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quarta-feira, 30 de março de 2011

Sindicato de Ladrões

Sindicato de Ladrões (On the Waterfront) - 1954. Dirigido por Elia Kazan. Roteiro de Malcolm Johnson & Budd Schullberg, baseado na série de artigos de Malcolm Jonson. Fotografia de Boris Kaufman. Música de Leonard Bernstein. Produzido por Sam Spiegel. Columbia; Horizon / EUA.


O início da Guerra Fria foi marcado nos Estados Unidos principalmente pelo temor e apreensão que a “ameaça” comunista representava para as instituições americanas. Neste contexto de instabilidade política, teve início uma ação liderada pelo senador Joseph McCarthy, que consistia na espionagem e vigilância de indivíduos que fossem suspeitos de pregar ou se simpatizarem com a ideologia Marxista. Com isso milhares de pessoas tiveram suas vidas expostas e reviradas por espiões do governo, muitos perderam seus empregos, foram presos, desapareceram misteriosamente ou foram levados ao suicídio pelos traumas das investigações. O Marcatismo estenderia sua vigilância também ao campo da cultura e da arte, numa ação que ficaria conhecida como “caça às bruxas”. Charlie Charplin, Luiz Buñuel e Bertold Brecht (os dois últimos moravam nos EUA na ocasião) foram alguns que estiveram na mira do cerco promovido pelo estado.

Como Hollywoody não era povoada apenas por bons mocinhos tiveram ainda aqueles que se encarregaram de colaborar com as listas negras que eram divulgadas pelos marcatistas e renovadas a cada ano. Dentre os delatores estavam John Wayne (que se orgulhava de ter colaborado), Edward Dmytryk (que passou de perseguido a acusador) e Elia Kazan, este último também nunca se desculpou por ter entregado 11 colegas para o Comitê de Atividades Anti-Americanas e ficaria marcado para sempre por esta atitude mesquinha. Em 1999 Kazan ganhou o Oscar Honorário da Academia, a premiação gerou polêmica e alguns artistas, dentre eles Abraham Polonski (diretor que também foi perseguido), incentivaram um protesto planejado para o dia da festa de entrega do Oscar, pedia-se que os convidados não aplaudissem o cineasta maculado por seu passado. Na cerimônia alguns o aplaudiram, muitos não e outros tantos ainda o vaiaram.


O mais perto que Elia Kazan chegou de um pedido de desculpas foi com o filme Sindicato de Ladrões (1954). Ainda há controvérsias sobre tal interpretação que alguns críticos fazem do longa, uma vez que o seu roteiro começou a ser escrito por Arthur Miller bem antes dos depoimentos do diretor. O dramaturgo abandonaria o projeto quando veio a tona a notícia das delações feitas por Kazan. Budd Schulberg foi quem assumiu o roteiro da obra, que se tornaria clássica e, ironicamente, um contundente convite à organização descentralizada e ao levante do proletariado. O diretor, ao que parece, levou para o filme todo seu questionamento ético, que se expressa nas contradições e na angústia reflexiva do personagem principal, que se atormenta com o dilema de delatar ou não o esquema formado por aqueles que ele acredita serem seus amigos.

Sabem o que há de errado aqui? É o amor pelo dinheiro fácil, que é mais importante que o amor ao próximo”.

No longa, Marlon Brando, numa atuação brilhante, interpreta Terry Malloy, um boxeador fracassado, que trabalha de estivador no porto e colabora com os negócios obscuros do chefe do sindicato dos portuários, Johnny “Camarada” (Lee J. Cobb). Terry participa involuntariamente do assassinato de um estivador, que tinha tentado denunciar o lucrativo esquema que domina o porto. O jovem passa a ser atormentado por sua consciência, à medida que passa ter a compreensão do quão sujos são os negócios de seu sindicato, nos quais também está indiretamente metido. Edie Doyle (Eva Marie Saint), irmã do homem que fora morto, não se conforma com a perda do irmão e acaba por convencer o padre local (Karl Malden) a sair de sua inércia e organizar um movimento para unir os trabalhadores em prol de melhores condições de trabalho e contra os mandos e desmandos do sindicato corrompido. As represálias se intensificam no intuito de manter os portuários silenciados.



Consciência, isso pode deixar a gente louco
 
A relação que começa a se desenvolver entre Terry e Edie, depois que eles se conhecem, intensifica o dilema que ele está vivendo. Se por um lado ele reconhece as injustiças que vigoram no lugar, por outro ele teme ter que prejudicar o “trabalho” lucrativo de seus amigos e de seu irmão mais velho, Charley (Rod Steiger), braço direito de Johnny “Camarada”, que foi seu único amparo enquanto vivia em um orfanato na infância. O embate ético no qual o personagem se mergulha não é simples, uma vez que a moral que vigora naquele local é instável e totalmente deturpada, a noção de certo e errado parece estar às avessas. A sua falta de expectativas com relação à própria vida o torna ainda mais inseguro e temeroso quanto a decisão de se levantar contra os poderosos que detêm o controle de tudo que acontece no porto. Numa das cenas ele deixa bem claro para a idealista Edie, que seu único objetivo é sobreviver, o que por si só já seria uma tarefa árdua, levando-se em conta suas condições de vida.


Durante o filme, algo me chamou a atenção, o quanto a atuação de Marlon Brando, construída sobre os preceitos do método de Stanislavsky (que Lee Strasberg adaptou para o cinema), me faz lembrar o estilo adotado por Leonardo Di Caprio (que com certeza deve tê-lo como inspiração) nos dias de hoje. Após este ligeiro devaneio, ainda assistindo ao filme, comecei a traçar um paralelo entre Sindicato de Ladrões e Diamante de Sangue (2007), que tem uma das melhores atuações de Di Caprio, na minha opinião. Ambos têm como personagens principais homens que foram embrutecidos pela vida árdua e pelo contexto em que estão inseridos, em ambos o dilema ético é impulsionado pela presença de uma mulher idealista, que leva o protagonista a rever seus pontos de vistas e tomar a atitude que o levaria a redenção. Apesar da diferença de quase 50 anos entre os dois longas, a similaridade é impressionante e a tônica da luta pela justiça social, que impulsiona as duas tramas, tem o poder de nos levar à reflexão, sem que seja purgado em nós o anseio pela transformação, tal anseio é alimentado pelas histórias, que nos convidam a repensar nosso próprio comodismo.


