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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O Lado Bom da Vida

O Lado Bom da Vida  (Silver Linings Playbook) - 2012. Escrito e dirigido por David O. Russell, baseado no romance de Matthew Quick. Trilha sonora original composta por Danny Elfman. Direção de Fotografia de Masanobu Takayanagi. Produzido por Bruce Cohen, Donna Gigliotti e Jonathan Gordon. The Weinstein Company e Mirage Enterprises / USA.


Pat Solitano Jr. (Bradley Cooper) foi internado em uma instituição para tratamento psiquiátrico após ter perdido o controle diante de uma situação traumática que arruinou seu casamento. Depois de cumprido o prazo de internação, que foi determinado legalmente, ele deixou a clínica e voltou para a conturbada casa de seus pais. Sua alta fora concedida por causa de um pedido de Dolores (Jacki Weaver), sua mãe, que acreditava que ele já estava em condições de  se reerguer psicologicamente e de recomeçar sua vida. Pat, que recebera o diagnóstico de transtorno bipolar, não dá importância para o tratamento; ele se recusa a tomar a medicação que lhe fora prescrita e age como se estivesse negando a existência de seu distúrbio emocional, seu único objetivo é conseguir se reaproximar de sua esposa, a quem ele ainda ama, ele tem esperança de acertar tudo com ela e assim salvar seu casamento, no entanto, esta é uma ambição um tanto difícil de ser realizada, uma vez que uma ordem judicial de restrição o obriga, por questão de segurança, a se manter distante dela, podendo ele ser novamente internado ou até preso em caso de desobediência.

A casa de Pat definitivamente não é o melhor lugar para ele se recuperar, sua mãe é recessiva e aceita todas as mazelas de sua vida com relativa submissão e seu pai (interpretado pelo Robert De Niro), com quem ele não tem um relacionamento tão bom, está viciado em apostas, o que tem colocado a segurança financeira da família em risco... Num primeiro momento, a trama se desenvolve sem tantos atrativos, a atuação de Cooper, que muitos têm elogiado, me pareceu forçada, o que fez com que o drama vivido por ele e sua doença não fossem críveis o suficiente para eu me envolver com a história. A impressão que tive em diversas passagens foi a de que ele (o personagem) estava apenas fingindo, o que vejo como o resultado negativo do desempenho do ator, que infelizmente não conseguiu me convencer. Tudo no filme parece melhorar quando uma outra personagem entra em cena, ela é Tiffany (Jennifer Lawrence), uma jovem que também tentava se reerguer de um trauma recente; diferente de Pat, ela não chegou a ser internada, mas sua vida estava em ruínas assim como a dele.


O curioso é que até o desempenho de Bradley Cooper melhora nas cenas que ele protagoniza junto com a Lawrence, o que não é para menos, a atuação dela é de longe o melhor aspecto do filme, o que é ajudado em parte pelo fato dela interpretar a personagem mais interessante do longa e principalmente pela intensidade com que ela se entrega a ele mesmo nas passagens mais triviais. Ao contrário de Cooper, ela consegue dar credibilidade à sua personagem, mesmo ela sendo dotada de uma forte veia cômica, que fica evidente no exagero de algumas situações vividas por ela na trama... A partir de determinado estágio de seu desenvolvimento o filme parece ganhar vida, curiosamente isso acontece depois que o Bradley Cooper desiste de nos convencer que o transtorno bipolar se resume a ataques estéricos por motivos fúteis. Sem tanta forçação de barra, o roteiro passa a fluir de uma forma bem melhor, dando um espaço, ainda que pequeno, para que possamos conhecer os personagens além dos estereótipos que eles acumulam nos primeiros atos, o que sem dúvidas é algo bom, mas que não chega a salvar o filme como um todo de suas próprias limitações.


Sei que provavelmente irei causar polêmica ao afirmar isso, mas, sinceramente não consegui ver em O Lado Bom da Vida (2012) absolutamente nada que justifique as diversas indicações que ele recebeu nesta temporada. As nomeações aos prêmios de interpretação, por exemplo, foram exageradas, culminando no absurdo de ter um ator indicado em cada uma das quatro categorias de atuação do Oscar... A interpretação do Robert De Niro é a sua melhor em anos, porém seu desempenho não é tão formidável a ponto de ser destacado de tantos outros que mereciam concorrer ao prêmio da Academia muito mais do que ele. A indicação da Jacki Weaver é, no entanto, a mais absurda de todas, afinal a personagem dela sequer tem uma expressão tão significativa na trama... Dentre diversos aspectos medianos, o que se destaca é a trilha sonora (que conta com nomes como Stevie Wonder, Led Zeppelin, The White Stripes e Bob Dylan) e a montagem, que ajudam a tornar o filme leve e, sendo assim, um bom entretenimento (e tão somente isso). 


Reconheço que O Lado Bom da Vida é um filme bom, gostoso de assistir e cativante (principalmente em seus últimos atos), no entanto, isso por si só não faz dele uma obra digna de ser lembrada como uma das melhores do ano. David O. Russell entrega uma direção competente, porém destituída de qualquer marca autoral. O roteiro é bem escrito, mas transita por clichês já vistos em inúmeras outras produções. A superação, que é a tônica que guia o roteiro, é um tema relativamente fácil de cair no gosto popular, afinal todos nós queremos acreditar que a vida é simples, apesar de todas as lutas inerentes á ela, e que os problemas são fáceis de serem resolvidos, acredito que isso possa ter colaborado para a recepção tão boa que o filme vem tendo, uma vez que seu roteiro nos entrega justamente aquilo que procuramos. 


Acredito que o filme valha o ingresso, afinal ele definitivamente não é ruim, todavia, ele se enquadra naquela categoria de produções dramaticamente confortáveis, porém facilmente esquecíveis...


