo escondido embaixo de alguns quilos de maquiagem. A situação também se repete com a Helena Bonham Carter, que por sua vez se encontra neste filme em uma posição bem mais desconfortável do que a de Depp, seu personagem raso não lhe permite demonstrar o talento que tem. 


Ainda no tocante às atuações, os destaques ficam por conta da Eva Green, que está muito bem na pela da vilã, e da Michelle Pfeiffer, que transcende a mediocridade de sua personagem e entrega um desempenho bastante convincente. Como é comum nos filmes do Tim Burton, o aparato técnico é de uma qualidade quase irrepreensível,  a começar pela trilha sonora, que é fantástica, passando pelos figurinos, maquiagens e direção de arte, até chegar na fotografia dirigida pelo Bruno Delbonnel (que tem no currículo obras como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) e Across the Universe (2009)), todavia, volto a afirmar que a excelência técnica por si só não é o suficiente para se fazer um bom filme. 

Concluo, portanto, que Sombras da Noite não é uma obra totalmente dispensável, contudo ele não chega nem perto de atingir as expectativas alimentadas pelos nomes envolvidos. E definitivamente ele não parece ser um filme do mesmo cineasta que já concebeu obras do calibre de Edward Mãos de Tesoura (1990)Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003).


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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

sábado, 13 de outubro de 2012

A Troca

A Troca (Changeling) - 2008. Dirigido por Clint Eastwood. Escrito por J. Michael Straczynski. Direção de Fotografia de Tom Stern.  Música Original deClint Eastwood. Produzido por Clint Eastwood, Brian Grazer, Ron Howard e Robert Lorenz. Imagine Entertainment, Malpaso Productions e Relativity Media / USA.


A primeira reação que tive quando comecei a assistir A Troca (2008) foi a de negação, eu não conseguia aceitar que a história contada por ele tinha sido baseada em acontecimentos verídicos, tamanho o seu absurdo. A simples probabilidade de algo parecido acontecer já é capaz de nos assustar e de nos fazer refletir acerca da fragilidade e da incompetência do Estado em garantir aos indivíduos direitos básicos e inalienáveis e ainda sobre até que ponto iria nossa força se fossemos postos em uma situação parecida com a que a personagem central vive no filme. Ainda que os fatos narrados tenham sido dramatizados, personagens criados e situações alteradas, como frequentemente acontece, o peso da trama continua o mesmo, isto porque o que nos deixa perplexos nela não são os seus pequenos detalhes, mas a sua base, aquilo que estamos convencidos de que é de fato real. 

O filme se passa em Los Angeles nos anos 20 e conta a história de Christine Collins (Angelina Jolie), uma mãe solteira que trabalha em uma companhia de telefonia e se desdobra entre o emprego e os afazeres domésticos para cuidar de seu filho de nove anos. Em seu primeiro ato, que dura relativamente pouco, o longa busca retratar o relacionamento entre ela e o filho, Walter (Gattlin Griffith), um relação afetada pela ausência do pai, que desaparecera antes do nascimento do menino, e pelo relativo distanciamento dela, devido à falta de tempo. O filme deixa claro que ela ama o garoto e que justamente por isso se submete à uma jornada de trabalho tão pesada... Esta contextualização, que o filme faz em suas primeiras sequências, é muito importante, pois é ela nos ajudará a compreender a dor e a culpa que a personagem sentirá nos atos seguintes.


No dia 10 de março de 1928, um sábado, Christine foi chamada para resolver um problema no trabalho, mesmo relutante ela quebra a promessa que tinha feito a Walter, de levá-lo para passear, e vai para o serviço, deixando-o sozinho em casa. No final do expediente, após deixar o posto de trabalho, ela é abordada pelo seu chefe, que a elogia. Estes segundos de diálogo a fazem perder o bonde que a levaria de volta. Por causa do contratempo ela chega em casa já no início da noite. Ao entrar ela se surpreende com a ausência do filho, o lanche que deixara pela manhã ainda estava intocado e não havia sinal nenhum sinal do menino, ela o procura nas redondezas, indagando aos vizinhos, mas ninguém tem nenhuma informação para lhe dar. Naquele mesmo dia ela liga para o Departamento de Polícia da cidade, mas o atendente lhe informa que eles só procuram por pessoas que estão desaparecidas há mais de 24 horas e que provavelmente Walter voltaria pela manha. 