Sindicato de Ladrões é impressionante, principalmente, pelas atuações estupendas de Marlon, Eva, Karl e de todo o elenco secundário, que dão o brilhantismo, o suporte emocional e a dramaticidade necessária para que cada sequência do filme seja em si, ao mesmo, tempo natural, instigante e detentora da indescritível capacidade de nos oferecer algo que vai muito além do entretenimento característico de Hollywood. O filme também é de um realismo social chocante e isto se expressa  nos figurinos e nos cenários por onde os personagens transitam. A decisão audaciosa de levar os sets de gravação para as ruas e para o porto de Nova Iorque em um inverno gelado foi acertada e contou muito para o resultado final. A fotografia também é muito bem trabalhada, preste atenção na forma com que a luminosidade é trabalhada na icônica cena do diálogo entre Terry e seu irmão, que se passa no banco traseiro de um táxi.


A cena em que o personagem de Marlon caminha pelo cais após ter sido brutalmente espancado é emblemática e de um poder sobrenatural, que conseguiu ultrapassar até mesmo o contexto histórico conturbado que a deu o sentido original. No caso deste filme, vale a premissa, defendida por Oscar Wild através de seu alter ego em O Retrato de Dorian Gray, a de que o que deve ser exposto é a obra e não o artista. Se Kazan foi ou não um crápula de um delator não interessa, o que importa é que Sindicato dos Ladrões é uma produção que transcende a biografia de seu diretor e que viria se tornar um dos maiores clássicos do cinema americano. É uma obra que de forma nenhuma deve ser renegada por quem se diz amante da sétima arte!

Sindicato de Ladrões ganhou o Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro, Ator (Marlon Brando), Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Direção de Arte, Fotografia e Edição. O longa ainda foi indicado ao prêmio de Melhor Trilha Sonora e teve outras 3 indicações para a categoria de Ator Coadjuvante (LeeJ. Cobb; Karl Malden e Rod Steiger).


Assista ao trailer de Sindicato de Ladrões no You Tube ! (clique no link)

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segunda-feira, 28 de março de 2011

Bravura Indômita

Bravura Indômita (True Grit) - 2010. Escrito e dirigido por Joel & Ethan Coen, baseado na obra homônima de Charles Portis. Fotografia de Roger Deakins. Música de Cartel Burwell. Produzido por Joel Coen, Ethan Coen & Scott Rudin.  Paramount Pictures / EUA.


Poucos cineastas parecem conseguir alcançar uma notável maturidade quando se trata e filmes autorais. Não que suas obras sejam em si imaturas, o que quero dizer é que quando se trabalha um tipo de linguagem diferenciada, o experimentalismo pode gerar erros e acertos e a maioria continua apenas criando sua própria antítese, sem chegar a uma síntese consistente, feito que pouquíssimos conseguem realizar. Joel e Ethan Coen o conseguiram e não é atoa que nos últimos 4 anos tiveram 3 filmes concorrendo ao prêmio máximo da Academia. Os meus favoritos da dupla continuam sendo Fargo (1996) e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), mas são seus últimos trabalhos a prova definitiva de que detêm hoje o total domínio da máquina cinematográfica. Eles desenvolveram uma linguagem própria, que apesar de geralmente não agradar ao grande público, os permitiram inovar e continuar experimentando sem perder a identidade e o padrão de qualidade daquelas que são consideradas suas obras primas.
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Bravura Indômita (2010) é o exemplo perfeito da genialidade da dupla. É espetacular a forma com que o ritmo deste filme sofre oscilações durante todo o tempo, passando por momentos de lentidão contemplativa e de reflexão, até chegar à mais angustiante tensão que se encerra em um desfecho de predominância dramática. Não é simples evocar dentro de um curto espaço de tempo reações tão adversas, quem trabalha com comunicação sabe bem do que estou falando. A reação dos espectadores diante do filme está diretamente relacionada à sua capacidade de apreender e reagir a cada um dos estímulos que a mensagem fílmica provoca. Diante de tantos códigos e da densidade de significação de algumas mensagens, alguns se perdem pela falta de compreensão. Quem está acostumado com filmes que segue o mesmo ritmo do início ao fim pode até estranhar e tirar conclusões equivocadas como, por exemplo, a de que o filme é bom só da metade para o final.


Geralmente a densidade característica dos filmes dos irmãos Coen não está no roteiro e sim no significado implícito de uma cena ou de uma determinada reação de algum dos personagens num dado momento da história. É preciso ler nas entrelinhas. No caso específico de Bravura Indômita, a história é bem simples. Se trata da segunda adaptação da obra homônima de Charles Portis (a primeira versão é de 1969 e rendeu a John Wayne o Oscar de Melhor Ator). Na trama, Hailee Steinfeld (Mattie Ross), de apenas 14 anos, teve o pai morto por Tom Chaney (Josh Brolin), um de seus funcionários, que se aproveitou da confiança que em si era depositada. O bandido impiedoso não passa de um bêbado, após assassinar o patrão ele fugiu levando duas jóias de ouro e uma mula. Hailee assume os negócios do pai, e movida pelo anseio de vingança, contrata o agente federal Reuben "Rooster" Cogburn (Jeff Bridges) para acompanha-la na caça ao bandido. Rooster também não passa de um velho bêbado, que aparenta não ter muito o que oferecer além de bravura.


Seguindo a trilha do assassino, Hailee e Rooster se encontram com o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon – gordo e bigodudo), que também está a procura de Chaney - na verdade, enteressado numa recompensa que é oferecida pela captura do bandido em seu estado de origem. A medida que o relacionamento entre a menina e os dois homens se desenvolve, percebemos que a bravura da qual tanto se gabam, não é tão sólida, e que ela se constrói principalmente sobre a reputação e os títulos que detêm. É o velho mito do herói do oeste sendo desconstruído (para depois ser remontado outra vez). A determinação da garota em cumprir aquilo a que se propôs é o mais próximo que consegue-se chegar no filme de um exemplo de honra e coragem, o que neste caso pode facilmente ser apontado como resultado da raiva cega, quem sente pelo algoz do pai, e de sua imaturidade.


A relação entre Hailee e Rooster acaba sendo o foco principal do filme (não sei se acontece da mesma forma na versão de 1969, que ainda não assisti) e nela podemos perceber como o roteiro trabalha de forma singular cada uma das diferenças entre os dois personagens, podemos também ver o embate que se forma entre os universos a que cada um deles pertence. Ela uma garota, adolescente, que ainda acredita na honra e na luta por aquilo que valoriza e ele um velho beberrão e desiludido. A disparidade entre os valores éticos de cada um deles também é perceptível em diversas cenas. Em uma passagem ela não se conforma em não poder enterrar um homem, que pediu para não se tornar comida de lobos depois de morto, em outra ela sente pena do cavalo que atinge seu limite depois de percorrer uma longa distância. Já ele, em sua ética pessoal, se justifica por ter assaltado um banco no passado e chega a confessar, noutra passagem, que já matou até crianças indefesas.


