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sábado, 30 de março de 2013

Repulsa ao Sexo

Repulsa ao Sexo (Repulsion) - 1965. Dirigido por Roman Polanski. Escrito por Roman Polanski, Gérard Brach e David Stone. Direção de Fotografia de Gilbert Taylor. Música Original de Chico Hamilton. Produzido por Gene Gutowski. Compton Films e Tekli British Productions / UK.


Um pequeno apartamento que vai se tornando cada vez mais escuro, opressivo e claustrofóbico; um coelho temperado que apodrece esquecido fora da geladeira; batatas que também apodrecem lentamente sobre uma mesa... estes são reflexos metafóricos da mente perturbada de Carol Ledoux (Catherine Deneuve, belíssima), a personagem central de Repulsa ao Sexo (1965), uma das obras mais importantes da filmografia de Roman Polanski. Carol trabalha como manicure em um salão de luxo e mora com Hélène, (Yvonne Furneaux), sua imã mais velha, ela à princípio nos parece ser apenas uma moça tímida e retraída, todavia, á medida em que a trama se desenrola, percebemos que seu problema é muito mais grave. Ela teme qualquer tipo de contato com os homens, uma simples conversa na rua, ou a presença da escova de dentes do namorado da irmã na pia do banheiro, são situações capazes de deixá-la completamente aturdida.

Carol aparenta querer reprimir seu desejo sexual a qualquer custo, chegando ao limite da sanidade ao tentar fazê-lo. Em seu comportamento podemos perceber diversos indícios do que poderia ter sido a causa de sua fobia, mas nada é tão claro. O roteiro não se propõe a explicar a gênese do estranho medo que ela tem dos homens, o foco da narrativa está quase todo no processo de degradação psicológica que ela vivencia. A genialidade do filme de Polanski está na forma com ele desnuda a personagem central e a expõe para nós espectadores através das metáforas citadas no início desta resenha e de pequenos detalhes da trama que podem passar despercebidos para muitos, como visão quase maternal que Carol tem da irmã, seu comportamento infantilizado, que a direção de arte ajuda a reforçar através de objetos cênicos presentes no quarto dela (reparem que ela dorme apegada a um bichinho de pelúcia) e que pode ser percebido também nas reações imaturas que ela esboça em diversos momentos da trama.


Fotografia, direção de arte, trilha sonora e os demais elementos técnicos do filme estão em uma perfeita sintonia com aquilo a que a trama se propões, sendo de tal forma essenciais para a condução da narrativa. Estes elementos, muito mais do que os poucos diálogos do filme, ajudam a delinear a realidade na qual a protagonista está de fato inserida e aquela para a qual ela é conduzida por sua mente doentia. O atrito entre estas duas 'realidades' é um dos aspectos que tornam o filme tão memorável, Repulsa ao Sexo adentra nos espaços mais sombrios da mente da personagem e traz à tona aquilo de mais assustador que há lá. O suspense psicológico proveniente de tal tipo de construção é tão angustiante quanto a condição de Carol, e Polanski o explora de uma forma impressionante, através do jogo de luzes e sombras, dos cortes rápidos, dos enquadramentos diferenciados e da composição da mise-en-scene, que se encarrega de deixar sempre à vista nos momentos certos os elementos metafóricos já citados. 


A Catherine Deneuve está ótima na pele da personagem central, sua interpretação destaca e consegue tornar crível tanto a sensualidade quanto a imaturidade emocional, que são os traços mais característicos de Carol. Através de um olhar constantemente perdido, de um tom de voz contido e de movimentos receosos, ela constrói uma manifestação de loucura totalmente plausível, que chega a ser assustadora pelas consequências que produz. O restante do elenco dá o suporte necessário para que a Deneuve brilhe, afinal de contas, no tocante às atuações, o filme é indiscutivelmente dela.


Repulsa ao Sexo, que é considerado o primeiro filme da 'trilogia do apartamento' de Polanski, composta também por O Bebê de Rosemary (1968)O Inquilino (1976), ajudou a consolidar o respeito que o  cineasta polonês conquistara com seu primeiro longa metragem, A Faca na Água (1962), que chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Por ironia do destino, anos depois o diretor foi condenado nos Estados Unidos por ter mantido relação sexual com uma menor de idade, que o acusou de tê-la drogado, o que é no mínimo curioso, uma vez que a trama de Repulsa ao Sexo dá pistas de que o caos mental vivido pela personagem é resultado de possíveis abusos que ela teria sofrido quando ainda era criança. 


Sendo ou não culpado das acusações (e tudo indica que ele é, caso contrário ele não teria fugido dos Estados Unidos), o que não se pode negar é que Roman Polanski é um grande cineasta, dono de uma das melhores, mais diversificadas e influentes filmografias do cinema contemporâneo. Repulsa ao Sexo é um clássico tão incômodo quanto impactante, um óbvio reflexo da mente já atormenta de seu autor, que se tornaria ainda mais perturbada após o assassinato de sua esposa, que estava grávida, em 1969 pelo grupo liderado por Charles Manson. Apesar de toda a controvérsia, é impossível desassociar a figura do cineasta de suas obras, bem como, é impossível negar que realizou algumas das produções mais importantes das últimas 5 décadas e o filme objeto desta resenha certamente é uma delas. Ultra Recomendado!  


