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domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei

O Discurso do Rei (The King`s Speech) - 2010. Dirigido por Tom Hooper e escrito por David Seidler. Fotografia de Danny Cohen. Música de Alexandre Desplat. Produzido por Iain Canning; Emile Sherman  e Gareth Unwin. Paris Filmes / UK.


"Alguns homens nascem fortes, outros têm que descobrir a força que há dentro deles"

Ainda não sei descrever o que senti quando sai da sala do cinema, depois de assistir O Discurso do Rei (2010). Este filme é um daqueles que de alguma forma nos faz bem e nos transmite uma breve, porém intensa, sensação de otimismo e alto astral. Isto não acontece comigo frequêntemente, mas lembro de ter sentido algo parecido quando assisti Simplesmente Feliz (2008) e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001)O Discurso do Rei também é um daqueles filmes, em que cada coisa está exatamente onde deveria estar, os toques de humor e de melodrama são usados na medida certa e tudo parece fluir em uma sintonia raramente percebida. Os personagens conseguem nos cativar com suas características marcantes e isentas de maniqueísmo. Apesar de suas falhas e de seus modos, que não nos são familiar, eles logo estabelecem conosco uma relação de empatia e cumplicidade.

 O Discurso do Rei tem se insurgido como uma das promessas de tirar de A Rede Social (2010),  a estatueta de Melhor Filme, que será entregue hoje. O longa de David Finsher era, até algumas semanas atrás, o favorito absoluto ao prêmio, mas o jogo virou e a disputa promete ser acirrada, ambos têm méritos inquestionáveis e já dividem a opinião de críticos e cinéfilos. Curiosamente, são dois filmes que vão muito além daquilo a que se propõe, transcendendo as histórias reias, nas quais foram inspirados.  Talvez isso explique o tamanho sucesso que ambos vêem conquistando, apesar de se basearem em fatos que, convenhamos, não têm muito apelo à primeira vista.

O Discurso do Rei poderia ser apenas mais um filme dentre tantos que relatam as polêmicas, intrigas e peripécias da realeza britânica, mas consegue ir muito além do que foram a maioria de seus similares. Como sempre deixo claro em comentários sobre filmes baseados em fatos reais, a sinopse que faço é da história adaptada e não dos fatos históricos que a inspiraram, vamos à ela: O personagem principal é Albert Frederick Arthur George (Colin Firth), que herda o trono da Inglaterra depois da renúncia de Edward (Guy Pearce), seu irmão mais velho, que deixou o poder para se casar com uma americana que já tinha se divorciado duas vezes. Albert não estava preparado para governar, ele era tímido, inseguro e não conseguia falar em público por ser gago. Para complicar a situação Albert, que adotou então o nome de George VI (em homenagem ao seu pai George V), o país estava em um momento histórico critico, o ano era 1936 e a 2° guerra era uma ameaça iminente, era questão de tempo até a Inglaterra declarar guerra à Alemanha.


Apesar da situação instável do país e do mundo, a principal preocupação de George VI era em contornar a gagueira e conseguir lidar com as circunstãncias que lhe exigiam uma aproximação maior de seus súditos, que deveria ser feita justamente através do rádio, veículo de comunicassão de massa com maior abrangência na época. A rainha Elizabeth (Helena Bonham Carter), sua esposa, já havia tentado de tudo para ajudar o marido a se livrar do problema constrangedor, já tinha lhe levado a diversos especialistas, porém sem nenhum resultado. Ambos já estavam prestes a desistir quando Elizabeth conheceu o australiano Lionel Logue (Geoffrey Rush), um profissional de métodos nada ortodoxos. Ele, que lhe fora muito bem indicado, se mostra como sendo egocêntrico e arrogante (comportamento típicos dos nobres). Depois de um pouco de resistência George VI aceita se submeter ao tratamento proposto por Lionel e a acatar suas exigências.

O relacionamento ora conflituoso, ora amistoso, entre o rei e o fonoaudiólogo é o melhor atrativo do filme, ao contrário do que possa parecer, não existe pompa e formalidade entre eles e cada encontro terapêutico vai revelando um pouco mais sobre a personalidade de cada um deles. Os exercícios a que o rei se submete nos proporcionam alguns dos momentos mais divertidos do filme. Mas, nós expectadores somos cativados é justamente pela simplicidade que Lionel representa e não pela suntuosidade da família real. No decorrer da história vemos que tanto George quanto sua esposa se rendem à simplicidade que emana do fonoaudiólogo e de sua família. Acredito até que um dos aspectos mais legais do o filme, seja a forma com que ele nos faz compreender que uma verdadeira amizade pode ser o melhor remédio para boa parte de nossos problemas.


Legal também é que o filme não exita em mostrar Albert como um homem frágil, que não tem a mínima ideia de como passar para o povo, através do rádio, a força que este precisa para encarar a guerra de grandes proporções que se aproxima. Confesso ainda que é muito mais recompensador ver representadas nas telas personalidades que venceram a si mesmas, do aquelas que venceram todo mundo, passando por cima de qualquer um (mesmo que estas personalidades possam estar bem diferentes daquilo que foram ou são na realidade).

O Discurso do Rei também faz jus a cada um dos prêmios que já conquistou e a cada um dos 12 Oscars a que está indicado. A fotografia, aliada a uma ótima direção de arte, digna de ganhar o prêmio da Academia, nos coloca diante de lindas imagens durante todo o filme, a parede descascada do consultório de Lionel Logue, por exemplo, é quase uma obra de arte, pela forma com que é fotografada. Os aposentos reais capturados em tons frios, corroboram a idéia que o filme tenta passar sobre a vida de George VI. A trilha sonora é maravilhosa, marcante sem deixar de ser sutil, ela parece se enquadrar perfeitamente em um filme em que o silêncio desempenha um papel primordial.

 

As atuações também são excelentes e acredito que sejam, por si só, o aspecto que mais se destaca no filme. Colin Firth foi muito bem sucedido ao dar a seu personagem reações e emoções na medida exata. Ele poderia ter caido no lugar comum de explorar a disfemia com excesso de humor ou de dramaticidade, como seria fácil de se esperar de qualquer filme "mediano". Segundo uma matéria publicada pelo periódico inglês Daily Mail, a rainha Elizabeth II contou que teria se emocionado ao ver a interpretação que Firth deu para o seu pai, ela se disse tocada pela atuação e pelo filme. Geoffrey Rush, que na minha opinião merece tanto destaque quanto Firth, está numa atuação que faz jus à toda sua habilidade cênica. Desde Shine (1996) ele não fazia um papel tão significante e digno de todas a honrarias e indicações que vem recebendo. Helena Bonham Carter também tem um desempenho formidável, é legal ver ela fora dos papéis excêntricos que a marcaram em Filmes como Clube da Luta (1999), Sweeney Todd (2007) e Alice no País das Maravilhas (2010).