Bravura Indômita, que pode ser classificado como um western desconstrutivista, transita também pelo drama e pela comédia de humor negro (especialidade de Ethan e Joel). Os toques de absurdo, que os irmãos parecem adorar, também estão presentes porém em menor quantidade e com maior sutileza. O ar cômico se expressa nas fraquezas e debilidades dos personagens principais e em algumas poucas sequências, como aquela em que um velho curandeiro, vestindo uma pele de urso, surge montado em um cavalo e oferece para Hailee e Rooster alguns de seus produtos e serviços. Apesar de manter a estranheza das produções anteriores, os irmãos Coen desta vez produziram aquela que talvez seja a obra mais racional e aparentemente “normal” de toda suas carreiras. Sem precisar com isso se descaracterizarem e apelar para recursos saturados, como já disse, eles parecem ter desenvolvido ao longo dos anos o completo domínio de linguagem e ferramentas da sétima arte. Pela segunda vez (a primeiro foi com Onde os Fracos Não Têm Vez, um western velado) eles eles nos provam que o velho oeste não é mais como era antigamente e que os territórios áridos ainda podem ser o palco para novas visões sobre antigas abordagens.



Mesmo para quem não tem muita afinidade com o estilo, ou que já sentiu a estranha sensação de não ter compreendido “algo” em algum dos filmes anteriores da dupla, este longa é indicado. Vale a pena pelas brilhantes interpretações de Mattie Ross (verdadeiro prodígio), Jeff Bridges, Matt Damon e Josh Brolin (este dá um show nas poucas cenas em que aparece) e pela qualidade técnica, expressa em uma ótima fotografia e numa marcante sonoplastia. Recomendo e mal posso esperar para assistir a primeira adaptação da obra, que pode ter se tornado clássica por motivos bem distintos dos que citei aqui.

Bravura Indomita foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Ator (Jeff Bridges), Atriz Coadjuvante (Hailee Steinfeld), Direção de Arte, Fotografia, Figurino, Mixagem de Som e Edição de Som.

De Joel e Ethan Coen, indico tembém: Fargo, Onde os Fracos Não Têm Vez, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, Queime Depois de Ler e Barton Fink - Delírios de Hollywood.

Assista ao trailer de Bravura Indômita no You Tube ! (clique no link)

Confiram aqui no Blog SUBLIME IRREALIDADE a resenha de outros longas que concorreram ao Oscar de Melhor Filme em 2011:

O Discurso do Rei (The King`s Speech) - Vencedor
A Rede Social (The Social Network) - Indicado
Minhas Mães e Meu Pai (The Kids are All Right) - Indicado
O Inverno da Alma (Winter`s Bone) - Indicado
Cisne Negro (Black Swan) - Indicado
O Vencedor (The Fighter) - Indicado
A Origem (Inception) - Indicado
127 Horas (127 Hour`s) - Indicado
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domingo, 27 de março de 2011

The Rocky Horror Picture Show

The Rocky Horror Picture Show - 1975. Dirigido por Jim Sharman. Roteiro de Jim Sharman & Richard O´Brien, adaptado da peça The Rock Horror Show de Richard O´Brien. Fotografia de Peter Suschitzky & Richard O´Brien. Produzido por Michael White. Twentieth Century Fox / EUA.


O filósofo, antropólogo e sociólogo Edgar Morin conceituou como kitsch a arte que não instigava a imaginação e a crítica no indivíduo que se dispusesse a consumi-la, segundo ele, tal modelo “consiste em digerir previamente a arte para o consumidor. A obra kitsch já contém as reações do leitor ou espectador, dispensando maiores esforços perceptivos e interpretativos”. Esta era na visão de Morin a base de toda a produção da masscult (a cultura de massa), de acodo com sua visão o esquema funciona da seguiente forma: “A cultura de massa, mitologiza a realidade empírica; não obstante, mais profundamente ainda, incorpora a seus ritos profanos (...) a própria idéia-mãe das grandes religiões – a idéia de salvação individual. A 'felicidade' propiciada pelo consumo é um avatar dessublimizante dos impulsos soterológicos, salvacionistas, da alma moderna. Abandonando à religião as angústias existenciais, acomodando-se matreiramente com a censura de Estado e Igreja, a cultura de massa se entrega à busca da felicidade terra à terra”.

The Rocky Horror Picture Show (1975), adaptação da peça de Richard O´Brien para o cinema, seria de acordo com esta visão um exemplo e tanto da "arte" kitsch. Este musical de 1975 não se propõe a discutir nenhuma teoria ou defender qualquer ponto de vista, ele se sustenta é nas reações que o “espetáculo” causa em sua platéia, no caso nós cinéfilos. A repetição, uma das primordiais características da cultura de massa, está presente no roteiro (cheio de referências rasas à própria masscult) e nas canções simples, fáceis de decorar e que perecem grudar em nossa mente durantes dias após a exibição do filme. Richard O´Brien, quando escreveu a peça parece ter rezado justamente pela cartilha criticada por Edgar Morin. O abandono das angústias existenciais e da religião, parecem ser a tônica que sustentou o roteiro superficial da peça e consequentemente o do filme. A felicidade terrena, que seria o alvo final da cultura de massa de acordo com Morin é explorada na trama através da banalização e vulgarização do prazer sexual.


Os virginais Brad (Barry Bostwick) e Janet (Susan Sarandon) formam um casal modelo de decência e de bons costumes. Numa noite de tempestade eles pegam a estrada para ir de encontro ao ex-professor de Brad, que seria segundo a letra de uma das canções o responsável pelo inicio do relacionamento deles. Após ser ultrapassado por diversas motocicletas na estrada, Brad percebe que está perdido e quando decide voltar, um dos pneus do carro fura e os deixam a pé e perdidos na escuridão da estrada. Eles decidem pedir ajuda em um castelo que fica perto dali (clichê maior impossível), mas acabam descobrindo que entraram numa fria maior ainda. O dono do castelo é o Dr Frank-N-Furter (Tim Curry, no papel que até Mick Jagger teve interesse em fazer), um travesti alienígena (que parece ter saído de uma banda de glan rock dos anos 70/80), que vem do planeta Transsexual, que fica na galáxia Transilvânia. Ele mantem um grupo de servos no castelo sombrio, dentre eles os irmãos Riff Raff (Richard O´Brien) e Magenta (Patrícia Quinn) e Columbia (Nell Campbell).