Assista ao trailer de Repulsa ao Sexo no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de O Escritor Fantasma (2010)Deus da Carnificina (2011), também dirigidos pelo Roman Polanski.

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

8 comentários:

  1. J. Bruno, lembro de ter lido sobre essa acusação contra Polanski. A vida dele teve muitos turbilhões, isso é fato... e sua resenha, fazendo essas ligações entre os acontecimentos da vida dele(inclusive o terrível assassinado de sua esposa) e suas obras foi fantástica! Não dá pra negar...

    bjks :*

    JoicySorciere => CLIQUE => Blog Umas e outras...

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  2. Olá, J. Bruno.

    Gostei muito do seu blog, que possui uma boa diversividade entre filmes, séries, literatura, entre outros. Tenho um blog chamado Convergência Cinéfila e gostaria de propor uma parcerias entre nossos blogs. O endereço do blog é:

    http://cinefilosconvergentes.blogspot.com.br/

    Abraço.

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  3. Brunão,
    Tudo Bem?

    Lembro, de ter visto a notícia sobre Polanski, na época fiquei um pouco em dúvida,rs.
    Enfim, assim como a Joicy também gostei da interação que você fez na resenha(filme + acontecimentos pessoais) gosto do Polanski e o meu preferido, nem preciso dizer, não é? rs.
    Bebê Rosemary!

    Beijo enorme...
    ah! ontem, assisti Wall-e e lembrei de ti :D

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  4. Muito bem argumentado e ótimos pitacos de bastidores Bruno!

    "Repulsion" é um dos mais inquietantes do Polanski, mas é claro que "O Bebê De Rosemary" não esta muito longe. Catherine Deneuve além de belíssima, no melhor desempenho de sua vasta carreira.

    Tb considero hoje "Carnage" parte da série de apartamentos do Polanski.

    Aterrador. Clássico!
    Abs.

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  5. O Roman Polanski é sem dúvida um dos meus realizadores preferidos. A trilogia do apartamento é simplesmente fabulosa. Entre este e o Rosemary's Baby nunca sei precisar qual o meu predilecto. A forma como o apartamento consegue espelhar a própria mente fracturada da protagonista é um verdadeiro trunfo.
    Parabéns pela análise. E desconhecia este espaço mas vou passar a acompanhar.

    Cumprimentos,
    Rafael Santos
    Memento mori
    (http://a-loose-tooth.blogspot.pt/)

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  6. Olá, José Bruno.
    Sou admirador do Polanski pois acho seus filmes bastante inquietantes e pouco usuais, mas ainda não vi nenhum destes filmes da trilogia do apartamento.
    Abraço.

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  7. COMENTÁRIO CONTÉM SPOILER: Filme muito bom de Polanski, Catherine Deneuve está genial no filme como a bela e traumatizada Carol! Muitos símbolos do universo psicanalítico em cena: objetos fálicos como o postal da Torre de Pisa, os lustres dos tetos, chaves e fechaduras, o dedo com anel e a unha da mulher que Carol faz a manicure, o esmalte pontiagudo que ela encara sem dar conta que cortou parte do dedo da mulher ficando em estado catatônico; também há as rachaduras nas paredes, buracos, torneiras abertas, banheira transbordando, espelhos, o inconsciente de Carol sobressaindo à realidade tanto na agônica, no sofrimento, na dor pelo trauma que deve ter sofrido, na repulsa ao contato masculino como também no sentindo mais repressor( Supereu ou superego). Os barulhos de passos que se aproximam fora do quarto de Carol, os pesadelos de estupros, sua repulsa e agonia, o relógio com seu tic-tac marcando um outro tempo, o tempo psicológico, que também aparece através de três artistas de rua com seus instrumentos fazendo tic-tac. Polanski nos brinda de forma genial com todos estes elementos para termos um ideia do drama de Carol, que não consegue se sintonizar com o mundo atual, fica num outro mundo, de medo, pavor, presa à infância, tendo diversos brinquedos em seu quarto, eterna refém da violência que deve ter sofrido, é como se ela não conseguisse escapar do choque que sofreu dentro de seu lar, onde deveria ter sido respeitada, amada e protegida. O universo masculino para ela é terrível, cerceador, opressivo. Quando é beijada sente repulsa e nojo! Quando é tocada por um homem, mesmo de forma carinhosa como fez o rapaz que estava apaixonado por ela se reprime, quando ver o namorado da irmã no banheiro se barbeando sem camisa, pede desculpa, se retrair, começa a ter tique com a boca, começa a se limpar, parecendo se sentir suja, quem sabe por ter sentido atração. No final, a foto da família, que recebeu um pequeno close no começo do filme, agora aparece sobre fendas negras ou de sombras, como as rachaduras que a assusta sempre e a desmobiliza, como a rachadura que apareceu na rua, fazendo ela esquece do encontro com o rapaz que estava apaixonado por ela, acaba ficando perplexa diante da rachadura, começa a desenhá-la! Na foto de família, quase todos estão rindo, menos uma senhora com um olhar sisudo para fora do grupo e de Carol (menina na foto) que olha na direção de um homem que sorri, provavelmente seu pai; com um olhar reprovador e de censura! É dramático e terrível, Carol diz num trecho do filme “que não se sente”; lesada para sempre pela violência que sofreu!

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