O Discurso do Rei pode não ser o meu favorito dentre os longas que estão indicados para o Oscar de Melhor Filme, mas sem sombra de dúvidas é o que mais merece ganhar o prêmio. É um grande filme sobre as coisas simples, aquelas que dão sentido a nossa vida e fazem valer a pena lutar para vencer nosso pior inimigo: nós mesmos. Quem ainda não viu não sabe o que está perdendo. Assista!

O dircurso do Rei está indicado aos Oscars (que serão entregues hoje) de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original, Ator (Colin Firth), Ator Coadjuvante (Geoffrey Rush), Atriz Coadjuvante (Helena Bonham Carter), Fotografia, Edição, Trilha Sonora Original, Direção de Arte, Figurino e Mixagem de Som. Colin Firth ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator - Drama, tendo o filme sido indicado ao prêmio também nas categorias de Melhor Filme - Drama, Diretor, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante, Roteiro e Trilha Sonora Original.


Assista ao trailer de O Discurso do Rei no You Tube ! (clique no link)
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Cisne Negro

Cisne Negro (Black Swan) - 2010. Dirigido por Darren Aronofsky e escrito por Mark Heyman; Andres Heinz e John McLaughlin. Fotografia de Matthew Libatique. Música de Clint Mansell. Produzido por Scott Franklin; Mike Medavoy; Arnold Messer e Brian Oliver. Fox Searchlight Pictures / EUA.

 

Pode ter sido mais um de meus incontáveis devaneios, mas Cisne Negro (2010) me fez lembrar o conto Um Artista da Fome de Franz Kafka. Neste conto, Kafka narra a história de um tipo curioso de artista, um jejuador, este se apresentava em praça pública enclausurado em uma jaula, e chamava a atenção do povo comum pelo tempo que conseguia ficar sem comer e pela forma com que definhava dia após dia. O jejuador de Kafka percebe que não vive mais seus melhores dias, seu público vai se tornando cada vez mais escasso e sua notoriedade se esvai junto com sua vida. A efemeridade do sucesso, tema recorrente nos estudos sobre a indústria cultural e a pós-modernidade, já tinha sido abordada neste texto de 1922. Na história o artista perde a atenção que o público lhe devota à medida que deixa de ser uma novidade. Depois de definhar sozinho até a morte, ele é substituído em sua jaula por um pantera, que ao contrário dele exibia vitalidade e vigor.

O conto de Kafka pode ser interpretado como uma metáfora sobre as condições impostas pelo meio artístico e a deterioração e posterior descarte que o artista sofre, quando não mais satisfaz o desejo pungente de seu público. Ao perder a áurea da novidade e o vigor da juventude, o artista passa a conviver com a possibilidade de ser substituído por outro, que detenha estas tão desejadas qualidades. Alguns dias atrás na resenha que fiz de A Malvada (1950), cheguei a estabelecer, meio às cegas, um paralelo entre este filme e Cisne Negro. Mesmo ainda não tendo assistido o longa de Darren Aronofsky, no dia em que escrevi o texto, o paralelo se mostrou mais consistente do que eu imaginava. Ambos relatam o meio artístico, a forma com que as estrelas decadentes são descartadas e a ascensão, a qualquer custo, de uma nova que venha para preencher o vazio, que a anterior foi obrigada a deixar. Cisne Negro mostra que o preço desta acensão e da glória pode ser muito alto.


Natalie Portman - rito de passagem e agonia artística em Cisne Negro

Nina Sayers (Natalie Portman) é dançarina de uma companhia de balé clássico, uma das mais respeitadas de Nova Iorque, ela se dedica com afinco para conseguir uma papel de destaque e com isso reduz a sua vida a ensaios e preparações físicas no intento de alcançar uma perfeição artística. Nina mora com a mãe, Erica (Barbara Hershey), uma bailarina aposentada e, ao que parece, frustrada pelo próprio passado. Erica é super protetora, trata a filha como uma criança, mas a incentiva em sua ambição. Thomas Leroy (Vincent Cassel), o diretor da companhia de balé, deseja fazer uma remontagem mais ousada de O Lago dos Cisnes e descarta a veterana Beth MacIntyre (Winona Ryder), por acreditar que ela está velha demais para o papel principal. Beth é forçada a se aposentar e Nina tem a sua primeira chance como protagonista, ela terá que representar o Cisne Branco e a sua irmã gêmea má, o Cisne Negro, que aparece no terceiro ato da encenação.

Jogos de espelho ajudam a compor o contexto visual de alucinações e fantasias.

Nina valoriza a perfeição do aspecto técnico da dança e se dá bem ao interpretar o Cisne Branco, mas se vê diante de um grande obstáculo ao tentar incorporar a malícia do Cisne Negro. Thomas se mostra muito exigente e quer, a qualquer custo, extrair da bailarina toda sensualidade e maldade, que ela esconde por trás de seu jeito meigo de menina inocente. O medo de não conseguir a performance que o diretor exige, deixa Nina em uma situação de extrema tensão e ansiedade. O seu estado psicológico se agrava, quando passa a ver em Lily (Mila Kunis), a mais nova bailarina da companhia, uma concorrente em potencial. Lily, ao contrário de Nina, é rebelde e impulsiva e sua interpretação do Cisne Negro deixa Thomas impressionado. O estado psicológico de Nina, agravado pela suposta concorrência e pelas paixões que já não consegue controlar, a mergulha em devaneios e visões assustadoras. E à medida que a história avança, fica cada vez mais difícil para ela, e para nós espectadores, distinguir o que é real e o que não passa de fantasia de sua mente angustiada.


Tal como o artista da fome de Kafka, Nina se definha, porém psicologicamente, diante do desejo de conseguir um desempenho transcendente. O medo de não corresponder às expectativas e de ter um final parecido com o de Beth, ou com o de sua mãe, levam a menina frágil a muito além de seus limites. O rito de passagem vivido pela bailarina incluirá experiências de sexo (em cenas que deixarão os mais conservadores com o cabelo em pé) e drogas das mais pesadas. A pena pelos excessos, que nos remete a outros filmes do mesmo diretor, como Réquiem para um Sonho (2000), não será barata e nós espectadores a pagamos junto com a personagem. Diferente do modelo comercial que elimina os conflitos no fim trama, Cisne Negro, pela dubiedade de seu roteiro, nos deixa com uma estranha sensação de desconforto ao sair do cinema. Se A Rede Social (2010) é o retrato da glória superficial da geração Y , este filme é a mais pura representação das consequências do modo de vida e da mentalidade desta geração, que no afã de conquistar a perfeição imediatista, pode dar saltos maiores que as pernas e conquistar com isso apenas a decadência física e mental.


