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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Festival Mundial das Artes pela Paz


A estimativa era de que cerca de 1800 artistas de 118 países estariam presentes na edição do Festival Mundial das Artes pela Paz que foi realizada em Ubá/MG entre os dias cinco e 15 de novembro, mas não foi o que aconteceu. O público, formado em sua grande maioria por pessoas que já estão são ligadas direta ou indiretamente à produção cultural local, foi relativamente pequeno, o povo não compareceu. Já o número de artistas presentes fez parecer utópica a quantidade mencionada acima. Algo deu errado e este já era um desastre anunciado. O amadorismo que pode ser observado na realização do evento caracterizou também aquela que deveria ter sido a fase de planejamento. Muito pouco do que fora prometido na cerimônia inaugural, na qual Ubá foi oficialmente anunciada como sede do Festival, foi cumprido. Todavia, não se pode culpar apenas os realizadores, afinal trazer para uma cidade do interior um evento do porte pretendido não era uma tarefa fácil e talvez o grande erro dos envolvidos no projeto tenha sido o de acreditar que o seria. Ubá está acostumada a consumir entretenimento, não arte, e esta realidade já representava desde o início um grande desafio a ser enfrentado.

A qualidade das apresentações musicais salvou o Festival de ser um enorme fiasco, pois o que se viu durante os onze dias de programação foi uma série de erros grosseiros... Um dos vídeos promocionais, divulgado poucos dias antes do evento, convidava o público para conhecer o mural Guerra e Paz de Cândido Portinari, obviamente tratava-se de uma réplica, mas a chamada não deixava isso claro. A grande surpresa, no entanto, foi descobrir que não só Guerra e Paz era uma réplica, mas também boa parte das obras expostas na galeria improvisada. A má qualidade da impressão conferiu às telas reproduzidas um tom desbotado, que comprometeu seriamente o impacto que acredito que elas seriam capazes de causar aos visitantes. Sem a cor e a textura original, sobrou apenas o tecido descolorido sobre a moldura e sua intenção de recriar aquilo que o originou representava. Destituídas de qualquer valor artístico, tais cópias poderiam ao menos funcionar como material didático (ainda que esta não fosse a proposta do Festival), mas isso também não aconteceu, boa parte dos quadros não tinham nenhum tipo de identificação, o que tornava impossível para um leigo como eu descobrir, por exemplo, em que ano eles foram pintados ou quem eram os autores e os seus países de origem - informações essenciais como estas foram simplesmente negligenciadas. 

Em meio ao grande número de cópias de má qualidade se sobressaiam as obras originais de artistas e artesões da região, estas sim merecedoras de todo o respeito do público presente. Tenho a impressão de que o evento teria sido melhor sucedido se tivesse aberto mais espaço para obras como estas. Tudo poderia ter funcionado melhor se não fosse a megalomania dos realizadores do evento, que chegaram a considerar irrelevante a participação de artistas da cidade e região, mal sabiam eles que estes possuíam algo que o Festival como um todo não teve: a capacidade de dialogar e interagir com o público não erudito. Penso que talvez tenha faltado aos realizadores um pouco mais de conhecimento sobre as diversas expressões artísticas presentes no Festival e acima de tudo sensibilidade, isso justifica tropeços tão grotescos quanto o de posicionar a frente de um palco atrás de uma grande pilastra, quando suas laterais estavam livres (!)... Não tenho dúvidas, onde abundou negociatas, trocas de favores e politicagem faltou um trabalho sério e competente de curadoria. 

Todavia, há que se reconhecer também os aspectos positivos do evento, que não eliminaram, mas ao menos diminuíram os efeitos dos equívocos cometidos. Infelizmente, por questões de saúde, não consegui estar presente em todos os dias, o que eu queria muito ter feito, sei que com isso acabei perdendo muita coisa boa, mas ainda assim tive a oportunidade de conferir espetáculos memoráveis, como o excelente show da banda Cosmosoul, que foi formada em Barcelona na Espanha por músicos de diversas nacionalidades, e o retorno da banda americana Santa Esmeralda, que voltou à cidade quase um ano após o trágico show em que o baterista Brad Parker teve uma parada cardíaca no palco, enquanto tocava, e veio a falecer a caminho do hospital. As duas bandas presenteou o público minguado com ótimas performances, que mereciam um contingente de pessoas muito, muito maior...

Ainda que não tenha acontecido como o planejado e tenha deixado tanto a desejar, o Festival veio para somar. Só o fato de termos um evento cultural a mais na cidade (ainda que tenha sido uma única edição) já é um motivo para grande comemoração. Por hora, apenas torço para que os erros cometidos sejam reconhecidos e nos tragam algum aprendizado. Vale lembrar também que as críticas, por mais devastadoras que elas possam parecer, também servem para abrir os olhos e colocar pés flutuantes no chão... 

Algumas lições que precisam ser lembradas: Nunca prometa o que não pode cumprir. Jamais pense em cobrar ingressos de um evento que teve a 'entrada franca' divulgada. Convide/contrate pessoas que entendam de fato do assunto para ajudar na organização. Não venda a arte da mesma maneira que se vende um móvel. Aumente o tamanho da letra nos outdoors.  Valorize a produção local. Planeje. Não deixe nada para a última hora. Faça um cronograma compreensível e respeite-o. E, acima de tudo, respeite o público e os artistas convidados... Este já um começo! 

5 comentários:

  1. Todos os eventos culturais que enriquecem o mundo devem ser valorizados.

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  2. O que dizer depois dessas incríveis considerações? Fantástico, José Bruno. Penso que você sintetizou de forma clara e objetiva tudo o que muita gente gostaria de ter dito e por várias situações não o fizeram.
    Parabéns mais uma vez...

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  3. José Bruno, parabéns pelo texto. Ele nos proporciona uma visão crítica muito interessante sobre o evento.

    Que os pontos negativos nos sirva de lição.

    Grande abraço!

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