Frank já vinha trabalhando há algum tempo numa espécie de Frankenstein, que lhe serviria como escravo sexual. O primeiro experimento deu errado e gerou o motoqueiro rocker, Eddie (Meat Loaf), a quem Frank desprezava. Brad e Janet são então convidados a pernoitar no castelo e presenciar o nascimento do fruto da segunda tentativa do experimento. Dr Frank, naquela noite, daria vida a Rocky (Peter Hinwood), loiro, musculoso e sem cérebro como seu criador o queria para lhe servir (!). A conclusão do experimento é o que motiva a festa, na qual os estranhos personagens do castelo se entregam aos mais despudorados prazeres carnais (que são apenas insinuados, nada de tão obsceno é mostrado no filme).


Dispensável dizer que após algumas das sequências mais absurdas e surreais do cinema, tanto Brad, quanto Janet, que dormiam em quartos separados, são seduzidos pelo Dr Frank, e acabam se entregando e perdendo a virgindade. Ambos acabam se rendendo ao prazer carnal oferecido pelo anfitrião. Enquanto esta trama louca é desenvolvida, nós como espectadores somos conduzidos como voyeurs, que apenas observam sem reflexão, uma vez que a história não propõe nenhuma. Nossa sensação de estranheza diante do absurdo, que chega ao seu limiar em algumas cenas, é amenizado apenas pelos números musicais, que parecem nos seduzir e hipnotizar, tal como acontece com o casal protagonista. Ao final do espetáculo, digo do filme, é impossível arriscar de imediato qualquer posicionamento com relação ao que acabamos de assistir. Eu o assisti pela primeira vez, e ao final cheguei à conclusão radical de que é um filme idiotizante e pedante em todos os sentidos. Mas ao mesmo tempo me flagrei cantarolando algumas de suas canções e acreditem se quiserem, voltei em algumas cenas diversas vezes para rever alguns dos números musicais.


Talvez a conclusão mais sensata a que posso chegar, seja a de que o abuso dos elementos, que classificariam The Rocky Horror Picture Show como um exemplo perfeito de arte kitsch, tenha sido justamente o fator que tenha o tornado tão celebrado por um grande número de fãs espalhados por todo o mundo. Ao contrário do que normalmente costuma acontecer com outras obras típicas da indústria cultural, o reconhecimento do filme não foi imediato - o lançamento na verdade foi um fiasco. Também diferente do que geralmente acontece com a masscult, o sucesso quando alcançado não foi passageiro, nem o tornou descartável. O filme detém até hoje o recorde de maior tempo em cartaz, tendo sido exibido todas as semanas em um cinema de Munique, na Alemanha, por mais de 27 anos. Curiosamente o tempo se encarregaria de torná-lo cult (contrariando todas as espectativas de quem presenciou seu lançamento), mérito que ainda não sei se pode ser atribuído aos seus realizadores.


The Rocky Horror Picture Show funciona como uma homenagem, em forma de paródia, aos filmes B de terror e ficção científica e à estética Glitter adotada por bandas de Hard Rock farofa, como Mother Clue, Poison e Ratt. O musical não vai muito além disso, vale ser visto mais pela sua estranheza e performances musicais do que por qualquer outra qualidade que geralmente procuramos em um filme. É inexplicável a forma com que canções como Touch-a touch-a touch-me, Time Warp e Sweet Transvestiti permanece em nossa memória e nos faz querer voltar a todo momento à cena em que são executadas. No fim das contas o filme ainda tem este mérido, o de ser horrivelmente viciante! Alguém me explique isso!!!

The Rocky Horror Picture Show foi a inspiração para o quinto episódio da segunda temporada do seriado Glee. Neste especial de halloween, a turma do coral New Directions causa polêmica ao tentar encenar o musical no colégio. O legal foi ver as canções originais sendo encaixadas e as números musicais adaptados ao contexto dos personagens da série.


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O Fantástico Sr. Raposo

O Fantástico Sr. Raposo (The Fantastic Mr. Fox) - 2009. Dirigido por Wes Anderson. Roteiro de Wes Anderson & Noah Baumbach, baseado na obra de Roald Dahl. Fotografia de Tristan Oliver. Música de Alexandre Desplat. Produzido por Wes Anderson; Allison Abbate; Jeremy Dawson & Scott Rudin. Twentieth Centuru Fox / EUA.


Cheguei a comentar na resenha que fiz de Os Excêntricos Tenenbaums (2001) sobre o meu pouco interesse em relação à indicação que uma amiga tinha me feito do filme O Fantástico Sr. Raposo (2009). Como deve ter ficado claro pelo artigo que escrevi, o longa de 2001 me despertou a curiosidade sobre a obra do realizador Wes Anderson. Neste fim de semana surgiu a oportunidade de assisti o filme que me tinha sido indicado, ele passaria em um final de tarde em um canal de TV a cabo. Decidi assisti-lo na casa de um amigo (que dormiu a maior parte do filme). Já era evidente que agora eu já tinha uma curiosidade bem maior de assisti-lo, mas ainda tinha medo de que ele me decepcionasse. Mas foi justamente o contrário que aconteceu.

O longa, baseado na obra Raposas e Fazendeiros de Roald Dahl (mesmo autor de Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates), já nos chama atenção nos primeiros minutos pela qualidade da animação (que propositalmente trabalhou com 12 frames por segundo ao invés dos já tradicionais 24) e pelo belo visual gráfico, que lembra bastante a fotografia em tons de sépia e pastel de Os Excêntricos Tenenbaums. E as semelhanças entre os dois filmes não param por ai, a estranheza característica do diretor também pode ser observada nesta animação que se desvia com êxito dos conceitos já explorados em demasia por outros filmes do gênero. O Fantástico Sr. Raposo não é um filme para fazer rir, ainda que o faça, não é filme sobre consciência ambiental, ainda que funcione como tal. É, na minha opinião, um filme sobre a busca pela identidade com foco nos relacionamentos e dramas familiares, o que mais uma vez nos remete à trama da família Tenenbaum.