Na manha seguinte o garoto não aparece. Passadas as 24 horas a polícia finalmente vai até a casa de Christine e abre uma ocorrência. À medida que os dias passam a angústia dela aumenta, mas ela se mantém firme e enfrenta tudo com uma força surpreendente. Cinco meses depois do desaparecimento, a polícia entra em contato com ela e a avisa que Walter fora encontrado em uma outra cidade. A resolução do caso ganha a mídia e se torna uma propaganda positiva para o Departamento de Polícia, que estava com a imagem maculada devido ao envolvimento em diversos casos de corrupção. No entanto, há um pequeno problema, que é logo percebido por Christine, o garoto encontrado definitivamente não é o Walter. Os policiais, contudo, não aceitam que erraram, eles temem perder a publicidade proporcionada pela resolução do caso e ainda ter que enfrentar um novo escândalo.


J. J. Jones (Jeffrey Donovan), chefe da divisão de menores da polícia de Los Angeles, está disposto a tudo para encobrir a verdade, ele usa diversas artimanhas para convencer Christine de que aquele que lhe foi entregue é de fato seu rebento. Ele justifica que ela está incapaz de fazer julgamentos devido ao choque provocado por toda aquela situação; que toda criança sofre grandes transformações em um período de cinco meses e ainda que o próprio menino estava traumatizado pelo tempo que passara longe de casa o que explicava sua confusão e perda de memória. Christine continua sem aceitar que aquele é seu filho, mas mesmo assim ela o acolhe em sua casa, sem, porém, desistir de convencer a polícia do erro cometido, o que permitiria que as buscas pelo seu filho verdadeiro fossem retomadas. A partir deste ponto da trama o que se segue é uma odisseia kafikiana em busca de justiça e da verdade. Uma caminhada que levará a descobertas ainda mais assustadoras...


Ao refletir de uma forma um pouco mais aprofundada sobre a história contada, percebo que, apesar de absurda, ela é plausivelmente real e que há em torno dela todo um contexto que favoreceu tamanho equívoco e a insistência nele por partes das autoridades. Christine era uma mãe solteira, uma proletária, ou seja, ela não tinha voz nem tão pouco credibilidade diante da sociedade da época. Sua própria condição a tornara um alvo fácil para as artimanhas de J. J. Jones. Ao analisar o caso sob uma perspectiva um pouco mais ampliada, nos deparamos com a sociedade na qual os personagens estavam inseridos, uma sociedade dominada por criminosos e corruptos, que se associam e exercem influência através da imposição da força. O Departamento de Polícia surge neste contexto como o braço armado de todo este esquema e sendo assim, se a incompetência dele fosse revelada todo o sistema seria abalado. Com tantos interesses em jogo, se torna ao menos um pouco mais compreensível o fato de tamanha inverdade ser encoberta e ignorada por tanto tempo.


É interessante perceber que, mesmo ao adotar uma postura abertamente crítica, o filme ainda reflete o posicionamento político de Clint Eastwood, que é um conservador de direita. De certa forma a trama imputa a responsabilidade pelos fatos aos indivíduos e não ao sistema como um todo. O cineasta acredita neste sistema e não por acaso o último ato do filme (que muitos consideram dispensável) é praticamente dedicado a ele. O personagem Briegleb (John Malkovich) é o mais próximo que se tem de um alter-ego do diretor na história, ele é um pastor presbiteriano (uma figura claramente conservadora) que se dedica a expor e denunciar a corrupção que impera na cidade, é ele quem conduz a personagem central aos meios legais para conseguir aquilo que busca, é ele que a mostra que o sistema pode funcionar a seu favor. Como contraponto a Briegleb, há no filme uma outra personagem, uma prostituta (esta, uma figura subversiva), que em dado momento tenta fazer justiça com as próprias mãos e paga o preço por isso.


A Troca explora o drama da história narrada de uma forma sutil e sem exageros melodramáticos. Desta forma ele escapa do risco de tropeçar em diversos clichês, como viria acontecer em Além da Vida (2010), o filme seguinte de Eastwood. A narrativa emociona, mas sem precisar ser apelativa para tanto e o desempenho da Angelina Jolie colabora muito para isso, ela consegue expressar tanto a fraqueza quanto a força de sua personagem de uma forma convincente e realista, ela está ótima, ouso afirmar que esta é sua melhor atuação até então, superior até mesmo à de Garota Interrompida (1999). O filme ainda se destaca pela excelente fotografia, pela direção de arte, que faz uma ótima reconstrução de época, e pela trilha sonora, composta pelo próprio Clint Eastwood. É, sem dúvidas, um filme que merece ser conferido por todos. Recomendo! 