Natalie Portman dá muito mais que um show de atuação no papel de Nina, eu que já tinha um carinho todo especial pela atriz por sua atuação em filmes como V de Vingança (2005) e Closer (2004), reafirmei e aumentei toda minha admiração por ela, que com certeza é uma das melhores atrizes da atualidade. Tropeço no clichê para dizer que ela está em seu melhor momento. Preste atenção não só nas danças (ela é bailarina desde os 4 anos), mas em cada pequeno detalhe da expressão facial e corporal da atriz, é a conquista da perfeição artística que sua personagem almejava. As outras atuações não ficam para trás, e ajudam a compor o todo que faz deste um dos melhores filmes dos últimos anos. A fotografia também é surpreendente, a câmera que percorre freneticamente cada movimento de Nina em ação produz algumas sequências memoráveis, como a da dança nos primeiros minutos do filme, captada magistralmente pela câmera que parece girar em torno da atriz.

Cisne Negro ainda está em cartaz nos cinemas, corra para assistir! Se você sabe reconhecer uma obra prima, com certeza não se arrependerá!


Cisne Negro está indicado aos Oscars de Melhor Filme, Direação, Atriz (Natalie Portman), Fotografia e Edição (confiram hoje a entrega dos prêmios). Natalie Portman recebeu o Globo de Ouro na categora de Melhor Atriz, tendo o filme sido indicado também ao prêmio Melhor Filme, Direção e Atriz Coadjuvante (Mila Kunis).


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Do diretor  Darren Aronofsky, recomendo também: Réquiem para um Sonho (2000)


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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Um Corpo que Cai

Um Corpo que Cai (Vertigo) - 1958. Dirigido e produzido por Alfred Hitchcock e escrito por Alec Coppel & Samuel A. Taylor, baseado na novela D’Entre Les Morts, de Pierre Boileau e Thomas Narcejak. Fotografia de Robert Burks. Música de Bernard Herrmann. Paramount Pictures / EUA.

 

Resumindo, pode-se dizer que Um Corpo que Cai (1958) é um filme sobre o medo, seus efeitos e a forma com que se desenvolve. A sua maior façanha é mostrar que, mesmo parecendo ser tão tolo, o medo que nos aflige pode nos paralisar e causar estragos terríveis. Este clássico de Alfred Hitchcock começa com uma sequência de perseguição policial, onde dois tiras perseguem um bandido numa corrida frenética sobre prédios de São Francisco. Por não conseguir alcançar o outro lado, depois de um salto de um prédio para outro, o policial Jimmy Scottie (James Stewart) fica pendurado e entra em pânico. Seu parceiro tenta o ajudar mas acaba caindo para a morte certa. Scottie conseguiu se salvar, mas começou então a sofrer cada vez mais com seu medo de altura (acrofobia), que só aumentou depois do incidente. Ele ainda se remoía por se sentir culpado pela morte do colega. O tribunal o isentou da culpa, pois ninguém pode ser responsabilizado pelo que deixou de fazer, mas ele foi afastado da corporação, pois entendiam que sua fobia puderia colocar sua própria vida e a de outros colegas em risco.

Quando Jimmy já pensava em se aposentar, ele foi procurado por Gavin Elster (Tom Helmore), um velho amigo que lhe propôs um serviço de detetive particular. O ex-policial deveria seguir a esposa de Gavin, que vinha sofrendo estranhos surtos psicóticos. Este, ao procurar Jimmy, explica que não se tratava de questões conjugais e sim de um misterioso caso de aparente possessão. Madeleine (Kim Novak), a esposa de Gavin, estava obsecada por uma antepassada, que se suicidara décadas atrás e com frequência se fechava em mundo particular como se estivesse catatônica, ou fazia coisas das quais se esquecia completamente mais tarde. O comportamento estranho de Madeleine fez o seu marido acreditar que ela estava sendo atormentada pelo espírito da bisavó suicida. Jimmy se mostrava cético quanto à historia de fantasmas, acabou aceitando o trabalho em consideração ao amigo. Ao seguir a atormentada Madeleine, Stewart percebe nela, tal como acontecera com a antepassada, uma forte tendência suicida. Ele acaba se aproximando mais do que deveria da linda moça, depois de salvar-la de uma tentativa de afogamento.

  
Em cena: Kim Novak e James Stewart em um relacionamento cheio de suspense e mistério.

A primeira parte do filme, que tende para o suspense sobrenatural, tem seu clímax em um campanário que fica nos arredores da cidade de São Francisco, o que parecia ser um final é apenas o começo de uma trama que começa a se desenrolar. Comentar qualquer coisa sobre a segunda parte seria um verdadeiro desrespeito a quem ainda não viu o filme, seria estragar o verdadeiro prazer. Tal como descrevi no artigo Hitchcock à Luz da Teoria da Persuasão, cada uma das partes do filme, tem um objetivo de compor o contexto favorável para que o suspense seja elevado à sua máxima potência. Nós ao percebermos o medo quase absurdo que o protagonista sente de altura, tendemos a estarmos mais suscetíveis ao medo que será trabalhado em nós no decorrer do filme, pois de alguma forma entendemos que sentir medo é algo natural, que pode afetar até mesmo os “heróis”. Quando menos percebemos já estamos sentindo algo semelhante ao que Jimmy sente ao subir em uma simples cadeira, damos lugar ao medo do sobrenatural e do desconhecido, que joga por terra qualquer tentativa de coragem baseada na razão.

  

A trama de Um Corpo que Cai, pode parecer forçada e em muitos momentos absurda demais, o desfecho, a la final de Scooby-Doo, nos deixa perplexos e ao mesmo tempo com a sensação de que tudo é demasiadamente surreal para que possa ser compreendido como verosimilhante. Porém não é na construção da trama que está a grandiosidade desta obra, nem a genialidade de Hitch. É na forma com que o diretor manipula nossas percepções através do poder da mensagem fílmica (imagens + sonoplastia), que reside toda as justificativas que embasam a afirmação de que Um Corpo que Cai é um dos maiores clássicos do cinema de todos os tempos. Não é atoa que ele atualmente figure na maioria das listas de filmes imperdíveis que são renovadas a cada ano.


Um outro destaque de Um Corpo que Cai é a fotografia, feita com tecnologia da Technicolor, que além de capturar lindas cenas de São Francisco, ainda funciona como fator atenuante do medo que é induzido em nós espectadores. Os originais do filme quase se perderam pela deterioração causada pelo tempo, mas em 1996, após um trabalho de restauração que custou mais de um milhão de dólares, os negativos foram recuperados, evitando assim que fosse perdido para sempre um dos melhores registros do cinema Hollywoodiano. Quem ainda não viu, não sabe o que está perdendo. Se você vier a assistir ao filme, repare na pequena participação do diretor (ele fez isso na maioria de seus filmes), que aparece como um transeunte vestindo um terno cinza, mais ou menos aos 11 minutos de duração. E só para terminar a resenha com uma frase de efeito, posso afirmar que: Você nunca entenderá nada de suspense se não conhecer os clássicos de Alfred Hitchcock! Ultra recomendado!

Um Corpo que Cai foi indicado aos Oscars de Melhor Som e Direção de Arte, mas não levou nenhuma das duas estatuetas.


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De Hitchcock, recomendo também: Psicose (1960) e Pássaros (1963).


