Jules e Jim - Uma Mulher para Dois (Jules et Jim) - 1962. Dirigido e Produzido por François Truffaut. Escrito por François Truffaut e Jean Gruault, baseado no livro de Henri-Pierre Roché. Direção de Fotografia de Raoul Coutard. Música Original de Georges Delerue. Les Films du Carrosse e Sédif Productions / França.
Para mensurar a importância de um clássico como Jules e Jim - Uma Mulher para Dois (1961), muitos fatores devem ser levados em consideração, o primeiro é a forma com que ele interage com a época na qual foi rodado, o segundo é sua posição e interação com o restante da filmografia de seu autor e o terceiro é força de sua história e o impacto que ela ainda é capaz de causar mesmo passado tanto tempo desde de seu lançamento. Este, que é o terceiro filme de François Truffaut, um dos nomes seminais da Nouvelle Vague Francesa, narra a história (inspirada em fatos reais), de dois amigos, o alemão Jules (Oskar Wernet) e o francês Jim (Henri Serre), que, na década de 30, se apaixonam por uma mesma garota, a belíssima Catherine (Jeanne Moreau). Esta paixão durou anos a fio e transformou as vidas de cada um dos três, influenciando na forma com que eles interagiam com o mundo às suas voltas.
O relacionamento entre Jules, Jim e Catherine se firma não somente na sexualidade, mas também em uma forte amizade, capaz de sobrevir mesmo em tempos de guerra, período em que os dois rapazes combateram por lados apostos. À medida que o tempo passa, todos os sentimentos parecem se tornar mais viscerais, a amizade, o amor, os ciúmes e por fim a vontade de se apossar do outro. Catherine é, dentre os três, a personagem mais controversa, mesmo sendo extrovertida e exalando sensualidade em cada cena em que aparece, ela traz em sua personalidade um fio de melancolia e de insatisfação; são estes os sentimentos que a definem e que motivam boa parte de suas ações na trama. Ela está o tempo todo em busca de algo, mas aparenta não saber bem ao certo o que é, ora ela vê a materialização do objeto de seu desejo em um dos rapazes, ora em outro e em algumas passagens em outros homens, a quem ela seduz sem nenhum pudor ou culpa.
É interessante ver que através de uma trama simples, principalmente para os dias de hoje, François Truffaut consegue atingir um considerável nível de profundidade dramática, principalmente ao tocar em temas que seriam recorrentes no cinema a partir de então, como a libertação sexual, o vazio existencial e a crise dos valores tradicionais. A abordagem de tais assuntos funciona quase como um prenúncio do que estava para acontecer no mundo na segunda metade da década de 60, com a efervescência dos movimentos contraculturais, a luta pelos direitos civis e a revolução dos costumes... Neste filme já se percebe uma ousadia formal maior do que a observada em Os Incompreendidos (1959), primeiro filme do cineasta, Em Jules e Jim, Truffaut subverte regras e experimenta usando recursos incomuns para a época, como telas divididas, imagens congeladas e enquadramentos inusitados.
Todavia, o que faz com que percebamos no filme uma marca autoral, aspecto que o diretor defendia desde que era crítico da revista Cahiers du Cinéma, não é a ousadia observada no aparato técnico do filme, mas aquela percebida na forma com que a história é contada. Na narrativa não há qualquer tipo de moralismo e em momento nenhum o relacionamento entre o trio de protagonistas é apontado como uma aberração social, ou um atentado contra o pudor, como poderia ser esperado de um filme produzido no início dos anos 60. Toda a trama é retratada de uma forma isenta de maniqueísmo e conceitos pré-concebidos, que deixa evidente que o que precisa ser destacado não é uma suposta imoralidade da conduta dos personagens, mas tão somente a intensidade do amor (ou amizade) com que eles se entregam um ao outro.
Quando escrevi sobre Os Incompreendido, cheguei a comentar que Truffaut desenvolveu naquele filme a ideia de que o mundo não é mal ou ruim, ele apenas "é como é", concluí que tal concepção favorecia a criação de personagens não maniqueístas, cujas atitudes não podiam ser compreendidas à luz da moral vigente. O mesmo vale para Jules e Jim e eu atribuo a isso o fato dele ainda permanecer tão impactante. O cineasta não permitiu que seu roteiro fosse maculado pela visão limitada que se tinha na época sobre as temáticas abordadas por ele, o seu olhar sobre a história (que caracteriza sua marca autoral), apesar de passional, não tenta criticar ou defender aquilo que nos é mostrado; este olhar se manifesta através de duas formas: por meio narração em off, que ele próprio faz, na qual ele adota a condição de um dos personagens envolvidos, e através dos enquadramentos e movimentos de câmera, que reproduzem seu próprio fascínio diante dos fatos retratados.
