N° de acessos:

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pacto de Sangue

Pacto de Sangue (Double Indemnity) - 1944. Dirigido Billy Wilder. Escrito por Billy Wilder e Raymond Chandler, baseado na obra literária de James M. Cain. Direção de Fotografia de John F. Seitz. Trilha Sonora Original de Miklós Rózsa. Produzido por Joseph Sistrom e Buddy G. DeSylva. Paramount Pictures / EUA.


A expressão film noir foi usada pela primeira vez na França, em 1946, pelo crítico Nino Frank, a partir de  então ela seria empregada para classificar alguns filmes produzidos nos Estados Unidos, a grande maioria durante a década de 40, que traziam características em comum em sua trama e em seu aparato técnico. Os elementos que tornavam estes filmes semelhantes entre si foram vistos pelos franceses como um reflexo da ansiedade e do pessimismo, que eram sentidos pela sociedade durante a segunda grande guerra. Billy Wilder, cineasta que transitou com maestria por diversos gêneros cinematográficos, concebeu aquele que é considerado até hoje um dos primeiros e mais clássicos films noir já produzidos, o sombrio Pacto de Sangue (1944). Neste longa o diretor conseguiu reunir cada uma das características que mais tarde seriam atribuídas ao gênero, dentre elas a narração em off, as idas e vindas no tempo, o uso do contraste em luz e sombra e a trama cheia de mistérios, reviravoltas e traições. 

O personagem central de Pacto de Sangue é o vendedor de seguros Walter Neff (Fred MacMurray), já na primeira sequência do filme ele revela parte do desfecho da história, ele participara de um assassinato, um crime que envolvia um dos clientes da corretora onde ele trabalhava e que fora motivado pela sua ganância e pela sua paixão por uma perigosa mulher. Neff narra os trágicos acontecimentos que antecederam aquela noite, registrando tudo em um gravador, numa espécie de confissão direcionada ao seu chefe, Barton Keyes (Edward G. Robinson), antes de começar seu relato ele confessa: Fiz por dinheiro e por uma mulher. Fiquei sem o dinheiro e também sem a mulher.”. O filme volta alguns meses no tempo e ficamos sabendo como tudo começou; Neff fora visitar um cliente para renovar alguns seguros de automóveis, no entanto ao chegar na casa do homem, este não estava e o vendedor foi recebido pela esposa dele, a bela e sedutora Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck).


Durante a conversa, Phyllis questiona Neff sobre a possibilidade de contratar um seguro de acidentes para o marido sem que ele saiba, o vendedor logo percebe qual é a real intensão dela, no entanto nenhum deles tocam abertamente no assunto. Dias depois ela vai até a casa dele e lhe conta sobre o seu plano malicioso. Ela pretende contratar o seguro em segredo e matar o marido logo em seguida, de forma que pareça para todos que a morte foi apenas um acidente. Completamente seduzido pela mulher, o vendedor de seguros decide participar do assassinato, da idealização à consumação. Concluído o plano, ele espera poder assumir sua relação com a viúva e dividir com ela o capital que fora segurado... Mas, como não existe crime perfeito, peripécias acontecerão e levarão o personagem principal ao estado no qual o vemos na primeira sequência do filme.


Phyllis Dietrichson personifina outro elemento de grande importância, presente na trama de praticamente todos os films noir, a femme fatale, personagem feminino geralmente caracterizado pelo alto poder sedução, pelo caráter dúbio e pela periculosidade que representa. Já Neff, personifica o anti-herói e, numa análise mais profunda, a própria falta de esperança característica do período.

O pessimismo que emana da trama pode ser percebido também na forma com que a indústria dos seguros é retratada, de um lado temos clientes tentando fraudá-la a qualquer custo e de outro temos a resistência dela em indenizar os sinistros, tentando, também a qualquer custo, provar que eles são frutos de ações ilícitas tramadas pelos segurados. A desconfiança que paira no ar, acentua o clima sombrio do filme e nos dá uma noção do contexto no qual os personagens estão inseridos.


A importância de Pacto de Sangue pode ser medida pela influência que ele exerceu e continua exercendo em outros filmes e na cultura pop, ele, como poucas outras produções, conseguiu reunir cada um dos elementos que caracterizam o gênero ao qual ele pertence, sem contudo parecer forçado, ele tem a seu favor a naturalidade de ter sido um noir rodado antes da existência do rótulo. 