A Troca foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Atriz (Angelina Joilie), Fotografia e Direção de Arte. No Globo de Ouro o filme recebeu indicações nas categorias de Melhor Atriz em um Filme de Drama e Melhor Canção Original.

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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

Confiram também, aqui no Sublime Irrealidade, as resenhas críticas de
Os Imperdoáveis e Além da Vida, também dirigidos por Clint Eastwood
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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Branca de Neve e o Caçador

Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman) - 2012. Dirigido por Rupert Sanders. Escrito por Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini. Direção de Fotografia de Greig Fraser.  Música Original de James Newton Howard. Produzido por Sam Mercer, Palak Patel e Joe Roth. Roth Films e Universal Pictures / USA.


Revisitar contos clássicos tem sido uma forte tendência em Hollywood, esta onda, que recomeçou a relativamente pouco tempo, propõe uma releitura das histórias já conhecidas, dando a elas em alguns casos um toque de comédia, em outros um tom mais realista. Já era de se esperar que a história da Branca de Neve, um dos contos de fadas mais conhecidos em todo o mundo, ganhasse uma nova versão, contudo ela acabou rendendo, não uma, mas duas novas adaptações. Uma com ares de comédia romântica, Espelho, Espelho Meu (2012), e outra com uma abordagem mais séria e sombria, Branca de Neve e o Caçador (2012). Ainda não assisti a primeira e confesso que não tenho pressa de fazê-lo, já a segunda, que é o objeto desta desta resenha, é um filme medíocre, fácil de se esquecer e mal sucedido em sua proposta.

O roteiro escrito por Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini parece querer abraçar um mundo do tamanho da Terra Média, sem se contentar com uma bruxa má, um príncipe encantado, um espelho mágico e um grupo de sete anões, a trama ainda apela para um exército fantasma, fadas, duendes e um bom número de outros seres fantásticos. O grande problema é que em meio a tanta magia falta tempo para explorar melhor cada um dos personagens e assim torná-los ao menos um pouco mais cativantes. O excesso de fantasia ainda prejudica a angulação mais séria, para a qual a narrativa tende em diversos momentos, colocando a perder aquilo que o filme poderia ter tido de mais interessante.


No princípio da história, uma rainha é ferida por um espinho ao tocar uma rosa, seu sangue respinga na neve e neste momento ela diz que queria ter uma filha que tivesse a pele branca como a neve, os lábios vermelhos da cor de sangue e ainda os cabelos pretos como o ébano. Seu desejo é realizado com o nascimento de sua  primogênita, a quem ela ela dá o nome de Branca de Neve... Algum tempo depois a rainha morre, deixando a filha ainda pequena, o pai da menina, ainda angustiado pela perda da esposa, se vê obrigado a enfrentar um exército que aproveitara o momento de fragilidade para invadir seu reino. Após vencer a batalha, o rei resgata Ravenna (Charlize Theron), uma linda mulher que era mantida como prisioneira pelos invasores. Perdidamente apaixonado, o rei toma Ravena como esposa; não demora muito e ela revela seu verdadeiro propósito, ela mata o monarca e assim assume o controle sobre os súditos e as posses reais.


Durante o reinado de Ravena, todas as redondezas do castelo são tomadas pelas trevas e durante todo este período Branca de Neve é mantida presa em uma masmorra... À medida que cresce, a princesa vai se tornando cada vez mais bonita, até o dia que Ravena, ao inquerir seu espelho mágico, descobre que a enteada se tornara mais bela do que ela. Ao se ver ameaçada a rainha decide matar Branca de Neve, mas antes a jovem consegue escapar e se refugiar em uma floresta sombria que fica nas cercanias do reino. Inconformada com a fuga, Ravena envia um caçador até a floresta para perseguir e matar sua enteada. A partir deste ponto, a trama do filme começa de fato a ser desenvolvida, porém de uma forma totalmente previsível, é possível antecipar tudo o que irá acontecer nos atos seguintes, até mesmo os pontos que diferem da versão mais conhecida da história. 