Oskar Wernet e Henri Serre estão muito bem, ambos entregam desempenhos condizentes com a dimensão que seus personagens ganham na trama, são interpretações sem exageros, que também trazem consigo algo de passional, como se os próprios atores estivessem envolvidos emocionalmente com a história que ajudam a contar. Jeanne Moreau, mulher de Thuffaut na época, é puro encantamento, definitivamente não tem como não se apaixonar por ela e por sua personagem (crédito que ela divide com o próprio cineasta, pela importância que ele dá para sua imagem em todos os momentos em que ela aparece em cena). A narração em off é um recurso muito bem utilizado no filme, ao mesmo tempo em que estabelece um diálogo com a obra literária que deu origem ao filme, através de citações diretas, ela ainda ajuda, com o auxílio da ótima trilha sonora, a pontuar a ebulição de emoções que a trama retrata.
No lado da ponte, para o qual os três personagem correm na cena mais clássica do filme, estão metaforicamente o novo, o desconhecido, a pós modernidade... O antigo e todo o ranço de conservadorismo que o acompanhava tinham ficado para trás. François Truffaut, com Jules e Jim, ajudou a consolidar aquela que considero, ao lado do Neorrealismo Italiano, a escola cinematográfica mais importante desde o construtivismo soviético, cuja influência pode ser percebida em boa parte da produção contemporânea... Jules e Jim, como o próprio diretor defendia, pode ser considerado uma ode à intensidade dos sentimentos e sensações, à paixão, à amizade e à vida tal como ela é; seu desfecho trágico me fez lembrar a citação presente na carta de despedida de Kurt Cobain, na qual ele diz que: "É melhor arder do que se apagar aos poucos"... Um clássico obrigatório, ultra recomendado!
Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a crítica de Os Incompreendidos, o primeiro filme do François Truffaut!
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,
AMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO ESSE FILME! Parabéns pela resenha!
ResponderExcluirBrunão meu amigo, tudo bem?
ResponderExcluirRapaz, eu reconheço que sou avesso aos clássicos. Mas de vez em quando eu leco alguns tapas na cara quando assisto um e vejo o que esu estava perdendo, por pura burrice minha. Essa sua resenha me atiçou a levar mais um tapa... Hahahahahahahaha, vou procurar o filme!
Brunão se der me envia um e-mail nesse encereço:
andre.mansim@lojaoconstrucao.com.br
para que eu converse com você, eu queria falar sobre um assunto e acho que você é a melhor pessoa pra isso!
Um abraço velhão!
Um filme de Truffaut que me escapou, mas pretendo consertar essa falha. Não tem jeito, cada filme inédito que vejo faz com que eu admire ainda mais o mestre francês.
ResponderExcluirAbraços!
Brunãoooo,
ResponderExcluirDecididamente, somos irmãos de alma no quesito Cinema,rs.
Amo este filme.
É poético, atemporal, singular e essencial aos olhos, mente e ouvidos!!!
Parabéns, por escrever tão bem sobre este clássico maravilhoso.
ah! esses dias assisti Meia Noite em Paris e adivinha de quem lembrei?
besos meu amigo!
Muito bom Bruno! É um clássico seminal. Truffaut é o meu predileto da Nouvelle Vague (obviamente Godard tb) seus filmes são diretamente ligados para o público jovem. Este é antológico, mas é claro que "Os Incompreendidos" é ainda melhor sem desmerecer esta obra prima.
ResponderExcluirFoi também o primeiro filme que vi com a Moreau e ainda a fita pode ser considerada como o triângulo amoroso mais bem feito da história do cinema. Sua reviravolta trágica e seus elementos cômicos, são fascinantes. A cena que os três correm na ponte é pra nunca mais esquecer...
Adoro a maneira como Truffaut, irreverente para a época, conta esta história, por exemplo, utilizando artifícios como imagens de arquivos de documentários da Guerra e dentre outras coisas.
Vou acompanhar mais posts seus dele. No aguardo.
Abs.
Poxa, que joia rara foi conhecer o teu blog!
ResponderExcluirExcelente, e ARTE PURA.
Já estou seguindo e recomendando.
Se puder visitar meu humilde recanto, e, quem sabe, divugá-lo entre os camaradas de "estrada". Um abraço. E parabéns.
http://omundodoscinefilos.blogspot.com.br/
Olá, José Bruno.
ResponderExcluirO único file de Trufaut que vi até hoje foi o excelente Fahrenheit 451; valeu pela ótima dica.
Abraço.
quando a gente acha algo bacana, vale a pena comentar. muito bom seu blog, parabéns!
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