O Lado Bom da Vida ganhou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz de Comédia (Jennifer Lawrence) e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Ator (Bradley Cooper), Atriz (Jennifer Lawrence), Ator Coadjuvante (Robert De Niro), Atriz Coadjuvante (Jacki Weaver), Roteiro Adaptado e Montagem.

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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Os Miseráveis

Os Miseráveis (Les Misérables) - 2012. Dirigido por Tom Hooper. Escrito por William Nicholson e James Fenton, com composições de Herbert Kretzmer, baseado no musical de Alain Boublil e Jean-Marc Natel; no livro de Claude-Michel Schönberg e de Alain Boublil e no romance de Victor Hugo. Direção de Fotografia de Danny Cohen. Produzido por Tim Bevan, Eric Fellner, Debra Hayward e Cameron Mackintosh. Working Title Films e Cameron Mackintosh Ltd. / UK.


Antes de dar início às considerações sobre Os Miseráveis (2012) é preciso deixar claro que este musical dirigido por Tom Hooper não é uma adaptação direta do clássico literário de Victor Hugo, mas sim da peça homônima escrita por Alain Boublil e Jean-Marc Natel. Por conta disso, o que vemos na tela é uma convergência entre a linguagem teatral e a cinematográfica, onde em diversos aspectos se sobressai a primeira. A parte do público que não está acostumada com este tipo de linguagem provavelmente a estranhará. É preciso lembrar também que em musicais, independente da história contada, o senso de realismo diminui para ceder espaço para a criação de alegorias e representações daquilo que seria de fato real, o que neste caso remete ao formato da tragédia grega, na qual os personagens eram definidos, não pelo nível de profundidade psicológica que tinham, mas pelas atitudes que tomavam e pelas consequências delas. 

Aristóteles, em sua obra A Poética, classificou a tragédia como "a imitação de uma ação completa e elevada, em uma linguagem que tem ritmo, harmonia e canto", esta definição se enquadra perfeitamente no filme de Hooper e as semelhanças com o formato clássico vão alémJean Valjean (Hugh Jackman), o personagem central de Os Miseráveis, traz em sua composição diversos elementos característicos do herói trágico, ele é um homem virtuoso, porém um único ato falho lhe conduz à inúmeras peripécias que destroem completamente sua vida, todavia, diferente do herói do teatro grego, ele não acaba sendo determinado por sua falha, mas pelo que resulta dela, é então que nos deparamos com aquele que é o tema central da obra de Victor Hugo, que felizmente foi mantido no longa: o embate entre a justiça, representada pela lei, e a graça, representada pelo perdão. 


A história começa em 1815 com Jean Valjean sendo solto, após 19 anos de trabalho forçado, ele fora condenado por ter roubado um pão para alimentar o sobrinho que estava na beira da morte e sua permanência na prisão foi prolongada devido a uma tentativa de fuga. No entanto, a liberdade condicionada que Valjean acabara de ganhar não lhe restitui sua vida, em cada lugar onde chega, ele precisa apresentar seu termo de condicional, o que desperta o medo e o repúdio das pessoas, que passam a tratá-lo como se ele não fosse digno de qualquer misericórdia. Um bispo (vivido por Colm Wilkinson), que encontra Jean dormindo na rua, lhe oferece comida e abrigo, mas antes do raiar do dia, o ex-presidiário foge levando consigo diversas peças de prata. Ele é novamente capturado e trazido à presença do religioso, que surpreendentemente decide isentá-lo da culpa. 


O bispo conta para o policial que as peças de prata foram dadas a Valjean de presente e que inclusive, na pressa, ele esquecera de levar dois castiçais, também de prata. Em troca, já longe da vista dos policiais, o religioso apenas pede a Jean, que ele use o que lhe foi dado para iniciar uma nova vida (a prataria possuía um altíssimo valor). Este gesto gracioso deixa o personagem envergonhado de seu próprio ato e muda completamente a percepção dele sobre sua própria desgraça, aquele ato de perdão passa a guiar sua consciência a partir de então,  disposto a começar uma nova história, ele rasga sua carta de condicional e troca de identidade. Sua paz, no entanto, não dura muito tempo, pois o cruel Javert, que fora guarda da prisão onde ele esteve por tantos anos, se torna chefe de polícia na cidade para onde ele foi. Passa a ser uma questão de tempo até Valjean ser descoberto e condenado a pagar pela quebra da condicional.


Em sua trajetória, que como eu disse é repleta de peripécias, Jean Valjean cruza o caminho de diversas pessoas, cuja vida ele acaba transformando, nem sempre para melhor. Fantine (Anne Hathaway) é uma mãe solteira que se vê obrigada a descer até o fundo do poço para conseguir sustentar a filha pequena, Cosette (interpretada por Amanda Seyfried na juventude), que mora em uma estalagem administrada por um esperto casal de trapaceiros, os Thénardier (Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter). Éponine (Samantha Barks), Marius Pontmercy (Eddie Redmayne), Enjolras (Aaron Tveit) e Gavroche (Daniel Huttlestone) são jovens militantes que acreditam na liberdade e se juntam à luta armada para tentar proclamar a república e eliminar a pobreza que assolava o país. Todos estes personagens interagem com Valjean em algum momento da história e suas respectivas realidades dão um panorama de qual era a situação na França no período retratado.


O livro de Victor Hugo (que ainda não terminei de ler) desenvolve melhor cada um dos personagens e adentra com uma maior profundidade em cada um dos temas que aborda, todavia, esperar que a peça ou o filme faça o mesmo seria tolice, uma vez que é praticamente impossível condensar em menos de três horas, uma trama que se desenvolve por anos a fio e que no livro ocupa mais de mil páginas na maioria das edições (a obra literária é frequentemente dividida em dois volumes). Contudo, o filme preserva aquilo que ao meu ver é o essencial, o já citado embate entre a lei e a graça, aspecto este que é relativamente bem trabalhado na trama, evocando reflexões sobre o quão difícil é perdoar sem pedir nada em troca e também ser perdoado sem oferecer em favor do misericordioso algum tipo de retribuição (dilema enfrentado por um dos personagens no filme).