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Hitchcock à Luz da Teoria da Persuasão

"Se explodirmos repentinamente uma bomba numa sala com duas pessoas, a emoção durará dez segundos. Mas anuncie que a bomba irá explodir e o suspense durará até o fim." - Alfred Hitchcock



Na edição de N° 17 da revista Previw, na matéria Prêmio de Consolação, foram listados alguns dos erros históricos da Academia, que em muitas situações deixou de entregar o Oscar a quem realmente merecia. Nesta lista apareceram, Charlie Charplin, Ingmar Bergman, Jean Renoir, Akira Kurosawa, dentre vários outros injustiçados. Algumas destas gafes foram compensadas (ou ao menos tentou-se) com a entrega do Oscar Honorário ou do Prêmio Irving G. Thalberg, criados originalmente para reconhecer feitos inovadores de profissionais do cinema e produtores de visão, respectivamente. Alfred Hitchcock também estava nesta lista, elaborada pela redação da revista, o cineasta chegou a ser indicado ao prêmio da Academia cinco vezes (por Rebecca - a Mulher Inesquecível; Um Barco de Nove Destinos; Quando fala o Coração; Janela Indiscreta e Psicose), mas em nenhuma delas chegou a colocar as mãos na cobiçada estatueta. Em 1968 ele foi agraciado com o Prêmio Irving G. Thalberg, numa clara, porém tardia, tentativa de reparação.

O fato é que a Academia levou muito tempo para reconhecer e respeitar o suspense como gênero cinematográfico, mas é inquestionável a tamanha contribuição de Alfred Hitchcock para o cinema como um todo e não só apenas para o gênero que o consagrou. A alcunha que lhe atribuíram de “pai do suspense” é mais do que justificada. Ninguém, mais que ele, conseguiu explorar este gênero ao limiar de suas possibilidades. Praticamente tudo que é produzido hoje no terror, no horror e no suspense, bebe da fonte próspera do cineasta. Hitchcock é com certeza um dos diretores mais influentes de Hollywoody e sua influência vai muito além do que se imagina

Podemos fazer uma análise do susp
ense Hitchcockiano à luz da Teoria da Persuasão (uma das teorias clássicas da comunicação). Tal teoria pressupõe que a forma, com que um indivíduo decodifica uma determinada mensagem, está vinculada à questões psicológicas ligadas à própria mensagem e à audiência, conjunto de receptores que são atingidos por ela. No que diz respeito à mensagem, o indivíduo a interpretará de acordo com o grau de respeito que deposita no comunicador. E no tocante à audiência, o indivíduo se tornará mais suscetível aos assuntos a que está mais acostumado e tenderá a consumir as informações às quais está de acordo.

 

Hitchcock, contemporâneo aos estudos acerca desta teoria, parece te-la compreendido como nenhum outro cineasta. Alguns de seus maiores clássicos, como Psicose (1960) e Os Pássaros (1963) se baseiam na simples premissa de explorar o teor psicológico da mensagem (fotografia, sonoplastia e roteiro dos filmes) e da audiência (de nós expectadores). Pode-se notar a grande frequência com que o diretor usa a perspectiva do próprio personagem para nos inserir no contexto de uma determinada cena. Este recurso nos ajuda a entender o que o personagem está sentindo e nos traz a identificação ou a empatia com o que está sendo vivido por ele. Quando isto acontece, o que está sendo trabalhado é nosso psicológico, passamos então a sentir o medo, a ansiedade e o susto que o personagem sentiria. Só que não para por ai, depois de nos ser dada a visão limitada do personagem, ganhamos então uma mais ampla, que nos eleva a condição de Voyeur. Sentimos o que o personagem sente, vemos o que ele vê e de repente passamos a ver além. Vemos antes do personagem, com o qual identificamos, o perigo a que ele está exposto e o resultado disso é o suspense, que se cria em torno das angustiantes sequências. A apreensão nos toma de uma tal forma, que o medo funciona mesmo quando temos uma vaga noção do que está por vir e mesmo quando já conhecemos a identidade do assassino, por exemplo.

O filme, como mensagem midiática, também é todo trabalhado neste aspecto psicológico, desde a fotografia, que muda abruptamente nos momentos de tensão, à trilha sonora, que ajuda a criar a atmosfera de perigo iminente. Este fenômeno pode ser observado perfeitamente, naquela que talvez seja a cena mais clássica de todos os filmes de Hitchcock, a que a jovem Marion (Janet Leigh) é esfaqueada no chuveiro, em Psicose. A fotografia em preto e branco foi proposital (há quem diga que foi para que o filme não se tornasse tão sangrento, suposição que descarto), nela podemos reconhecer os mesmo recursos de jogos de luz, usados já na década de 20, em filmes como Nosferatu (1922), que caracterizaram o Expressionismo Alemão como escola cinematográfica. A trilha sonora aterrorizante de Bernard Herrmann, com um som que expressa perfeitamente todo o significado da cena, com violinos que parecem gritar, foi o arremate dado ao conteúdo psicológico da cena. Este perfeccionismo não está presente só nesta sequência, mas em quase todas as obras que consagraram o cineasta.

 

Voltemos aos conceitos acerca da Teoria da Persuasão e sua relação com os filmes de Hitchcock. A questão sobre o respeito que o receptor deposita no emissor da mensagem é resolvida facilmente. Quando o cineasta nos transforma em Voyeurs diante das telas, por mais céticos que sejamos, tendemos a acreditar naquilo que vemos, e este efeito é potencializado por nos sentirmos parte da trama que se desenrola. Filmes como Um Corpo que Cai (1958) e Psicose podem ser divididos em duas fases, a primeira na qual temos a perspectiva do personagem e a segunda na qual o acompanhamos com uma visão ampliada que vai além da dele. Nossa condição de testemunha onipresente dos fatos nos torna mais propensos a dar crédito aos códigos, símbolos e signos a que somos expostos. A primeira fase fase também serve para nos acostumar à realidade na qual a história se passa, atendendo a um dos pressupostos acerca do fator psicológico da audiência.

Acredito que seja dispensável a discussão sobre até que ponto a obra de Hitchcock é “cult” ou então mero produto da indústria cultural, o fato de que seus filmes tenham apelos às sensações, mais que à inteligência, não diminui a sua genialidade, que está na linguagem mais do que no discurso. Godard e Truffaut, maiores expoentes da Novelle Vague, entenderam isso, tiraram seus chapéus para o gordinho de Hollywood e o reconheceram como uma de suas maiores influências.

Este artigo deveria ser apenas a introdução da resenha do clássico Um Corpo que Cai, mas a empolgação ao escrever o transformaram em algo digno de um texto à parte. É apenas um ponto de vista sobre a obra deste gênio que aprendi a admirar e a respeitar. Alguns de seus filmes estão com louvor na minha lista pessoal de “indispensáveis”. Mesmo pra quem, que como eu, sinta pouco ou nenhum atrativo pelos descartáveis filmes do gênero suspense/terror que são produzidos hoje em dia, Hitchcock oferece uma gama de motivos para que apreciemos suas clássicas produções. O efeito psicológico de suas mensagens é apenas um deles!