Na constituição da personagem central estão alguns dos maiores pecados do filme e não estou falando do fato de a Kristen Stewart ser considerada mais bela que a Charlize Theron na trama, o que é um absurdo, falo da dissonância que há entre a imagem que o roteiro tenta construir em torno dela e algumas de suas atitudes. É no mínimo estranho o fato de alguém que é tido como puro de coração ser egoísta o suficiente para abandonar outros personagens que precisam de ajuda para salvar sua própria pele; neste caso o erro não está na atitude da personagem em si, mas no roteiro, se ele pretende nos convencer de que a protagonista é de fato pura, ele não pode permitir que ações dela mesma contestem esta premissa. Outras falhas, similares a esta, tornam os personagens ainda mais superficiais e empobrecem a trama. A situação se agrava quando do nada surgem maldições antigas (que ninguém sabe de onde veio), poderes de cura (que ora funciona, ora não) e romances pessimamente explorados (que remontam ao triângulo amoroso de Crepúsculo)...


Não vou ser radical a ponto de dizer que Branca de Neve e o Caçador é um completo desastre, afinal ele tem alguns pontos que são sim bastante positivos, no tocante à técnica ele é um filme relativamente bem feito, ele não tem nada de espetacular,  mas também não deixa nada a desejar. Sua fotografia é bem trabalhada, bem os como os figurinos e a direção de arte. Já nas atuações não há nada que mereça ser destacado, a Charlize Theron está bem, mas seu desempenho não tem nada de tão sobrenatural que justifique o 'oba-oba' feito por parte da crítica. Já a Kristen Stewart parece ter religado o piloto automático, no qual se manteve durante a franquia de Crepúsculo, ela não faz feio, a verdade é que esta é uma atuação que exige pouquíssimo do talento que eu sempre defendi que ela tem, penso que boa parte da culpa pelo seu desempenho medíocre esteja na má construção de seu personagem, detalhe que já mencionei acima.


Branca de Neve e o Caçador tropeça em suas próprias armadilhas, ele é fantasioso demais para ser realista e sério demais para ser considerado uma aventura despretensiosa. Ele não passa de um caça-níquel irregular em quase todos os aspectos artísticos, sinceramente não consigo apontar nada nele que o torne digno de ser conferido, afinal a técnica por si só não justifica uma recomendação entusiasmada. Sendo assim, indico apenas para quem não tiver outra opção melhor de entretenimento...


Assistam ao trailer de Branca de Neve e o Caçador no You Tube
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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

domingo, 7 de outubro de 2012

Louie - A Série

Uma comédia ácida que faz nos faz rir sem ser idiotizante 
e que nos induz a  pensar sem ser panfletária!


Dentre tantas séries de comédia que estreiam e são canceladas todos os anos, Louie, que estreou em 2010 e já está na terceira temporada, possui um grande diferencial, ao contrário das demais, sua proposta não pode ser considerada escapista, o tipo de humor que ela explora não é aquele capaz de oferecer a nós espectadores um alívio para os nosso próprios dilemas, pelo contrário, o roteiro escrito pelo comediante Louis C. K. (que também dirige, produz e edita a série), nos coloca é diante de um mundo sombrio, de situações potencialmente reais, que, apesar de serem abordadas de uma forma cômica, conseguem nos constranger e nos fazer repensar nossa própria postura diante dos temas que são retratados. Outra característica marcante na série é fato de ela fazer piadas com temas sérios e polêmicos, não se impondo limites quanto a isso, o que é um ponto bastante positivo em um cenário em que a autocensura aparece velada sob a alcunha de senso de politicamente correto.

Louis C. K. interpreta a si mesmo na série, na trama ele tem 43 anos e ganha a vida fazendo shows de stand-up e pequenos especiais para a TV. Ele se divorciou depois de nove anos de casamento e divide a guarda de suas duas filhas, uma de quatro anos e a outra de nove, com a ex-esposa. Pode-se dizer que o foco da série está no cotidiano nada atraente do 'personagem', na relação dele com as filhas, no seu trabalho e em suas tentativas frustradas de se relacionar com as mulheres. O universo pelo qual Louie transita não possui grandes atrativos, uma vez que o personagem não tem uma vida cheia de realizações ou de feitos capazes de despertar a nossa admiração ou inveja. O que torna a série tão interessante é a perspectiva pela qual as histórias de cada episódio são contadas e a visão de mundo emprestada pelo próprio Louis C. K., uma visão pessimista e amarga, porém muito bem humorada.