A família disfuncional mais uma vez sob o olhar de Wes Anderson
O Sr. Raposo (voz de George Clooney) é um hábil ladrão de galinha, patos e outras aves criadas nas fazendas que ficam na vizinhança de sua toca. Ele decide mudar de vida quando, após uma quase tragédia em uma de suas invasões, sua esposa Felicity (voz de Meryl Streep) o conta que está grávida de seu primeiro filho. O Sr. Raposo promete para ela que nunca mais irá invadir uma fazenda para caçar aves de novo. Ele se torna um mal sucedido jornalista, que escreve uma coluna que ninguém lê, ele não se sente realizado nesta profissão. Três anos (12 anos de raposa) se passaram desde a promessa que o fez mudar de vida, mas as coisas começam a mudar quando ele é seduzido pelo anúncio da venda de uma toca em uma árvore. Ele que não aguentava mais se sentir tão pobre, contraria os conselhos de seu advogado e financia a casa nova, que fica bem perto da propriedade de três dos fazendeiros mais cruéis da região. São eles os impiedosos Boque, Bunco e Bino.


A nova vizinhança irá despertar no Sr. Raposo a sua verdadeira natureza, a de um animal selvagem, guiado apenas pelo instinto natural de sua espécie, de caçar e roubar aves. Num dos diálogos ele questiona: “Como uma raposa pode ser feliz sem ter uma galinha em seus dentes?”. O peso da culpa de ter colocado toda sua família e seus vizinhos em perigo o leva à reflexões existencialistas acerca do real significado da liberdade, que não seria real, uma vez que é dominado não pela razão, mas pelo instinto. “Por que não nasci na forma de outro animal?” Pondera. Paralelo ao drama principal, percebemos também o drama de Ash, o filho do Sr. Raposo, que sente que o pai tem mais admiração pelo sobrinho superdotado, Kristofferson (que está morando temporariamente com eles), do que por ele, que não passa de uma raposinha raquítica. O relacionamento entre pais e filhos é um tema recorrente na obra do diretor e ganha grande proporção na trama deste filme.


Tal como o personagem de Gene Hackman em Os Excentricos Tenenbaums, o Sr. Raposo se vê obrigado a lidar com os problemas que causou e tentar consertar o estrago que provocou em seu seio familiar. Seu estilo blasé, com roupas finas, que contrastam com sua ruína financeira, e a atitude de se achar mais esperto que os outros, o torna quase uma reprodução do cafajeste Royal, que adota modos similares no filme de 2001. Os três fazendeiros deste filme podem ser interpretados como uma personificação das consequências dos atos que o personagem principal comete pelo impulso e, sob um outro olhar, eles ilustram como os seres humanos e animais podem ser confundidos em seu comportamento instintivo. Os outros personagens, como o gambá, que acompanha o Sr. Raposo em seus roubos, e o texugo advogado, também merecem um olhar um pouco mais atento, pois eles são mais que meros coadjuvantes inseridos para compor gags e piadas, eles ajudam bem a ilustrar a adaptação forçada, que comumente sucecede as crises de identidade.


É curioso como a questão da identidade é abordada no filme, os personagens humanos em diversos momentos apresentam comportamentos animalescos, como na cena em que um dos fazendeiros destrói o próprio escritório em um surto de raiva. Em outra sequência, nos deparamos com o Sr. Raposo na mesa de café da manha lendo os classificados no jornal, vestido socialmente com uma camisa branca e gravata listrada, o que lhe confere um ar totalmente humano, de repente ele avança, como animal que é, sobre o café à mesa, destroçando em segundo as panquecas postas à sua frente. Se em Os Excêntricos Tenenbaums Wes Anderson analisa como os indivíduos são determinados por características forjadas por traumas e acontecimentos da infância, neste ele nos induz à reflexão acerca do livre arbítrio e da influência que o instintivo brutalizado e animalesco que possuimos causa em nossas reações aos impulsos internos e externos. 



O Fantástico Sr. Raposo tende a agradar muito mais aos fãs dos esquisitos filmes de Anderson do que aquele que poderia ser seu público alvo, os que curtem as animações com bichinhos legais que pipocam aos montes por ai. É sem dúvidas uma das melhores animações da década, quiçá a melhor em stop motion. Tão importante, essencial e emocionante quanto Ratatouille (2007) , Wall-E (2008) e UP (2009), porém muito mais profundo em suas abordagens. Só não está no topo dos meus favoritos do gênero na década porquê existiu Toy Story 3 (2010) em seu caminho. Indico!

O Fantástico Sr. Raposo foi indicado ao Oscar de Melhor Animação,
prêmio que perdeu para Up - Altas Aventuras. 

Assista ao trailer de O Fantástico Sr. Raposo no You Tube !
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Milk - A Voz da Igualdade

Milk - A voz da Igualdade (Milk) - 2009. Dirigido por Gus Van Sant. Roteiro de Dustin Lance Black. Fotografia de Harris Savides. Música de Danny Elfman. Produzido por Bruce Cohen & Dan Jinks. Focus Features / EUA.


Em meados do ano passado, no calor das eleições, o debate sobre a lei que propunha a criminalização da homofobia gerou polêmica, principalmente nas redes sociais, que se tornariam por ocasião o palco dos mais inflamados discursos. De um lado estavam aqueles que defendiam a bandeira do movimento gay como questão de direito civil e de outro estavam os que questionavam a lei partindo de pressupostos religiosos ou da premissa de que todos devem ser livres para expressar sua opinião, mesmo quando tal opinião fira a liberdade alheia. Eu não pretendo entrar neste artigo na polêmica que envolve este assunto, até porque a questão é muito mais complicada do que supõe aqueles que a debatem. O filme Milk – A Voz da Igualdade (2009), inspirado em fatos reais, retrata em um estilo quase documental a trajetória de Harvey Milk, aquele que foi o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público nos Estados Unidos, ele se tornou nos anos setenta um porta voz do movimento e com sua postura ativista colocou assuntos semelhantes aos que citei acima na pauta dos debates políticos de então.

Harvey Milk viveu a maior parte de sua vida no “armário”, se escondendo pelo medo da reprovação de sua família e da sociedade, mas à medida em que percebe que a reclusão pode ser dolorosa, ele entra de cabeça no movimento que lutava por direitos básicos dos gays, como o de não ser demitido de um trabalho pela orientação sexual. A loja que abre em um bairro de São Francisco se torna um point e atrai homossexuais do mundo inteiro, que aparecem por lá em busca de prazer, liberdade ou fugindo da repressão familiar. Milk percebe então que o movimento ganharia mais força se contasse com representação política e mesmo sem acreditar na possibilidade de vitória ele lança sua candidatura para Supervisor (uma espécie de vereador) da cidade. O conservadorismo, que estava presente, mesmo numa cidade tida como liberal, o impediu de sair vencedor nas urnas por três vezes consecutivas. Sua perseverança, alimentada pelo apoio dos amigos, não o deixou desistir e na quarta tentativa conseguiu ser eleito para a câmara dos supervisores. A chegada do militante ao poder foi marcada por ameaças e reações adversas de seus inimigos políticos.