Como Hitchcock pôde ter sido renegado pelos votantes da academia por cinco vezes é uma das perguntas que permanecerão sem resposta. E esta história continuará se repetindo. A dúvida mais próxima é a que me toma no momento: Quem serão os injustiçados nesta edição do Oscar? Esperemos domingo (27/02) à noite pra ver! Haja Oscars Honorários para reparar os deslizes da Academia!


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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Operação França

Operação França (The French Connection) - 1971. Dirigido por Willian Friedkin e escrito por Ernest Tidyman, baseado no livro de Robin Moore. Direção de fotografia de Owen Roizman e produção de Phillip D'Antoni. 20th Century Fox / EUA.
 

A New York Magazine classificou Operação França (1971) como “Um excelente entretenimento... ágil, realista, forte e corajoso”. Tal caracterização classifica bem este ousado filme de Willian Friedkin. Posso estar acometido por um devaneio, mas creio que dá pra fazer um paralelo entre este filme e Tropa de Elite (2007 - 2010) de José Padilha. Ambos retratam cidades tomadas pelo crime e policiais com métodos nada ortodoxos que insurgem como uma esperança de ordem, em meio ao caos que se instaurou. Mas meu paralelo, um pouco forçado, termina por aqui, na verdade os filmes são bem diferentes em sua proposta e forma de retratar o crime organizado. Enquanto Tropa de Elite possui um tom mais denuncista, o clássico de 1971, apesar de ser baseado em uma história real, ele, tal como a New York Magazine o rotulou, não vai muito além do entretenimento, um ótimo entretenimento.

Operação França tende para o suspense policial, mais que para a ação, sua história nos leva a pontos obscuros e sombrios de Nova Iorque, mas sem deixar de mostrar a beleza da cidade, captada em um excelente trabalho de fotografia. A história começa quando os detetives Jimmy “Popeye” Doyle (Gene Hackman) e Buddy Russo (Roy Scheider), tentando desmantelar uma rede de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro e acabam descobrindo, que por traz de tudo estava uma estruturada quadrilha, que organizava uma mega operação. O plano era entrar com uma grande quantidade de heroína nos Estados Unidos, que seria trazida da França. A conexão França, como foi apelidada pela polícia, mobilizava pequenos e grandes bandidos e até um ator francês, usado como laranja para transportar a droga na viagem de navio.

 
Gene Hackman no papel de Jimmy "Popeye" Doyle,
atuação que lhe rendeu o Oscar de Melhor ator em 1972.

Popeye e Russo arriscam as próprias vidas para conseguirem provas concretas que justifiquem uma abordagem mais direta por parte de polícia, e tudo se torna ainda mais difícil, quando eles recebem ordens para trabalhar neste caso numa ação conjunta com os federais Bill Mulderig (Bill Hickman) e Bill Klein (Sonny Grosso). Popeye, que já não é muito respeitado no departamento, começa então a ter atritos com o agente Muldering, que ironiza sobre a eficácia de seu instinto de policial. Conforme é contado no filme, o "infalível" institinto de Jimmy já flhou uma vez e provocou a morte de seu antigo parceiro, numa ação frustrada. Os personagens Popeye e Russo foram inspirados nos policiais, atualmente aposentados, Eddie Egan e Sonny Grosso, que fazem uma ponta no filme como supervisores do departamento de polícia.



Operação França tem uma das mais clássicas cenas de perseguição do cinema, que é imitada até hoje em filmes policiais de ação. Boa parte desta sequência foi gravada pra valer e as colisões que ocorrem no percurso são reais e não foram planejadas pela equipe. Foram percorridos 26 quarteirões à velocidade de mais de 140 quilômetros por hora. O realismo das cenas de ação e a tensão que se desenvolve durante o decorrer do filme o mantiveram atual e lhe renderam o status de uma dos maiores clássicos modernos. Mesmo depois de 40 anos Operação França continua sendo uma grande pedida para gosta de ação e de uma boa trama policial, ele é digno de toda a reputação que conquistou. Recomendo!



Operação França ganhou em 1972 os Oscars de Melhor Filme, Diretor (William Friedkin) Roteiro Adaptado, Ator (Gene Hackman) e Montagem, sendo ainda indicado às estatuetas de Melhor Ator Coadjuvante (Roy Scheider), Som e Fotografia. Ganhou também o Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme, Diretor ( Roy Scheider) e Ator – Drama (Gene Hackman), tendo sido indicado ainda ao prêmio de Melhor Roteiro.


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Do diretor William Friedkin, recomendo também: O Exorcista (1973)

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domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Malvada

A Malvada (All About Eve) - 1950. Dirigido e escrito por Joseph L. Manklewicz, baseado no conto "The Wisdom of Eve" de May Orr, direção de fotografia de Milton R. Krasner e produção de Darryl F. Zanuck. Fox / EUA.

 

Cisne Negro (2010), um dos longas que estão indicados ao Oscar de melhor filme neste ano, se passa nos bastidores de um teatro e tem como mote principal a disputa entre duas atrizes para ver quem fica com o papel principal na peça Lago dos Cisnes. Curiosamente, quando o cinema trata dos bastidores do teatro, algumas alusões no tom de metalinguagem podem ser observadas. Não é de agora que o cinema usa a Broadway para ilustrar seus próprios bastidores. Até que ponto a metalinguagem pode ser percebida, irá depender de cada obra e de cada espectador. Em A Malvada (1950) as alusões, totalmente irônicas, estão latentes durante todo o filme. Este clássico do cinema americano desmonta o mito da imortalidade da estrela e mostra uma atriz de meia idade que sofre com o medo da perda de espaço no showbiz, esta está inserida em um meio de intrigas e desconcordâncias entre roteiristas, diretores e produtores.

A primeira sequência de de A Malvada começa com um closer no prêmio que será entregue à uma jovem atriz, a câmera recua e mostra um salão lotado, onde estão magnatas do show busines, atores, atrizes, jornalistas e gente que circula por este meio. O que se segue é um discurso inflamado, que justifica a entrega do prêmio à iniciante Eve Harrington (Anne Baxter). Através de uma narração somos conduzidos de volta no tempo para conhecer a trajetória da homenageada, que à princípio parece ser o clichê, a la novela mexicana, da menina pobre, que quando inserida na alta classe, ganha espaço e passa a ser respeitada. Margo Channing (Bette Davis – naquele que foi considerado um de seus melhores papéis) é a estrela mais querida da Broadway, ela é elogiada pelo público e pela crítica especializada. Num certo, dia depois das cortinas abaixarem, a respeitada atriz é apresentada à Eve, uma fã que assistiu todos os espetáculos daquela temporada e nutre uma intensa admiração pela atriz.