Ao contrário do que parte da crítica tem afirmado, os números musicais não deixam tanto a desejar. A dificuldade de alguns dos atores em soltar a voz é notável, mas compreensível, visto que esta é a primeira vez que  boa parte deles participa de uma produção do gênero, no entanto isso não compromete a narrativa, que se mantém ancorada sobre as boas atuações (que não se resumem à técnica vocal). A presença de atores que fizeram parte da montagem teatral ajuda muito neste aspecto, são deles, obviamente, as melhores interpretações musicais, dentre as quais destaco o número solo da Samantha Barks, um dos melhores do filme. O Hugh Jackman e a Anne Hathaway estão muito bem, é possível perceber o quanto eles estão à vontade em seus personagens, diferente do Russell Crowe, que convence mais pelo esforço do que pela destreza. O Sacha Baron Cohen e a Helena Bonham Carter seguram bem o viés cômico do filme, a primeira sequência protagonizada por eles funciona como um alívio para o drama predominante na história até então.


Não creio que Os Miseráveis seja merecedor de todos os prêmios aos quais tem sido indicado, ouso dizer que há um pouco de exagero por exemplo em sua indicação ao Oscar de Melhor Filme, uma vez que ele, apesar de ser uma boa produção, não traz nada tão excepcional e ainda tropeça em alguns aspectos técnicos, como por exemplo a construção das cenas de ação, que deixam bastante a desejar (felizmente são poucas). Ao meu ver, apenas as indicações aos prêmios de Melhor Figurino e Direção de Arte são inquestionavelmente justas, pois nestes aspectos o filme é praticamente impecável. 

Recomendo o filme para todos com a ressalva de que não se pode encontrar nele a mesma profundidade e o mesmo detalhismo do livro que indiretamente o originou. 

Os Miseráveis ganhou o Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme de Comédia ou Musical e Atriz Coadjuvante (Anne Hathaway). Ele está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Ator (Hugh Jackman), Atriz Coadjuvante (Anne Hathaway), Canção Original (Suddenly), Maquiagem, Figurino, Direção de Arte e Mixagem de Som.


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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Amante da Rainha

O Amante da Rainha (En kongelig affære) - 2012. Dirigido por Nikolaj Arcel. Escrito por Rasmus Heisterberg e Nikolaj Arcel, baseado no livro de Bodil Steensen-Leth. Direção de Fotografia de Rasmus Videbæk. Música Original de Cyrille Aufort e Gabriel Yared. Produzido por Meta Louise Foldager, Sisse Graum Jørgensen e Louise Vesth. Zentropa Entertainments, DR TV, Trollhättan Film AB, Sveriges Television (SVT) e Sirena Film / Dinamarca | Suécia | República Checa.


A trama do filme O Amante da Rainha (2012) tem como pano de fundo a corte da Dinamarca em meados do século XVIII, período em que as ideias iluministas começavam a se espalhar pelos outros países da Europa, o teocentrismo, que justificara os abusos cometidos pelos nobres e pela igreja durante a idade média, começava a dar lugar ao antropocentrismo e aos ideias liberais defendidas por pensadores como  Rousseau, Montesquieu e Voltaire. No entanto, no país escandinavo tais ideais tardaram para ter alguma expressão, isso porque internamente ainda havia forte perseguição e censura, o que impedia a manifestação de opiniões contrárias à monarquia e a circulação de escritos subversivos. A nobreza e o clero da Dinamarca mantinham seus excessos e regalias às custas da passividade do rei Christian XVII (vivido por Mikkel Boe Følsgaard), que era tido como louco pelos seus próprios aliados. O monarca era inconsequente e seu desenvolvimento intelectual era limitado, o que favorecia a atuação do conselho formado pelos seus ministros, que agia em prol de interesses próprios.

Atendendo à cobrança dos súditos, que acreditavam que a sua loucura era provocada pelo excesso de masturbação, Christian se casou com sua prometida, a jovem princesa Caroline Mathilde da Grã-Bretanha (Alicia Vikander). A moça, que já tinha sido contaminada pelos ideias iluministas em seu país de origem, se viu então obrigada a se submeter ao julgo do marido, que a menosprezava e passava a maior parte do tempo bêbado em casas de prostituição. Uma esperança de mudança surge com a chegada do doutor Johann Struensee (Mads Mikkelsen), um médico alemão que também acreditava no iluminismo, ele é contratado como o médico pessoal do rei, de quem se torna grande amigo e conselheiro. Struensee  acaba se aproximando de Caroline, com quem inicia um perigoso relacionamento. Influenciado pelo médico, Christian adota uma postura mais firme diante do conselho, o que favorece o plantio dos novos ideias no país. Tudo parecia estar caminhando relativamente bem, até que conflitos começam a surgir. O clero e a nobreza não queriam perder seus privilégios e os próprios iluministas se deixariam contaminar pelo poder...


Se engana quem pensa que o foco da trama de O Amante da Rainha está só no triangulo amoroso, quem for vê-lo esperando tão somente uma histórica de intrigas da realeza certamente se decepcionará. O foco está é no aspecto político, que emana não do datismo histórico, mas da reflexão proposta acerca do poder e da influência que ele exerce naqueles que o detém. É interessante perceber como os próprios iluministas se tornam semelhantes aos seus inimigos ao se verem diante dos dilemas éticos inerentes ao ato de governar. Outra reflexão pertinente diz respeito ao controle social exercido pela igreja através da imposição de uma moral, que subtraia do povo seu direito ao livre pensamente e à expressão, legando a ele apenas a castração ideológica, que era sustentada pela ideia de que qualquer ato de subversão constituía um grave pecado - O que, convenhamos, não é algo tão diferente daquilo que pode ser observado em diversas situações nos dias de hoje, que nos fazem sentir como se também tivéssemos voltado à idade média...