Aquela que talvez tenha sido a maior de todas as lutas de Milk, começou antes mesmo de ele ser eleito. Em 1977 alguns ativistas conseguiram fazer aprovar uma lei em Miame, que tornava ilegal a discriminação contra homossexuais, uma contra-reação a esta lei foi liderada pela cantora Anita Bryant, diretora do movimento chamado de “Salvem Nossas Crianças”. Bryant alegava que a lei lhe tirava o direito de ensinar a moralidade bíblica para seus filhos, numa tentativa de revogar esta lei, ela colheu mais de 64 mil assinaturas em todo o condado, seu intuito era levar o tema mais uma vez a plenário. Ela conseguiu, a lei foi anulada com uma esmagadora maioria de 70% dos votos. O Senador Estadual John Briggs, que pretendia lançar candidatura para governador da califórnia, viu uma grande oportunidade na campanha da cantora, ele começou então a defender os interesses dos cristãos fundamentalistas, pois acreditava que assim poderia trazer para si o apoio daquela maioria expressiva que compareceu às urnas para derrubar a lei.


Briggs não chegaria a se candidatar para o posto de governador, mas recebeu grande apoio em um de seus projetos, a "Preposição 6", que ficaria conhecida como "Iniciativa Briggs", este projeto propunha a obrigatoriedade da demissão de professores de escolas particulares e públicas que defendesse o direito dos homossexuais. Devido em grande parte à luta de Milk, que chegou a convidar o senador para um debate ao vivo na TV, a projeto de lei foi recusado em votação, com uma diferença de mais de um milhão de votos, surpreendendo até mesmo os ativistas gays. Milk conseguiu também aprovar em São Francisco a lei que criminalizava o preconceito contra os Gays, aprovação esta que foi quase uma unanimidade entre os supervisores, apenas o supervisor Dan White votou contra. Pouco tempo depois White tentou aprovar um projeto de lei para aumentar o próprio salário de todos seus colegas, como não conseguiu de forma indireta (uma vez que não queria se queimar com o eleitorado) ele pediu demissão ao prefeito alegando que o salário que ganhava não era o suficiente para sustentar sua família. Logo em seguida White tentou voltar atrás, seu pedido de readmissão chegou a ser aceito pelo prefeito George Moscone, que também voltou atrás, convencido por Milk e por outros supervisores. Na manhã do dia 10 de novembro de 1978, White entrou na prefeitura por uma janela lateral e assassinou a tiros o prefeito Moscone e Milk, que se encontravam em suas respectivas salas.


Milk, mesmo tendo exercido apenas 10 meses de seus mandato, se tornaria um símbolo mundial da luta pelos direitos civis e um herói para o movimento gay. Pressentindo que poderia ser morto a qualquer momento, Milk gravou uma mensagem de despedida, que encerrava com a seguinte incitação: “E os jovens gays em Altoona, Pennsylvanias e em Richmond, Minnesotas que estão saindo saindo do armário e ouvindo Anita Bryant na televisão e sua história. A única coisa que eles têm pela frente é a esperança. E você tem que dar-lhes esperança. Esperança para um mundo melhor, esperança de um amanhã melhor, a esperança de um lugar melhor para ir se as pressões em casa são muito grandes. Espero que todos fiquem bem. Sem esperança, não só os gays, mas os negros, os idosos, os deficientes e os americanos vão desistir”. Milk de alguma forma conseguiu mostrar o homossexualismo era muito mais que uma simples questão moral ou religiosa. Seja para melhor (na visão de uns) ou para pior (no modo de ver de outros), ele conseguiu promover mudanças e a maior delas foi fazer com os gays deixassem de serem vistos como bandidos ou marginais.


Sean Penn está espetacular no papel de Milk, talvez seja este uma dos melhores atuações de toda sua carreira, do início ao final do filme ele mostra porque é um dos atores (e realizadores) mais respeitados do cinema contemporâneo, ele demonstra ter o absoluto controle de cada gesto e trejeito de seu personagem e sua aparência denota também o ótimo trabalho de maquiagem, que o tornou bem parecido com o Harvey Milk real (que aparece em fotos no final do filme). O elenco secundário formado por James Franco, Emile Hirsch, Diego Luna e Josh Brolin, também nos presenteia com ótimas atuações e ajudam a compor o explendor deste que é um dos melhores dramas biográficos produzidos por Hollywoody nos últimos tempos. Ah, e sobre a polêmica em torno do tema, preciso deixar claro que tenho mais admiração pela luta e perseverança dos militantes do que pelo ódio disseminado pelo seus opositores. Desconsidere a alcunha de “baseado em fatos reais”, desfaça-se de seus conceitos pré concebidos e assista, vale a pena!
 
Milk - A Voz da Igualdade ganhou os Oscars de Melhor Ator (Sean Penn) e Melhor Roteiro Original, tendo sido indicado também nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Ator Coadjuvante (Josh Brolin), Trilha Sonora Original, Figurino e Edição de Imagem.
 
O documentário The Times of Harvey Milk (1984), que foi uma das fontes de informação para o roteiro de Dustin Lance Black, ganhou em 1985 o Oscar de Melhor Documentário.
 
Assista ao trailer de Milk - A Voz da Igualdade no You Tube ! (clique no link)
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quarta-feira, 23 de março de 2011

Meu Amigo Totoro

Meu Amigo Totoro (Tonari no Totoro; となりのトトロ) - 1988. Dirigido e escrito por Hayao Miyazaki. Música de Joe Hisaishi. Produzido por  Toru Hara. Tokuma Japan Communications Co. Ltd.; Studio Ghibli & Nibariki / Japão.