Anne Baxter, Betty Davis, Marilyn Monroe e George Sanders, em cena, em A Malvada

Eve conta sua triste história de vida e conquista a todos com seu jeitinho simples, inocente e cativante. Margo tocada sente que deve cuidar daquela jovem que não tem nem família e a contrata como secretária A dedicação de Eve ao trabalho, chama a atenção de todos os amigos e pessoas próximas de Margo, inclusive de seu noivo. Porém com o tempo a veterana começa a se sentir incomodada com o comportamento da moça e tudo piora quando Eve é selecionada para ser a “reserva” de Margo, no espetáculo que está em cartaz. O temor faz a atriz se tornar arredia e a acaba distanciando da “pobre” iniciante. Porém, em determinado momento, o filme dá uma reviravolta que muda completamente o conceito que temos de seus principais personagens. Paro por aqui, para não revelar nada daquilo que pode ter feito deste uma grande filme.

 

De fato a abordagem irônica que o filme traz sobre o mundo do espetáculo é o diferencial que teve em relação a outra películas da época, ele se sobressai ao estar alheio ao clichê e ao maniqueísmo hollywoodiano. Porém o principal destaque é atuação de Betty Davis, que aparece na maioria das cenas envolta numa nuvem de fumaça de seu cigarro. O ar soturno que ela apresenta, ilustra o seu medo de não ser mais respeitada como atriz e de, com isso, perder seu noivo e seus amigos. Betty Davis, que vinha atuações em filmes fracos inexpressivos, estava passando por uma situação semelhante na vida real. Tal tipo de temor é mais natural do que imaginamos no showbiz, onde o que conta, muitas vezes, não é o talento e sim as aparências. Originalmente, o papel de Margo seria de Claudette Colbert, a primeira escolha do diretor e do roteirista. Claudette machucou as costas às vésperas das gravações e então o roteiro foi enviado para Betty, ela o leu de um só vez e afirmou que era o melhor em que já tinha posto as mãos, aquele seria considerado um dos melhores papíes de toda sua carreira.

 

Em A Malvada, também temos a participação de uma atriz até então desconhecida, que interpreta uma atriz iniciante, que acompanha o crítico Addison DeWitt (George Sanders) numa festa na casa de Margo. Ironicamente, tendo em vista o contexto da trama, a atriz que estava ali fazendo apenas uma ponta, conquistaria seu espaço (pela sua juventude e beleza tão valorizadas) e se tornaria uma lenda do cinema. Era nada mais nada menos que Marilyn Monroe, que seria imortalizada e permaneceria no imaginário coletivo eternamente jovem e bela. Coisas do showbiz!

Apesar de ser considerado uma das obras primas do cinema, eu confesso que A Malvada não entraria na lista de meus filmes favoritos. Sinceramente eu esperava um pouquinho mais. Talvez a pequena decepção seja advinda da imensa expectativa que criei, mas isso não lhe tira o mérito de ser uma grande produção, com ótimas atuações e uma boa trama. Talvez eu até o eleve à condição de clássico absoluto em uma próxima assistida, mas enquanto isso não acontece ele é apenas um ótimo filme, detentor da façanha de sobreviver 60 anos e ainda se manter atual, provando que ao contrário das atrizes que envelhecem, os filmes podem ser imortais. Recomendo!

A Malvada foi indicado à 14 estatuetas no Oscar de 1951, um recorde igualado apenas por Titanic em 1998. Ganho 6 deles: Melhor Filme, Direção, Roteiro, Ator Coadjuvante (George Sanders), Figurino em Preto e Branco e Gravação de Som. As outras indicações foram para: Melhor Atriz (Anne Baxter; Betty Davis), Melhor Atriz Coadjuvante (Celeste Holme; Thelma Hitter), Direção de Arte, Fotografia, Edição e Música.


Assista ao trailer de A Malvada no You Tube ! (clique no link) 



sábado, 19 de fevereiro de 2011

Afinal, por que Glee é tão legal?

A série exibida pela Fox está na segunda temporada e já é sucesso de público e crítica


Uma série musical protagonizada por estudantes de um High School (colégio de ensino médio) americano poderia resultar em mais um produto midiático de sucesso fácil, porém de qualidade questionável. A franquia High Scool Musical (2006; 2007; 2008) é o melhor exemplo disso. No caso desta trilogia,  as canções pop, usadas como apelo ao público teen, estavam associada a um roteiro superficial e totalmente descartável. Hoje quando recomendo Glee para alguns de meus amigos, a primeira coisa que digo é que esta série criada por Ryan Murphy, Brad Falchuk e Ian Brennan é bem diferente e bem melhor que o musical de adolescentes colegiais da Disney. Confesso que teria feito a mesma comparação baseado em uma impressão preconcebida, se não tivesse sido convencido da qualidade da série, já no primeiro episódio que assisti ( "Wheels", o 9° da primeira temporada). Glee se tornou um fenômeno nos EUA, arrebatando vários prêmios e elogios por parte da crítica. Sem contar a venda de singles e CDs e número de músicas nas paradas de sucesso, que já bateram vários recordes.

Glee tem o simples, e ao mesmo tempo ousado, intuito de prestar reverência à cultura pop e seus ícones e personalidades. A série transita pelo universo de adolescentes, tendo como argumento seus amores, intrigas, sonhos e desafios impostos pela vida social em um colégio - Acho que estou complicando as coisas - Para quem ainda não assistiu, vai parecer que eu estou falando de algo que reza pela mesma cartilha de folhetins como Malhação e definitivamente não o é. Podem então me questionar: “o que de tão especial tem nesta série que a torna tão legal?” Acho que posso afirmar que se deve ao fato de que Glee foge da mesmice e do convencional, e de tudo aquilo de que já estamos saturados. Para explicar isso um pouco melhor, vamos à trama:

A história de Glee se passa no colégio McKinley, onde é formado o New Directions, um coral que acaba atraindo aqueles alunos que estavam na base da pirâmide social da escola, aqueles que buscam visibilidade e alguns outros que acabam entrando por situações diversas. O coral passa ser o pano de fundo para o nascimento de relacionamentos, confusões e muito aprendizado - Parace banal? Então vamos aos personagens:


Rachel Berry (Lea Michele) é uma espécie de líder do coral, ela foi inspirada na personagem Tracy Flick do filme Eleição (1999) de Alexander Payne. Quem já assistiu a este filme, sabe bem de que tipo se trata. Rachel foi criada por um casal de homossexuais e desde pequena alimenta o sonho de ser atriz da Broadway, ela é egoísta, e ambiciosa e vê a vida escolar como um trampolim para o sucesso a que acredita ser predestinada.

Finn Hudson (Cory Monteith) é no mínimo tapado. Ele é popular por ser quarterback do time de futebol americano do colégio, e acaba entrando para o clube coral por causa de uma chantagem feita pelo professor Schuester (Matthew Morrison), que via em sua participação, uma forma de atrair mais estudantes para New Directions. Schuester coloca maconha em sua mochila e o ameaça dizendo que irá denunciá-lo se ele não tentar se redimir no coral, ele então aceita sem questionar. Durante a primeira temporada Finn passa um bom tempo acreditando ser o pai do filho que sua namorada espera, mesmo nunca tendo transado com ela. Ela o convence de que a concepção aconteceu em um dia que ele ficou excitado, quando estavam semi nus em uma banheira de água quente, que seriam segundo ela condições mais que favoráveis para a fecundação(!), mais uma vez ele aceita sem questionar.