O roteiro do filme consegue desenvolver bem cada um dos personagens centrais, é possível perceber uma evolução em cada um deles no decorrer da trama. Christian, que é apresentado no primeiro ato quase como um vilão, é humanizado durante o desenvolvimento da história, sua limitação intelectual explica algumas de suas atitudes e principalmente seu comportamento infantilizado; a raiva que sentimos dele no início do filme logo desaparece, dando lugar à empatia, que é reforçada pela excelente atuação de Mikkel Boe Følsgaard. Caroline e Johann chegam a ensaiar um caminho inverso ao percorrido pelo rei, eles, que são apresentados como os heróis românticos da história, acabam demonstrando em diversos momentos atitudes reprováveis, que contradizem todas as virtudes que eles demonstraram ter a princípio. A opção da narrativa de não tentar dar aos personagens a condição de heróis nacionais,   revelando também seus vícios e falhas, torna o filme mais fidedigno em sua reconstrução da história.


Mikkel Boe Følsgaard, como eu já disse, está excelente na pele do monarca insano, sua atuação é um dos pontos mais positivos do filme. Mads Mikkelsen  também está muito bem, ele interpreta com muita veracidade cada um dos sentimentos e sensações experimentados pelos seu personagem, que é de longe o mais complexo da trama. Alicia Vikander, que também está no filme Anna Karenina (2012), demonstra um desempenho mais limitado, mas ainda assim bom o suficiente para sustentar sua personagem, que é essencial na narrativa. Figurinos, direção de arte e fotografia conferem ao filme um belo visual, que não deixa nada a desejar quando comparado com grandes produções que já retrataram o mesmo período. Na maior parte das cenas a fotografia ressalta os tons descoloridos e frios, que predominam mesmo nos momentos que retratam a intensa paixão entre a rainha e seu amante, a opção por estas tonalidades tem relação direta com a angulação adotada pelo filme, que opta por mostrar a realidade ao invés de uma idealização romântica dos fatos narrados.


O Amante da Rainha se diferencia de boa parte dos filmes do gênero justamente por retratar um período tão importante da história do país onde foi concebido, sem precisar para isso recorrer a clichês como o do herói nacional, que permanece imaculado diante dos fatos, ou o da supremacia de uma ideia ou ideologia, que torna seus adeptos alheios aos dilemas éticos e morais de seu tempo. A forma contundente com que a história é contada e a abordagem de temas que continuam sendo tabus (aspectos que amenizam a estranheza provocada pela presença de Lars Von Trier no cast do filme, como produtor executivo) tornam o longa digno de ser conferido e ainda justifica sua nomeação aos diversos prêmios aos quais foi indicado desde sua elogiada estreia na edição de Festival de Berlim do ano passado. O Amante da Rainha é um filme que merece ser visto e analisado por todos, principalmente porque às vezes a história se repete e o pano de fundo de sua trama pode ser mais atual do que imaginamos... Recomendo!


O Amante da Rainha está indicado ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Argo

Argo - 2012. Dirigido por Ben Affleck. Escrito por Chris Terrio, baseado no artigo de Joshuah Bearman e no livro de Antonio J. Mendez. Direção de Fotografia de Rodrigo Prieto. Música Original de Alexandre Desplat. Produzido por Ben Affleck, George Clooney e Grant Heslov. Warner Bros. Pictures, GK Films e Smoke House / EUA.


Atração Perigosa (2010), o segundo filme dirigido pelo Ben Affleck, me proporcionou uma agravável surpresa, confesso que eu não tinha criado expectativas tão boas em relação a ele e ao assisti-lo me deparei com algumas grandes atuações e uma direção coesa, enxuta e ciente de sua própria importância. Cheguei a defender na resenha que escrevi, que foi a direção que salvou o longa de ser uma obra facilmente descartável, uma vez que ele possuía um problema difícil de ser contornado: um roteiro raso e repleto de clichês. Ontem, quando assisti Argo (2012), eu não tive a mesma surpresa, pois minhas expectativas já eram bem superiores, em parte devido às inúmeras críticas positivas que o filme recebeu, mas principalmente porque eu já imaginava que desempenho do Ben Affleck, como diretor, ganharia evidência em uma obra cujo roteiro conseguisse escapar dos lugares comuns, felizmente foi isso que aconteceu. Este seu novo trabalho não chega a abandonar por completo as velhas fórmulas, mas possui um roteiro muito mais maduro e consistente.

A trama de Argo gira em torno do seguinte fato histórico: Em 1979, uma crise internacional começou com a recusa dos Estados Unidos de deportar para o país de origem o Xá Reza Pahlevi, um tirano iraniano, a quem tinham concedido asilo político. A população do país árabe clamava pelo direito de executar o ditador, que fora deposto pelo aiatolá Khomeine. Enfurecido, um grupo de militantes invadiu a embaixada americana no país e fez reféns mais de cinquenta funcionários, eles acreditavam que o lugar estava sendo usado como base por espiões da CIA, que estariam infiltrados entre os diplomatas. O que eles não sabiam é que durantes a invasão seis pessoas conseguiram fugir do prédio, escapando pela porta dos fundos, estes foram acolhidos, secretamente, pelo embaixador do Canadá, Ken Taylor (vivido na trama por Victor Garber), que os manteve escondidos em sua residência. A resistência dos Estados Unidos em deportar o Xá, que estava sendo submetido a tratamentos médicos em Nova Iorque, aumentou a tensão entre os dois países e desencadeou uma onda de ódio contra os americanos no Irã.