Aquilo que fora tido com estranho na época de seu lançamento, como o roteiro não linear e a ausência de heróis, se tornaria uma fórmula batida com o tempo, no entanto, nele tudo funciona de uma forma surpreendente espetacular, o que não deixa dúvidas de que ele tenha envelhecido muito bem. Além da aura de clássico que ele possui, continua contando a seu favor o fato de ele possuir diversos diferenciais em relação à produção hollywoodiana de sua época, o que o torna interessante tanto como entretenimento, quanto como objeto de estudo sobre a evolução da linguagem cinematográfica.


Fred MacMurray e Barbara Stanwyck estão muito bem em seus respectivos personagens; as trocas de olhares entre eles durante o desenrolar da trama dizem muito a respeito de seus personagens e daquilo que roteiro deixa subliminar. Edward G. Robinson consegue com sua interpretação ser ao mesmo um alívio cômico e um atenuante do suspense, é de seu personagem algumas das falas mais memoráveis do filme.

Se no tocante à narrativa Pacto de Sangue aponta para uma nova forma de fazer cinema, no que se refere à técnica ele flerta é com o passado. Ele busca referências em um modelo clássico, o expressionismo alemão, para criar ambientações condizentes com sua trama. John F. Seitz, o diretor de fotografia, usa muito bem o contraste entre luz e sombra, o que confere ao filme um visual carregado, opressivo e claustrofóbico,  que reforça a composição de uma mise-en-scène que reflete o tormento psicológico do personagem central.


Não é por acaso que este clássico de Billy Wilder esteja presente hoje em diversas listas dos filmes mais importantes de todos os tempos. Ele é, inquestionavelmente, um clássico que merece e muito ser conferido. Recomendo! 


Pacto de Sangue recebeu indicações ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro, Atriz (Barbara Stanwyck), Fotografia, Música e Som.

Assistam ao trailer de Pacto de Sangue no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

Confiram também, aqui no Sublime Irrealidade, a crítica de Farrapo Humano (1945), outro clássico dirigido por Billy Wilder!

39 comentários:

  1. Oi Brunão tudo bem?
    Rapaz, como é engraçado quando alguém entende de algum assunto né?

    Eu assisti esse filme e essas coisas tecnicas que vc falou sobre ele, nem passram pela minha cabeça! Hahahahahahahhaha, legal!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aposto que você também percebeu nele um monte de coisas que eu não percebi, cada um faz uma leitura diferente e é isso que torna a arte tão interessante!

      Excluir
  2. Curioso como o gênero noir era forte. Se pegarmos a filmografia de Wilder, teremos poucos filmes dele assim. Senão me engano, ele foi meio q contrariado realizar esse filme. Graça a Deus, pq é uma verdadeira obra-prima.
    Abração!

    http://espectadorvoraz.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim Celo, ele não queria fazê-lo à princípio, felizmente para a nossa sorte isso não impediu que o fizesse com tanto esmero. O Wilder era um gênio, transformou em clássicos quase todas as obras que dirigiu.

      Excluir
  3. Respostas
    1. Reveja sim Gilberto, adaptando a máxima filosófica pré-socrática, diria que nunca assistimos a um mesmo filme, pois em uma segunda sessão o filme será diferente, pois nós já estaremos diferentes!

      Excluir
  4. Muito bom, um filmaço do cinema noir. Talvez apenas inferior a Falcão Maltês e A Marca da Maldade. Só para enriquecer o seu texto, o nome noir, embora cunhado só posteriormente, também se referiu a muitos filmes de meados da década de 30 que faziam a transição do expressionismo para esse novo modelo de cinema ;)

    ResponderExcluir
  5. Oii Bruno, é um clássico né, até hj inspira outras produções, já houveram outros filmes com mesmo nome até, creio eu, não sei se com o mesmo enredo! Parabéns por destrincha-lo tão bem! Abraçoooosss

    ResponderExcluir
  6. sempre bom ler seu blog!
    Adoro essa temática NOIR!
    De um modo geral algumas 'encenações' deixam desejar..Não é o caso deste filme.
    Mas, é sempre bom assistir.
    bjs

    ResponderExcluir
  7. Amigo se gosta do clima de film noir e de quadrinhos tenho um humilde e sincero conselho: nas bancas estão saindo especiais de X-Men, Homem Aranha e Homem de Ferro nesse estilo...imperdível.....obrigatório para os fãs.

    abs

    ResponderExcluir
  8. Uma obra verdadeiramente maravilhosa, uma produção que cativa o espectador do começo ao fim e que trabalha muito bem a questão dos personagens, que agem numa selvageria mista, no caso dela, de ambição e frieza, e, no caso dele, de ingenuidade e paixão, esta quase patológica!