É natural que nos primeiros episódios as séries tentem mostrar a que veio, são nestes capítulos que elas  nos apresentam seus personagens, o contexto no qual eles estão inseridos e o tipo de abordagem que sua narrativa explorará. No caso de Louie, a sequência que abre o segundo episódio tem a capacidade de sintetizar tudo isso em pouquíssimos minutos, ela mostra Louie em uma descontraída reunião com amigos, todos eles também comediantes. É uma passagem simples, mas a partir dela já podemos identificar diversos aspectos que serão recorrentes em toda a série, dentre eles o fato do personagem se relacionar na maioria das vezes com pessoas ligadas ao seu trabalho ou à alguma outra instância de seu cotidiano, como por exemplo a escola das filhas. Nesta sequência percebemos ainda a visão de mundo peculiar e sarcástica que a série adota, o que fica evidente pelos comentários feitos por cada um dos personagens.


No entanto, o ponto mais interessante da passagem citada acima surge quando um dos personagens, Rick, o único gay dentre eles, se torna o alvo das atenções, todos começam a lhe fazer perguntas sobre como é uma transa com outro homem e sobre as festas gays que ele frequenta. Em dado momento, Rick diz que não se importa quando um comediante faz piada sobre homossexuais, mas ele defende que o termo "faggot", expressão pejorativa usada para se referir aos gays, é pesado demais e pode machucar dependendo da forma com que é usado no palco. Rick então conta uma história triste que revela a origem do termo e todos ficam sérios. A conversa, que até então se mantivera em um nível amistoso, adquire um novo tom, a câmera mostra cada um dos personagens que estão na mesa e enfatiza suas expressões de constrangimento e culpa, até que um deles subitamente diz: "tudo bem viado (faggot), vamos nos lembrar disso" e todos riem, inclusive Rick, que abraça o autor do comentário e lhe dá um beijo na testa.


Nesta passagem é como se a série estivesse dizendo para nós expectadores: "este é o meu tipo de abordagem, este é o estilo de humor que explorarei daqui pra frente". A piada feita ao final da sequência mostra até onde o roteiro se dispõe a chegar, no entanto, ela não elimina o desconforto causado pelo momento em que a conversa se tornara mais séria. Ainda neste mesmo episódio há uma outra passagem que também discorre sobre o mesmo tema, o preconceito, juntas estas duas sequências propõem uma reflexão sobre o assunto, deixando no ar mais perguntas do que respostas. Ao caçoar de nossa própria limitação e de nossos preconceitos e vícios de caráter, a série nos constrange e é neste constrangimento que está a sua grande sacada, pois esta sensação nos leva a pensar sobre o quão absurdas são cada uma das situações abordadas, situações estas que podem ser tão comuns em nosso próprio cotidiano.


Apesar dos temas mais sérios serem predominantes, a série não abre mão das piadas mais nonsenses e deste viés menos pretensioso também surgem grandes momentos, como a visita de Louie ao médico interpretado por Ricky Gervais e a discussão com uma garota que está na platéia em um de seus shows de stand-up. A alternância entre cenas que mostram Louie se apresentando como comediante e as que retratam seu cotidiano lembram o formato de Seinfield, série já clássica criada por Larry David e Jerry Seinfeld. A semelhança entre as duas produções, no entanto, não para por aí, ela está também no fato de ambas retratarem uma versão fictícia da vida de uma personalidade real e em suas propostas de não adotar uma temática específica, justificando, em ambos os casos, a classificação que era dada a Seinfield nos anos 90, a de uma série sobre o 'nada'. A diferença entre as duas está no fato de que o humor de Louie é bem mais ácido e contundente e nela o 'nada' é bem mais sombrio e incômodo.


Louis C. K. está realmente muito bem em cada uma das funções que ele exerce na produção, a série é muito bem escrita, dirigida e editada e ela se destaca ainda pelas excelentes atuações, todo o elenco está muito bem, inclusive os personagens secundários e as garotinhas que interpretam as filhas de Louie. O orçamento relativamente baixo que a série teve não foi, no fim das contas, um empecilho, apesar do formato não ser totalmente novo, Louie se destaca por ser uma série bastante original, que nos faz rir sem ser idiotizante e que nos induz a pensar sem ser panfletária. Uma produção digna dos mais calorosos aplausos. Recomendo! 

Em 2011 Louie foi indicada ao Emmy de Melhor Ator em Série de Comédia (Louis C. K.) e de Melhor Roteiro para uma Série de Comédia (pelo episódio "Poker/Divorce"), neste ano a série ganhou o prêmio de Melhor Roteiro para uma Série de Comédia (pelo episódio "Pregnant"), tendo sido indicada também nas categorias de Melhor Direção (pelo episódio "Duckling") e Melhor Ator em Série de Comédia (Louis C. K.).


Assistam ao trailer da primeira temporada de Louie no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,