A situação tornou quase impossível a saída dos seis refugiados do país. Para conseguir tirá-los de lá, a CIA decidiu colocar em prática um plano audacioso, arquitetado pelo agente Tony Mendez (interpretado no filme pelo próprio Ben Affleck). O agente entraria no Irã se passando por um produtor de cinema canadense em busca de locações exóticas para um filme e sairia de lá junto com os refugiados, como se eles fizessem parte de sua equipe. Para dar credibilidade à ideia, foi criado todo um aparato de marketing para o falso filme, que seria uma ficção científica nos moldes de Guerra nas Estrelas. A pre-produção de faixada envolveu o artista de maquiagem John Chambers (vivido por John Goodman), que ganhara o Oscar por seu trabalho em Planeta dos Macacos (1968), ele, que era conhecido de Mendez, participou da divulgação do filme e ainda criou um escritório para centralizar as operações relacionadas a ele. Na trama ainda é adicionado um personagem fictício (que pode ter sido inspirada em um real), o produtor Lester Siegel (Alan Arkin), que trabalha ao lado de Chambers e faz a mediação junto à imprensa. 


Este evento histórico era o mote perfeito para um roteiro cinematográfico, afinal de contas era uma história tão absurda que só o cinema poderia ter contado com tanta propriedade. O problema é que nas mãos erradas a trama poderia se tornar uma exaltação da política externa dos Estados Unidos e uma satanização dos árabes. Mas, apesar de ter em seu centro um herói americano, o roteiro escrito por Chris Terrio conseguiu escapar do risco de ser excessivamente tendencioso e ufanista. Já na sequência inicial do longa, que faz uma breve contextualização histórica usando a narração em off e imagens de storyboards, fica evidente que a culpa dos Estados Unidos no conflito não será amenizada, neste ponto já somos informados de que o Tio Sam ajudou a colocar o sanguinário Reza Pahlevi no poder e que ainda lhe deu asilo político após sua deposição, mesmo seus atos, que incluem perseguição e tortura, sendo tão condenáveis. 


Na excelente angulação adotada pela narrativa, a questão nacionalista perde o foco para dar lugar ao humanismo, o que favorece a construção de personagens não tão maniqueístas, o que não é comum em filmes que abordam este tipo de questão. Em Argo até os soldados e radicais islâmicos são retratados de uma forma menos tendenciosa, o que fica evidente na passagem em que militares ficam deslumbrados com os storyboards do falso filme e em outra que mostra a explosão de ódio de um homem contra os americanos, o que é logo justificado pela recente perda de seu filho, supostamente morto pelo Xá com uma arma americana. Esta abordagem confere ao filme um realismo maior, o que é reforçado também pelas atuações, a maior parte delas contidas, e pela excelente reconstrução de época que o filme faz, que pode ser notada nos figurinos, na escolha das locações e na direção de arte. [Prestem atenção na parte dos créditos finais que mostra lado a lado fotos reais do conflito e da mesma situação depois de recriada no filme].


Chris Terrio, o roteirista, ainda acha espaço para incluir uma boa dose de ironia no filme, o que pode ser percebido em diversos diálogos que fazem referência à própria indústria cinematográfica, um exemplo acontece na cena em que Tony Mendez vai até John Chambers para lhe pedir ajuda, o agente da CIA diz: "preciso que me ajude a fazer um filme falso", o artista de maquiagem então lhe responde de forma sarcástica: "você está no lugar certo". Na mesma passagem Mendez interroga: "já ensinaram alguém a ser diretor em um dia?", seu interlocutor então responde: "ensinaram um macaco-rhesus". Hipocrisia ou não, a decisão de manter no roteiro este tipo de piada aponta para a coragem de Ben Affleck de fazer graça com o próprio meio onde atua, o que pode ser visto ao mesmo tempo como protesto e como autocrítica. 


O desempenho de Affleck como ator, que sempre foi alvo de críticas, passou por um significativo amadurecimento. Ele constrói seu personagem de forma sóbria e o resultado é uma interpretação realista (apesar de alguns poucos clichês associados ao próprio personagem) e coerente com o tipo de abordagem adotado pelo filme, seu Tony Mendez é no fim das contas um herói plausivelmente real e não mais um estereótipo construído para alimentar o ego dos americanos e justificar as mazelas da política externa do país. John Goodman e Alan Arkin também entregam ótimas atuações, a maior parte das sequências protagonizadas por eles conferem ao filme um tom mais leve, que contrasta com a tensão da realidade no Irã e com claustrofobia da casa onde os seis funcionários da embaixada estão refugiados. O elenco secundário, constituído em boa parte por nomes oriundos da TV americana, como Bryan Cranston, Tate Donovan, Zeljko Ivanek e Clea DuVall, mantém o bom nível de qualidade das atuações.


A fotografia e a trilha sonora do filme também merecem ser destacadas, afinal ambas são fundamentais para o resultado final do longa. Rodrigo Prieto consegue dar ao filme um visual retrô, que nos remete à época na qual ele se passa e ainda trabalhar de forma diferenciada a iluminação em cada um dos ambientes nos quais ele se passa, ressaltando assim o tipo de sensação experimentada pelos personagens em cada um desses lugares. Alexandre Desplat, que conseguiu sua quinta indicação ao Oscar com a trilha deste filme, também realiza mais um excelente trabalho, elogiá-lo é chover no molhado, para Argo ele compôs uma trilha que toca nos momentos certos, sem apelos emocionais, mas com um grande poder de reforçar o sentimento de urgência que toma conta do filme em seus últimos atos, é interessante perceber os elementos da música árabe que ele inclui em suas canções, que funcionam perfeitamente no universo do filme.


Não posso afirmar que Ben Affleck realizou uma obra-prima, mas Argo é de fato merecedor de cada um dos elogios que vem recebendo, trata-se de um filme competente em cada um de seus aspectos, que nos mostra um pouco daquilo de melhor que a velha Hollywood ainda tem para oferecer. Recomendo!