Quinn Fabray (Dianna Agron), a namorada de Finn no início da primeira temporada, era líder de torcida e presidente do clube do celibato e se posicionava contra os anti-concepcionais e qualquer outra coisa proibida pela bíblia. Ela entra no clube do coral como uma das espiãs que pretendiam espalhar a discórdia e manter a treinadora das líderes de torcida Sue Sylvester (Jane Lynch) - a vilã da série - a par de tudo que acontecia no coral. Seus planos e seu status de garota certinha são desfeitos quando Quinn engravida em uma transa casual com Puck (Mark Salling), o “perdedor” do colégio e melhor amigo de Finn.

Puck entra para o coral pela influência de Finn e por descobrir que tem uma boa voz ao participar da banda Acafellas, ele é grosso, insensível e não tem muita expectativa de futuro, se diverte bulinando os “excluídos” do colégio e faz bico como lavador de piscinas para se aproximar e transar com mulheres de meia idade, dentre elas algumas mães de seus colegas.

Santana (Naya Rivera) e Brittany (Heather Morris) também são líderes de torcida e entraram para o coral junto com Quinn Fabray como espiãs, mas assim como Quinn elas também passam a gostar do clube com o passar do tempo. Santana também é ambiciosa e um tanto safada, ela já teve um caso com Puck, Finn e Matt (um personagem secundário). Brittany é simplesmente burra e consegue ser mais tapada que o Finn, são dela algumas das melhores tiradas da série. No episódio especial de natal, da segunda temporada a turma descobre que ela ainda acredita em Papai Noel. Santana e Brittany estão sempre juntas, em vários episódios há a insinuação de que exista uma relação homo afetiva entre as duas, que seriam bissexuais.

Kurt Hummel (Chris Colfer – vencedor do Globo de Ouro 2011 na categoria de melhor ator coadjuvante de série de TV) é um garoto homossexual que toma coragem para sair do armário depois de entrar para o coral, durante a primeira temporada nutre uma paixão não correspondida por Finn, que até tenta lhe retribuir com uma boa amizade. Kurt é uma das principais vítimas de Puck e dos valentões da escola, principalmente por seu estilo espalhafatoso.

Mercedes é uma das melhores cantoras do grupo, mas sofre de baixa auto-estima por ser negra e gorda. Artie (Kevin McHale) é um garoto nerd, cujo o maior sonho é poder dançar, ao entrar no coral ele enfrenta vários desafios por ser cadeirante é ele quem toca guitarra em algumas das apresentações do Clube do Coral. Tina é feminista, um tanto rebelde, ms muito emotiva, seu principal problema é a baixo auto-estima que faz com seu talento fique reprimido. Quando entrou para o coral Tina convenceu a todos que era gaga, para que ninguém pensasse em se relacionar com ela.

Will Schuester é professor de espanhol no colégio, é ele quem tem a idéia de reativar o clube do coral, que fizera sucesso no passado, mas que fora fechado depois que o professor responsável foi acusado de abuso sexual. Will se considera um perdedor por sua vida familiar e projeta nos meninos do coral os sonhos que não conseguiu realizar em sua vida. Ele é dedicado e esforçado e um ótimo cantor, mas passa por um período de dificuldades financeiras e de crise no casamento.

Sue Sylvester (um dos melhores personagens da série) é a treinadora das líderes de torcida, ela não admite que tenha que repartir as verbas repassadas pela escola com o Will e seu grupo de “aberrações”, ela está sempre tentando sabotar os planos da turma, mas no fundo ela parece ter um bom coração, o que ficou evidente no último episódio da primeira temporada. O diretor da escola Mr. Figgins (Iqbal Theba - que parece um clono do famigerado Pr. Silas Malafaia) também é um personagem legal, apesar de ser secundário. Ele é corrupto e está sempre metido em escândalos que Sue usa para o chantagear.

Além destes tem mais um monte de outros personagens curiosos, como Terry Schuester, a esposa de Will, que finge uma gravidez para segurar o marido, Emma (Jayma Mays) a paranóica conselheira da escola e o antigo coordenador do coral, que fora acusado de abuso sexual, que aparece em vários episódios da primeira temporada. Como pode se observar os personagens de Glee não são nada convencionais, são contraditórios e ambíguos em suas personalidades e não são modelos pra adolescentes, nem foram concebidos para causar inveja nos expectadores, como acontece na maioria dos casos. As situações absurdas que eles provocam, por viverem os extremos de cada aspecto de suas personalidades, nos proporcionam alguns dos momentos mais divertidos da série. O exagero característico da trama é um dos melhores atrativos.

The Simpsons e Glee - um encontro entre 
duas das séries de maior sucesso da Fox 

O roteiro apesar de simples é outro grande diferencial. Enquanto nós como sociedade valorizamos apenas a vitória e os títulos que acumulamos, os criadores de Glee nadam na direção oposta com a história do New Directions, os personagens são tudo que não desejamos ser. São perdedores e por mais que tentem se esconder por trás de títulos mesquinhos e popularidade ilusória, eles são o exemplo dramático da futilidade da maioria das coisas que valorizamos. Apesar de toda a excentricidade das estórias e dos personagens caricatos, no final o que se sobrepõe é a lição sobre o respeito às diferenças e a valorização das amizades e de se fazer o que realmente gosta ao invés da busca desenfreada por troféus e status social.

O repertório de Glee é composto por sucessos do Pop, Hip Hop, R&B e clássicos do Rock, as performances são uma atração à parte. Mesmo eu, que tenho pouca ou nenhuma atração pela maioria das músicas que fazem e fizeram sucesso e estiveram no topo das paradas do Pop nos últimos anos, que constituem uma significativa parcela das interpretações da série, tenho que reconhecer que é legal ver cada canção sendo trabalhada para ilustrar alguma situação específica na trama. Conseguiram até tornar suportável os episódios especiais sobre Lady Gaga e Britney Spears e atrir um valor a mais a canções que não passavam de material comercial descartável.

Durante a primeira temporada teve momentos excepcionais, como o que o Glee Club canta Imagine de John Lennon junto com um coral de surdos, o midle entre Dont Stand so Close to Me do The Police e Young Girl de Gary Puckett, a interpretação de Artie para Dancing With Myself do Billy Idol (no primeiro episódio que assisti) e a apresentação de Bohemian Rhapsody do Queem no último episódio da temporada. Sem mencionar tantas outra releituras que em perte das vezes ficou bem melhor que a versão original. Vale a pena despir do preconceito e se render a esta série que é uma melhores coisas produzidas para a TV nos últimos tempos. O fato de que a Globo comprou a primeira temporada e decidiu não levá-la ao ar nas manhãs de sábado como fora previsto, sem dúvidas é um bom sinal. Recomendo!