Vivi boa parte de minha infância nos anos 90 e como grande parcela de minha geração, fui marcado pelos animes que chegavam aos montes no Brasil através, principalmente, da extinta TV Manchete. Os desenhos japoneses, com sua linguagem diferenciada da dos demais, passaram desde então a fazer parte de meu imaginário. Creio que por causa deles, hoje muita coisa da cultura nipônica não nos parece demasiadamente estranha. No entanto, mesmo caindo na graça de alguns poucos canais de televisão por aqui, o gênero, durante muito tempo, não teve tanta expressão no cenário mundial do cinema, com raras exceções como Akira (1988), a maioria dos animes que iam parar na telona eram apenas "especiais" das séries que já passavam na televisão. Hayao Miyazaki, foi um dos responsáveis pela disseminação do anime no cenário cinematográfico ocidental a partir dos anos 80. Sua produção mais aclamada, A Viagem de Chihiro (2001), ganhou o Oscar de Melhor Animação e voltou os olhares de críticos e cinéfilos para as suas obras mais antigas.

Meu Amigo Totoro (1988) é o quarto longa de Miyazaki e tal como A Viagem de Chihiro ambienta sua história sobre as fantasias e aventuras da infância. Se seu longa de 2001 rendeu comparações com o clássico literário de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, o de 1988 também não está livre de tais analogias, e no caso deste existe referências mais latentes à obra do escritor inglês. A fórmula, que já foi usada também em outros longas como O Menino do Pijama Listrado (2008), O Labirinto do Fauno (2006) e em Onde Vivem os Monstros (2009), é composta por histórias fantásticas que envolvem crianças que, guiadas pela imaginação, adentram realidades paralelas. As alegorias do mundo surreal as ajudam a lidar com as mudanças que acontecem em suas vidas reais. Mas afirmar que nestes filmes o fabuloso é materializado apenas de uma fértil imaginação infantil seria uma tremenda fala de sensibilidade e de noção poética. Assim como os personagens, eu prefiro a magia do mundo fantástico ao descolorido da realidade.


Ao remontar o universo infantil em Meu Amigo Totoro, Miyazaki constrói uma verdadeira poesia visual e sonora. As traços característicos dos animes que já conhecemos estão presentes, porém muito melhor trabalhados que nos desenhos que costumávamos ver nos finais de tarde na TV. Cada sequência é desenhada com uma enorme riqueza de detalhes, quem enchem nossos olhos com a sutileza de lindas paisagens e ambientações. O equilíbrio e interação entre as cores é fantástico (o que não é novidade, uma vez que os orientais culturalmente têm uma grande preocupação com o significado das cores) e ajuda a compor o contexto sentimental e poético de diversas cenas. A contextualização com diversos elementos da cultura e do folclore japones conferem um lirismo ainda maior à animação.


Na apaixonante história, o professor universitário Kusakabe, muda com suas duas filhas, Satsuki de dez anos e Mei de quatro, para um vilarejo no interior do Japão, o intuito dele é estar mais perto da esposa, mãe das meninas, que está internada em um hospital próximo à localidade. Em nenhum momento o filme deixa claro qual é a situação da enferma, temos apenas uma noção de seu quadro médico, indicada pela preocupação das meninas e pelo tempo, aparentemente longo, que ela já está internada. Ao chegar na nova vizinhança, as meninas descobrem que a casa onde vão morar é assombrada por espíritos, os Makure Kurosuke, entidades do folclore japonês. Ao explorar a casa que parecia já estar há um bom tempo abandonada, elas têm o primeiro contato com os Susu Ataki, fantasminhas que assumem a forma de bolinhas pretas de fuligem. Apenas as duas meninas conseguem ver os fantasmas, mas o pai em nenhum momento deixa de alimentar aquilo que pode ser fruto da imaginação e da inocência delas.


Numa sequência que lembra, e muito, uma passagem de Alice no País das Maravilhas, Mei persegue dois espíritos e acaba caindo em uma fenda aos pés de uma grande tamareira, é neste mundo dentro da árvore que ela conhece Tororu (Trol em japonês), que seria uma espécie de guardião da floresta. Mei não consegue pronunciar o seu nome e passa o chama-lo de Totoro. O monstrão não assume características humanas na história, permanecendo similiar a um bichinho de estimação, ele se comunica apenas por grunhidos e parece dormir a maior parte do tempo, mas ainda assim percebemos, já neste primeiro encontro, que uma grande afinidade surgiu entre ele e a pequena menina.


Totoro de certa forma ampara o amadurecimento forçado de Satsuke e simboliza as descobertas de Mei sobre o ciclo da vida, que compreende nascimento, crescimento e morte. As meninas se chocam com a realidade acerca da finitude da existência quando passam a temer a perda da mãe, tal choque é desenvolvido no filme sem muitos atenuantes, mas entorpecidas pela fantasia, as pequenas encontram na própria natureza e no aconchego da família o acalento para os seus medos e as respostas para alguns de seus questionamentos. Ao retratar etapas da realação do indivíduo consigo e com a natureza, Meu Amigo Totoro me lembrou Sonhos (1990) de Akira Korosawa, que constroi sua trama sobre premissas similares, que relatam as etapas não só da infância, mas de todo o ciclo da vida.


A dicotomia entre realidade e fantasia, que se misturam, traz de volta, ao menos nos minutos de duração do filme, toda a beleza e poesia da infância perdida. O filme nos transporta para a época em que acreditávamos em fantasmas e que um simples passeio por um jardim poderia ser uma inesgotável fonte de descobertas. Através da visão de Satsuke e Mei, vemos e recordamos da fase mais contemplativa de nossa vidas, que há muito foi levada pela embrutecida realidade do cotidiano. Neste aspecto o filme é um verdadeiro presente, pois é capaz de nos trazer de volta sensações tão puras, com uma incrível intensidade emocional. Eu particularmente sempre sou tocado de forma sublime por filmes que de alguma forma abordam a simplicidade e a inocência da infância e neste meu impeto saudosista foi elevado ao extremo em um misto de melancolia e estonteante felicidade.

Meu Amigo Totoro também me fez lembrar algo dito no prefácio de O Pequeno Príncipe de Exupéry, que explicava que aquele não se tratava de um livro para crianças, justamente por trazer a mensagem da infância, que os pequenos ainda não perderam e sabem de có e salteado. Acho que posso afirmar o mesmo sobre este longa de Miyazaki, a mensagem singela que este filme esplendido traz precisa ser compreendida por toda a gente grande, que ao amadurecer perdeu a capacidade imaginativa e contemplativa ao constituir interpretações do mundo. É um filme lindo, uma obra prima, assistam e não se arrependerão!