Argo ganhou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Diretor e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Ator Coadjuvante (Alan Arkin), Trilha Sonora Original, Montagem, Edição de Som e Mixagem de Som.


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A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Django Livre

Django Livre (Django Unchained) - 2012. Escrito e dirigido por Quentin Tarantino. Direção de Fotografia de Robert Richardson. Produzido por Reginald Hudlin, Pilar Savone e Stacey Sher. Weinstein Company, The e Columbia Pictures / EUA.


Django Livre (2012) é um filme raso, historicamente incoerente e ultra violento. Pode parecer contraditório, mas é justamente nestas características que se encontra sua genialidade. Em sua trama, Quentin Tarantino reúne um apanhado de referências à clássicos do western, doses cavalares de violência e um humor ácido, corrosivo, destilado mesmo nos momentos mais improváveis da história. Não há nada de novo em sua narrativa, o que vemos nela é apenas uma reciclagem de velhas fórmulas, que agora aparecem sob uma nova roupagem estética. É como se neste filme o revisionismo histórico, feito pelo cineasta em Bastardos Inglórios (2009), tivesse sido apenas transferido para o sul dos Estados Unidos, no período que antecede a guerra civil e a abolição da escravatura no país. No entanto, mesmo sendo agressivo e sem tanta profundidade dramática, o filme se afirma como uma obra de altíssima qualidade, cumprindo com folga aquilo a que se propõe. Django Livre não tenta recriar fatos com verossimilhança, nem ir fundo nas questões acerca da escravidão, o que ele propõe é apenas uma tentativa de se fazer justiça, ainda que poética, acerca de um dos períodos mais sombrios da história.

Quem não gosta do estilo do Tarantino deve passar longe do filme, porque a assinatura do diretor está grafada em cada um dos seus aspectos técnicos e artísticos, não tenho dúvidas de que este é um trabalho que só ele poderia ter feito, nas mãos de outro realizador provavelmente o resultado seria um grande fiasco, uma vez que em Django Livre cada elemento tem sua importância e a falta de qualquer um deles poderia comprometer e muito o resultado final. Para aqueles que reconhecem o Tarantino como um dos mais importantes cineastas da atualidade, o longa é um verdadeiro deleite, pois ele traz cada um dos elementos que já se espera encontrar em um de seus filmes, porém, longe de soar como repetição, estes elementos funcionam de uma maneira extraordinária, o que vejo como o resultado de um total domínio da linguagem cinematográfica, o que pode ser notado no uso da fotografia, na trilha sonora, na montagem e no ritmo no qual a trama se desenrola, aspectos estes que comentarei mais adiante. 


A história de Django Livre começa com o encontro entre Django (Jamie Foxx) - um escravo que acabara de ser comprado por dois fazendeiros - e o excêntrico Dr. King Schultz (Christoph Waltz) - um cirurgião dentista alemão que se tornara caçador de recompensa nos Estados Unidos. Schultz estava à procura de três feitores foragidos, a quem ele não conhecia pessoalmente. Ele vai ao encontro de Django, que pertencera à mesma fazendo onde os três procurados trabalharam, na esperança de que ele possa lhe ajudar a identificá-los. Como recompensa o alemão promete ao escravo sua alforria e uma alta quantia em dinheiro. Django então se junta ao forasteiro e acaba se tornando seu sócio, no entanto, sua maior ambição não são as recompensas pagas pela captura ou morte de bandidos, mas conseguir resgatar a esposa, Broomhilda (Kerry Washington), que fora vendida para Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um cruel produtor de algodão, que se diverte apostando em lutas sangrentas entre escravos. Candie é ajudado pelo sinistro Stephen (Samuel L. Jackson), que apesar de ser negro, é tão cruel com os de sua etnia quanto o patrão. 


Desta trama relativamente simples, o cineasta consegue explorar um infinidade de temáticas, sem se aprofundar em nenhuma delas, o que é uma característica marcante de sua obra. O longa transita por diversos gêneros, dentre eles a comédia (uma das passagens, que debocha da Ku Klux Klan, me lembrou bastante o estilo de humor despudorado do Monty Python), o suspense psicológico, o drama e o western spaghetti e as referências vão de Os Três Mosqueteiros, obra clássica de Alexandre Dumas (escritor francês que era filho de uma negra) a Beethoven (cuja música 'Für Elise' toca em uma sequência que me lembrou uma passagem de Laranja Mecânica do Kubrick). O nome do personagem central foi tirado do filme Django (1966), dirigido pelo Sergio Corbucci, um dos diretores mais importantes do faroeste à moda italiana; já o nome da esposa dele, Broomhilda, é uma referência à uma personagem da mitologia nórdica, uma das Valquírias mencionadas na ópera Anel do Nibelungo de Richard Wagner. Este caldeirão de citações e influências ajuda a tornar a trama ainda mais superficial, mas é justamente ele quem a torna tão divertida e, contraditoriamente, original.


Django Livre não funciona como um acerto de contas com o passado, ele tão pouco irá lavar a alma daqueles que ainda sofrem com o preconceito e com a segregação racial (da mesma forma que Bastardos Inglórios também não funcionou como um revisão da barbárie provocada pelo nazismo), o que ele proporciona com sua trama revisionista é uma oportunidade de realizar-se, ainda que através da ficção, o desejo de ver a justiça sendo feita em um momento histórico no qual ela inexistia em favor de alguns. O estranho prazer que é possível sentir durante a projeção vem da ânsia de vingança, mas também do desejo que a própria sociedade (representada pelos espectadores) tem de purgar seus próprios erros. Quando Django açoita um feitor com um chicote é como se toda a história estivesse sendo reescrita em favor do lado oprimido e o prazer que emana, mesmo de cenas tão violentas, nos conduz à uma espécie de catarse. Junto com a preço pago pelos senhores de escravos e seus capangas é saldado também o preço que nós como sociedade devemos pelo nosso passado.