Assistam ao trailer da primeira temporada de Glee no You Tube,
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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Across the Universe

Across the Universe - 2007. Dirigido por Julie Taymor, escrito por Julie Taymor, Dick Clement e Ian la Frenais e produzido por Suzanne Todd e Jennifer Todd. Columbia Pictures / EUA

  

É um desafio em dobro fazer uma resenha de um musical, pois além do que normalmente observamos em um filme, como fotografia, edição, atuações e roteiro, ainda tem a questão das performances e interpretações das canções, que podem nos tocar individualmente dependendo do gosto musical de cada um. No meu caso, o musical que mais me marcou foi The Wall (1982) de Alan Parker, escrito por Roger Waters, com músicas do disco homônimo do Pink Floyd. A primeira vez que assisti a este filme, foi no já longínquo primeiro período da faculdade de comunicação, eu já conhecia as músicas, já era fã do Pink Floyd, mas o produto final daquelas mentes megalomaníacas (de Parker e de Waters) era perfeito em seu conjunto, o roteiro, soberbo, era dos mais inteligentes que já tinha visto e a atuação do personagem principal simplesmente fantástica. Passei então a interpretar cada uma das canções ali entoadas de uma forma totalmente nova. The Wall na verdade foi o primeiro musical do qual realmente gostei. Outros filmes como Chicago (2002), Cantando na Chuva (1952) e Dançando no Escuro (2000) também foram importantes para que eu fizesse as pazes com este gênero cinematográfico, eles ajudaram a curar o estigma que os filmes animados da Disney e suas longas cantarolas me deixaram em minha infância.

No entanto, esta resenha se torna um trabalho um pouco menos árduo, por se tratar de um musical composto por algumas das melhores canções dos Beatles. O roteiro de Across the Universe se baseia nas letras de músicas do Fab Four, para construir uma trama simples, porém cheia de referências aos mágicos e lisérgicos anos 60. O filme de Julie Taymor transita por entre acontecimentos e comportamentos, que marcaram toda aquela época e consegue reproduzir com belíssimas imagens (fotografia de Bruno Delbonnel, indicado ao Oscar por O Fabuloso Destino de Amélie Poulain),  a contra cultura, os protestos pelos direitos civis, as viagens de drogas, a guerra do Vietnã e todos os sonhos de uma juventude que sonhava em mudar o mundo. O roteiro meio que segue a mesma trajetória da banda de Liverpool, que vai da aparente inocência à politização e ao engajamento, passando pelo experimentalismo e pela lisergia.

 

Sinopse: Jude (Jim Sturges) é um jovem que mora com a mãe e sobrevive de um sub-emprego em Liverpool. Com a desculpa de que vai tentar ganhar a vida do outro lado do atlântico, ele parte clandestinamente para os Estados Unidos. Seu verdadeiro objetivo é encontrar o pai, que fora soldado durante a segunda guerra e abandonou sua mãe ainda grávida, desaparecendo quando o conflito acabou. Jude acredita que seu pai é um renomado professor de Princeton, mas se decepciona ao saber que ele é apenas um zelador da Universidade e que, por já ter uma outra família, não pode lhe dar a devida atenção. É no campus de Princeton que Jude conhece, por acaso, Max (Joe Anderson), com quem desenvolve rapidamente uma forte amizade. Ao ser convidado para jantar na casa do novo amigo, Jude conhece Lucy (Evan Rachel Wood), a linda irmã de Max. Dispensável dizer que é amor à primeira vista.

 

Jude se muda para Nova York junto com Max, depois que este abandona a faculdade. Eles alugam um quarto no apartamento da cantora Sadie (Dana Fuchs), e lá conhecem Jo-Jo (Martin Luther McCooy), um guitarrista que entra pra banda de Sadie, e Prudence (T.V. Carpio), uma garota que aparece do nada e acaba sendo acolhida no apê. Sadie é uma clara versão de Janis Joplin e Jo-Jo sem sombra de dúvidas foi inspirado em Jimi Hendrix (talvez uma homenagem da diretora à outros ícones dos anos 60). Prudence, que muitos críticos alegam ser apenas uma “desculpa” pra ter mais um personagem cujo o nome faz referência à uma múcica (Dear Prudence), é na verdade, bem mais que isso, ela mais que nenhum outro personagem, representa as crises existenciais e de personalidade, que muitos jovens sofreram naqueles tempos loucos de antítese social, política e cultural.

 

As coisas começam a mudar na pequena comunidade alternativa, que se formou no apartamento, quando Lucy chega em Nova York trazendo para Max a carta de convocação para o alistamento no exército americano. Lucy, que já tinha perdido o primeiro namorado na guerra do Vietnã, teme pela vida do irmão e se engaja na militância política e nas manifestações contra a guerra. Paralelamente a isso, os jovens se mergulham no amor livre e nas experiências psicodélicas. A busca por aventura e pelo novo, leva os jovens para Califórnia a bordo de um ônibus com o guru hippie Dr. Robert (Bono Vox), personagem que representa bem a fase “experimentalista” dos Beatles. Dr Robert é quem apresenta o LSD aos garotos, que mergulham de cabeça nas alucinações. As viagens de drogas são ilustradas no filmes através de lindos clipes que simulam o efeito do ácido lisérgico (sequências que lembram passagens de The Wall, que citei acima).

Apesar do roteiro deixar um pouco a desejar, o filme é imperdível, principalmente pelas magníficas interpretações que os personagens dão às canções. I Want to Hold Your Hand, uma das canções mais alegres do Fab Four, no filme é usada para descrever a paixão platônica da jovem Prudence por uma das garotas de sua equipe de líderes de torcida, e é apresentada em uma versão melancólica (lembrando a feita recentemente para o seriado Glee). Strawberry Fields Forever é cantada numa das sequências mais lindas do filme, onde os morangos (strawberries) são analogicamente comparados à corações dilacerados e ao derramamento de sangue nos campos (fields) de batalha.

 

Acho que deve ser um absurdo existir alguém que não reconheça a importância que os Beatles tiveram para Rock e para a música Pop como um todo, mas mesmo que você não seja fã dos meninos de Liverpool, vale a pena conferir este musical! Razões para isso não faltam, a começar pelas participações especiais de Salma Hayek, Eddie Izzard, Joe Cocker e Bono Vox. O filme é um deleite saudosista sobre uma época que, em mim particularmente, provoca um fascínio maior que qualquer outra da história recente. Penso também que outro ponto positivo de Across the Universe seja talvez o fato de o roteiro não tocar no ponto mais dolorido desta história, frustração do contato com a realidade, ao menos neste longa o sonho não acabou. As impressionantes imagens de Across the Universe ficarão na minha memória por um bom tempo e não deve demorar para que me bata uma vontade louca de reassistir. Recomendo!

O filme foi indicado ao Oscar na categoria de melhor figurino e ao Globo de Ouro na categoria de melhor filme comédia-musical.
 
Da diretora Julie Taymor, recomento também: Frida (2002).
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Assista ao trailer de Across the Universe no You Tube ! (clique no link)

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