    Muito bom o seu texto, de verdade! :)

    ResponderExcluir
  9. Um film excelente, poderoso e muito influente. Barbara Stanwyck interpretou uma das mais perfeitas femme fatales (e uma das que tinha o pior penteado). Fred e Edward também estão muito bons, em uma relação forte e ambígua.
    Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela visita Lê, é uma honra receber um comentário de uma das maiores especialistas na produção cinematográfica da época que eu conheço! Abração pra ti também!

      Excluir
  10. Wilder era curioso: era muito bem humorado e fez algumas das melhores comédias de todos os tempos. Mas de vez em quando deixava transparecer um lado sombrio forte em alguns trabalhos. Este é um desses casos: a temática é dúbia, os personagens malvados e o filme reflete bem esse clima de desesperança do pós-guerra, como você ressaltou. Sem dúvida não apenas um dos melhores filmes noir, mas um dos maiores da história do cinema.

    Ótimo texto, José.

    ResponderExcluir
  11. Olá, José Bruno.
    Já vi alguns filmes do Wilder, mas esse clássico, ainda não.
    Gosto de filmes noir porque os personagens são meio caricatos, exagerados, o que os torna carismáticos.
    Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu também gosto muito do gênero Jacques, uma pena que nas últimas décadas ele não tenha rendido filmes tão bons...

      Excluir
  12. Comprei esse filme em um sebo praticamente novo por apenas 10,00 na época (cerca de uns 3 anos atras) naquela altura nunca tinha ouvido falar nele e pra minha surpresa após assisti-lo constatei que estava com uma jóia nas mãos. Repleto de ótimas atuações o filme é realmente um grande clássico.

    Mais um ótimo texto, parabéns pelo post Bruno

    Grande abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Jefferson!

      Realmente cara, você fez um negócio e tanto, pois o filme é uma obra prima e sem dúvidas valeria bem mais que a quantia que você pagou!

      Excluir
  13. Oi Bruno,

    Tudo bem? Nunca assisti esse filme e em certa ocasião, lembro de vê-lo em uma locadora que possui um acervo de clássicos, mas no momento o roteiro não me empolgou. Não gosto muito de filme com a deixa da viúva negra e talvez tenha perdido de assistir uma bela atuação, conforme demostrada por você.

    No mais, naquele gostei da forma como você descreveu a ausência de herois, pois essa é também uma condição quando vou escolher um filme.

    Beijos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Luciana, é realmente uma pena que você tenha deixado de assisti-lo nesta oportunidade, mas lhe peço, não perca a próxima, é um filme que merece ser visto pela trama, mas também pelo bom uso da técnica que ele faz!

      Excluir
  14. Sem palavras para falar desse filme. Billy Wilder era uma gênio.

    Visite também:
    http://peliculacriativa.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  15. Foi um dos primeiros filmes do estilo que vi...
    Até hoje tenho vívida a personagem da Barbara... quando penso em femme fatale, penso nela!

    ;D

    Ahh... Estou reativando o meu blog...
    Agora só com cinema=> Nascida em Versos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ela é um personagem icônico da sétima arte!

      Gostei muito do novo visual do 'Nascida em Versus'!

      Excluir
  16. Grande filme protagonizado pelo quase esquecido Fred MacMurray e ainda com o grande Edward G. Robinson.

    Abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nomes que mereceriam ser lembrados com maior frequência!

      Excluir
  17. Parece ser bem interessante, quero ver.

    http://monteolimpoblog.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  18. Wilder estava no auge e os anos 40 foi a melhor década para experimentar os filmes noir. Eu adoro! Pacto de Sangue é fantástico também. Sempre gostei dos papéis do Robinson, o cara fez tantos filmes com o mesmo tipo que nunca enjoa.

    O mais interessante é ver essa influência depressiva no cinema. Os filmes americanos dos anos 70, por exemplo, também tiveram o seu momento, ah! mas acho mais bonito e intrigante um filme fotografado em branco e preto. É lindo demais toda a escuridão!

    Abraço e ótimo texto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, no formato preto e branco dá para se explorar com maior propriedade o contraste entre luz e sombra, o que é essencial para este gênero.

      Excluir
  19. Nunca assisti este filme, mas por sua indicação José Bruno, buscarei vê-lo. Wilder é mesmo um gênio! Tambem comentei recentemente uma obra-prima dele... Abraço.

    http://www.leituradecinema.com.br/2012/08/testemunha-de-acusacao.html

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Busque sim Matheus, pois se trata de uma grande obra, que eu vejo como um dos filmes mais importantes de todos os tempos.

      Excluir
  20. Ainda não assisti "Obsessão", pra ser sincero, eu nem sabia que ele explorava uma temática parecida com a de "Pacto de Sangue".

    ResponderExcluir