Para que a catarse aconteça de fato, é necessário que cada elemento esteja em seu devido lugar, Aristóteles já defendia isso desde a antiguidade ao falar da tragédia grega e o Quentin Tarantino aparenta ter plena ciência disso, uma vez que o mesmo efeito também foi alcançado por ele no final de Bastardos Inglórios. Mesmo na diminuição do ritmo da trama, que acontece nas passagens que antecedem o ato final (que alguns críticos apontaram como um problema), é possível ver um propósito. Através do suspense psicológico, que é criado no momento em que o desenvolvimento da história se torna arrastado, o roteiro nos prepara para as sequências finais, que é onde a catarse acontece de fato. Acredito que se a trama seguisse um ritmo ininterrupto este fenômeno provavelmente não aconteceria da mesma forma, pois nós expectadores não estaríamos tão ansiosos e apreensivos pelo desfecho e sendo assim não estaríamos tão sujeitos a sermos impactados pela descarga emocional do último ato.


Como eu disse acima, o alto nível de qualidade alcançado por Django Livre se deve, em grande parte, ao domínio da linguagem cimatográfica que o Quentin Tarantino demonstra ter, no entanto o mérito não é só dele, todo o elenco central do filme está extraordinário. O Christoph Waltz dá vida a um personagem que em vários momentos lembra seu Coronel Hans Landa de Bastardos Inglórios, no entanto, fica evidente que ele não está reinterpretando o mesmo papel. Eu ousaria dizer que o Dr. King Schultz tem muito mais consistência dramática do que o oficial nazista (que era tão somente um estereótipo maniqueísta, tal como o Calvin Candie neste) e o Waltz expressa muito bem cada nuance deste que é um dos personagens mais complexos do filme. Na trama ele é um dos poucos que vive um dilema moral capaz de mudar as motivações de seus atos, o que me leva a crer que não é por acaso que um personagem alemão tenha sido incluído na trama... 


O Leonardo DiCaprio está muito bem, o que não é nenhuma novidade. O Jamie Foxx e a Kerry Washington (que já tinham contracenado em Ray (2004)) também entregam grandes atuações, que não deixam nada a desejar em nenhum momento. Mas penso que o Samuel L. Jackson foi o mais injustiçado dentre os atores, não pelas premiações, mas pelo público, que parece não ter notado a genialidade da composição de seu personagem, que consegue algo que é muito difícil: provocar ao mesmo tempo o asco e o riso, seu Stephen também é um personagem que possui um nível de complexidade que o distingue dos demais. O elenco secundário também entrega bons desempenhos, o que não permite que o nível de qualidade das atuações esteja abaixo do aceitável em nenhum momento. Prestem atenção nas participações especiais do Franco Nero, que interpretou o personagem principal no Django do Sergio Corbucci e na do próprio cineasta, que aparece em uma ponta como de praxe (a dele é de longe a atuação mais fraca do filme).


A grandiosidade do longa é sustentada pelo seu conjunto de aspectos técnicos, que também não deixa absolutamente nada a desejar. A fotografia valoriza tanto as tomadas abertas, quanto os closes sugestivos. Alguns enquadramentos buscam destacar a figura do personagem central, no que beira um rito de mitificação, cujo propósito é associar a imagem de Django a outros pistoleiros de filmes do gênero que já conquistaram algum espaço em nosso imaginário. Na trilha sonora estão composições de Ennio Morricone e Luis Bacalov, que foram usadas originalmente em clássicos de western spaghetti, estas canções ajudam a pontuar o ritmo do filme (repare que algumas passagens, o filme adquire por completo o ritmo da música que toca de fundo, seja através do trotar dos cavalos ou de um simples batido de uma ferramenta) e ainda reverenciam o gênero como um todo. A trilha ainda conta com canções de músicos de diversos estilos, como James Brown, John Legend, Johnny Cash e RZA, o curioso é que cada uma delas parece ter sido feita para o filme, o que prova o quanto elas foram bem usadas nele.


Django Livre não é o melhor filme de seu realizador e talvez ainda seja cedo demais para dizer se ele pode ou não ser considerado uma obra prima, mas, independente disso ele sem nenhuma sombra de dúvida um filmaço, certamente um dos melhores da temporada. Não indico para os sensíveis à violência, para os demais ele é ULTRA RECOMENDADO! 

Django Livre ganhou o Globo de Ouro nas categorias de Melhor Roteiro e Ator Coadjuvante (Christoph Waltz). No Oscar ele está indicado nas categorias de Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original, Fotografia e Edição de Som. 

Assistam ao trailer de Django Livre no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.


Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a crítica de Pulp Fiction - Tempo de Violênciatambém dirigido pelo Quentin Tarantino!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Indomável Sonhadora

Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild) - 2012. Dirigido por Benh Zeitlin. Escrito por Benh Zeitlin e Lucy Alibar, baseado na peça de Lucy Alibar. Direção de Fotografia de Ben Richardson. Música Original de Dan Romer e Benh Zeitlin. Produzido por Michael Gottwald, Dan Janvey e Josh Penn. Cinereach, Court 13 Pictures e Journeyman Pictures / EUA.


Hollywood ainda tem muito a aprender com a produção independente do cinema americano. Ano após ano obras originadas fora do circuíto mainstrean têm ganhado projeção na temporada de premiações e chamado a atenção para uma verdadeira ebulição criativa que tem acontecido relativamente longe do olhar das grandes produtoras. Neste ano, o principal representante desta cena veio do estado da Louisiana, ele é Indomável Sonhadora (2012)trabalho de estreia de Benh Zeitlin, cineasta que chegou a afirmar que se sente um forasteiro na indústria cinematográfica. Trata-se de uma história com contornos realistas e fantásticos sobre a pobreza, a desigualdade social e a marginalidade. Sua trama, que é narrada pela perspectiva de uma criança, faz referência à passagem do furacão Katrina em 2005 e ao processo de derretimento da calota polar. O longa reúne elementos que dificilmente estariam presentes em uma grande produção, o que denota uma liberdade criativa bem maior, que é o que tem tornado a cena independente americana tão prolífera nos últimos anos.