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segunda-feira, 21 de março de 2011

Apenas Uma Vez

Apenas Uma Vez  (Once) - 2006. Dirigido e escrito por John Carney. Fotografia de Tim Fleming. Música de Glen Hansard & Markéta Irglová. Produzido por Martina Niland. Bord Scannán na Éireann; RTE, Sanson Films & Summit Entertainment / Irlanda.


“Pegue este barco que está afundando e tome o rumo de casa,
nós ainda temos tempo...
Levante sua voz esperançosa, você teve escolha,
 agora você conseguiu...”

E se apenas uma vez em toda nossa vida tivéssemos a oportunidade de encontrar a pessoa ideal capaz do nos completar e dar sentido para tudo o que fazemos? É sobre esta premissa um tanto clichê e romântica demais, que o roteiro de Apenas Um Vez (2006), escrito e dirigido por John Carney, se sustenta. Mas quem pensa que se trata de mais uma comédia romântica água com açúcar está completamente enganado. Este é um daqueles filmes geniais em sua simplicidade, com os quais raramente nos deparamos. E esta simplicidade não se restringe ao roteiro, está também na direção de arte, nos figurinos e até mesmo na câmera de mão instável, que capta todo o explendor e profundidade do minimalismo da trama. Pode parecer contraditório, mas as coisas simples costumam ser as mais complexas e assim sendo as que mais nos provocam as reações mais diversas.

Não pretendo entrar a fundo na questão sobre se Apenas Um Vez é ou não um musical, alguns o consideram um musical moderno, mas o fato é que, mais que na maioria dos filmes do gênero, as lindas canções compostas para o filme são o fio condutor que guiam a trama, ambienta os personagens e contextualizam a profundidade de suas relações. Eu sou suspeito para adentrar no assunto, uma vez que este é o estilo de música que mais tenho ouvido atualmente, mas não posse me furtar a tecer um comentário sobre a trilha sonora. Cada uma das 10 baladas indies que tocam no filme são como uma bomba que explode sobre nossas emoções, evocando por vezes o amor, a saudade ou a dor da perda, são elas que transformam o filme na belíssima obra de arte que é. John Carney, que fora baixista da banda The Frames, soube correlacionar com perfeita harmonia a história dos dois protagonistas e cada uma das canções executadas por eles.

 

“Dez anos atrás, eu me apaixonei por uma garota Irlandesa
Ela robou meu coração, mas transou com um cara que ela conhecia
E agora eu estou em Dublin com o coração partido
Um troxa de coração partido que conserta aspiradores...
Um dia vou voltar e conquistá-la, mas até lá sou apenas um trouxa...”

O roteiro mantém o foco sobre o relacionamento entre um rapaz (Glen Hansard – vocalista e líder do The Frames) e uma garota (Markéta Irglová) e na forma com que a música influencia e muda suas vidas. Ele trabalha com o pai ajudando-o a consertar aspiradores de pó em uma loja bem modesta, sua mãe faleceu a pouco tempo, por isso ele veio para Dublin, para dar o suporte e atenção que o pai viúvo precisava. Nas horas vagas ele toca violão em uma rua movimentada do centro da cidade para ganhar alguns trocados e é lá que ele por acaso conhece a garota (ambos permanecem anônimos durante o filme), ela é tocada por uma de suas canções melancólicas e percebe de imediato que eles compartilham sentimentos semelhantes. À medida que eles vão se conhecendo, ele descobre que ela também nutre a mesma paixão que ele tem pela música. Todos os dias ela, que é uma pianista sem piano, tira um tempinho no seu horário de almoço para tocar numa loja de instrumentos musicais, o dono, como bom cavalheiro que é, a deixa praticar nos instrumentos que estão à mostra. Ela é natural da República Checa e mora com a mãe e uma filha pequena em um prédio de imigrantes no subúrbio da cidade.


Os dois personagens, que são igualmente machucados pelas seus relacionamentos anteriores, encontram na música a afinidade que os aproxima, que os ajuda a curar suas dores e que lhes dá a  força que pode impulsionar mudanças significativas em suas vidas. Nós, ao acompanharmos a formação daquilo que poderia vir a ser o embrião de uma ótima banda, nos sentimos transportados para uma realidade diferente, onde as coisas, ao que parece, tendem a dar certo no fim. Mas o filme não cai neste lugar comum, ele ganha um ponto extra, ao retratar os relacionamentos como são na realidade, sujeitos ao acaso e a situações que nem sempre podem ser controladas. O brilhantismo do roteiro pode estar é justamente na negação dos extremos dramáticos e dos artifícios usados em filmes do gênero (como o excesso de cenas de sexo por exemplo), o que não nos permite perder a sensação de que estamos diante de uma obra prima, singular em sua capacidade de inovar em um território já tão explorado.

 

Apenas Uma Vez acaba sendo também uma exaltação da amizade em sua forma mais pura, desprovida de nenhum interesse, tal sentimento pode ser visto no roteiro através do relacionamento entre os personagens e entre a cumplicidade que existe entre o diretor John Carney e os dois atores. Carney já conhecia Glen dos tempos em que tocaram juntos no The Frames e a admiração que o diretor tinha pelo amigo como músico, o motivou a convidá-lo para compor a trilha sonora para o filme. Daí foi um passo até ele perceber que o compositor era o mais indicado para viver o personagem que interpretaria as canções. Glen relutou mas aceitou, aquele que seria seu primeiro trabalho como ator, e foi dele a sugestão de convidar Markéta, que também não era atriz, para participar do longa. Nos extras do DVD Glen comenta que , ao contrário de outros atores que precisam fingir que se conhecem, eles que já eram amigos de longa data, precisavam fingir que não se conheciam. Tanto Glen quanto Markéta se saíram muito bem naquilo que parecia uma brincadeira de ser atores, a naturalidade de suas interpretações renderam dois personagens cativantes e memoráveis.

 

Em Apenas Uma Vez, a única coisa da qual senti falta, foi da alguns minutos a mais que pudessem prolongar a ótima experiência que o filme me proporcionou. É sem sombra de dúvidas um filme imperdível, capaz de mexer com nossos sentimentos mais profundos e de nos deixar com a alma à flor da pele. Com certeza só não provocará o mesmo efeito em quem está acostumado aos “romances” superficiais de folhetins globais, com desfechos padrões e entortados por convenções sociais. Agora, se você não tem uma pedra no lugar de um coração e além disso tem a sensibilidade artística para reconhecer lindas canções, corra atrás! Assista e escute!

Apenas Uma Vez ganhou o Oscar de Melhor Canção Original em 2008 (por Falling Slowly).

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