Indomável Sonhadora retrata a realidade de pessoas que moram na 'Banheira', uma ilha fictícia localizada em uma região pantanosa da Louisiana, um lugar que corre o risco de ser inundado no caso de uma grande tormenta. Boa parte da população local se recusa a deixar a ilha, mesmo sabendo que o perigo é tão iminente, dentre estes está Wink (Dwight Henry), um homem que assim como os vizinhos, sobrevive da pesca e da agricultura de subsistência, ele passa a maior parte do tempo bêbado, o que curiosamente não é visto com maus olhos por nenhum dos outros habitantes. Ele se gaba de ser forte o suficiente para sobreviver a uma tempestade e de morar em um lugar onde pode viver em seu próprio ritmo, sem se preocupar com pressões impostas pela sociedade. Wink cria sozinho a filha de seis anos, Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), a quem ele ensina sobre a dureza e a crueldade da vida de uma maneira muito peculiar.


Dotada de uma fértil imaginação, Hushpuppy não compreende o quão dura é sua própria vida, para ela o mundo se resume à realidade da 'Banheira' e, devido às histórias contadas pelo pai, ela cria em seu imaginário uma visão negativa da realidade exterior a sua. Em seus devaneios, toda a ameaça vinda de fora é representada por um grande animal pré-histórico, saído de uma pintura rupestre tatuada na perna de sua professora. A grande besta é uma espécie de porco peludo e com chifres, que devora pais e mães e não poupa nem mesmo os bebês. Este monstro, tão assustador na imaginação dela, é uma metáfora da própria vida, com suas dores, perdas e sofrimento. Na mente inocente da garota, todos os eventos do cotidiano ganham projeções maiores e do exagero de seu olhar infantil surgem os contornos fantásticos que tornam o filme tão interessante (e que me remetem à trama de Onde vivem os Monstros, filme dirigido por Spike Jonze). 


A dureza da vida é o tema central da história, que retrata um cruel processo de desumanização vivenciado por aqueles que se encontram à margem. O roteiro nos faz questionar se as feras do sul selvagem, às quais o título original se refere, são de fato os monstros do imaginário da menina, ou se são na verdade ela e sua gente, que são comparados com bichos em diversos momentos da história. O interessante é que a narrativa não aponta a marginalização dos personagens como algo negativo, nos induzindo à uma reflexão sobre o direito que o indivíduo tem de se isolar da vida social convencional e criar seu próprio modelo de organização (o que remonta à própria situação na qual a produção do cinema independente americano se encontra atualmente e a opção do Benh Zeitlin de se manter distante do mainstrean). Em dados momentos a história nos leva a questionar se a inserção da população da 'Banheira' na sociedade seria de fato algo bom para ela ou não...


Em uma das cenas, uma mulher, a quem Hushpuppy acabara de conhecer, lhe aconselha a não olhar para o futuro de uma forma tão positiva, pois ela precisaria estar forte e preparada para enfrentar as perdas que seriam inevitáveis. À primeira vista este conselho nos parece ser excessivamente duro para ser dado a uma criança tão pequena, todavia, a própria trama se encarrega de nos convencer do contrário. O processo de desumanização, que se encontra em curso durante todo o desenvolvimento do filme, faz com que a menina amadureça precocemente. Ainda que não tenha plena ciência de tudo que acontece à sua volta, ela se vê obrigada a entrar no mundo adulto sem ter o devido preparo para tal e é então que percebemos o quanto o conselho que lhe fora dado pela estranha foi realmente pertinente, ainda que difícil de ser assimilado como algo benéfico. 


Todo o elenco, que é composto por atores não profissionais, oriundos da região onde o filme foi rodado, entrega atuações de uma impressionante intensidade dramática. A garota Quvenzhané Wallis está realmente soberba no papel, o que desmente a acusação de que sua indicação ao Oscar seria tão somente uma tentativa da Academia de fazer justiça social e racial. Desde Lua de Papel (1973), que rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante à Tatum O’Neal, eu não via uma interpretação infantil tão consistente e poderosa. Dwight Henry também está muito bem, ele cria um daqueles personagens controversos, que não sabemos se odiamos, ou se defendemos, sua interpretação consegue deixar evidente o cuidado e o amor que ele tem pela filha, mesmo que isto esteja tão subliminar em seu comportamento já tão embrutecido. 


As tomadas feitas com uma câmera de mão instável, que parece ser tão selvagem, quanto a realidade que ela captura, salientam a crueza e o naturalismo do ambiente retratado. A opção por uma fotografia que valoriza a luz natural, sem tantos efeitos de iluminação, também reforça o tom quase documental que o filme tem, o que por sua vez torna a trama ainda mais impactante e gera um contraste interessante com a fantasia, que nos salta aos olhos em algumas das passagens. A trilha sonora também é excelente, ela ajuda a compor o viés fantástico do filme, dando sonoridade à poesia que transborda da tela... Indomável Sonhadora foi sem dúvidas uma grande estreia. Ainda que ele não seja o grande merecedor de todos os prêmios aos quais foi indicado, eu fico muito feliz em ver cada uma de suas nomeações, elas me dão a esperança de que a Academia pouco a pouco está mudando e comprovam que o monopólio das grandes produtoras já não é mais tão forte, quanto foi no passado... Ultra recomendado! 


Indomável Sonhadora ganhou no Festival de Cannes o prêmio Câmera de Ouro (direcionado a diretores estreantes) e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Atriz (Quvenzhane Wallis) e Roteiro Adaptado.

Assistam ao trailer de Indomável Sonhadora no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.