Lolita - 1962. Dirigido por Stanley Kubrick. Escrito por Stanley Kubrick e Vladimir Nabokov, baseado na obra literária de Nabokov. Direção de Fotografia de Oswald Morris. Música Original de Nelson Riddle. Produzido por James B. Harris. Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), A.A. Productions Ltd., Anya e Transworld Pictures / USA | UK.
O livro Lolita de Vladimir Nabokov foi considerado por editoras dos Estados Unidos e da Inglaterra como um atentado ao pudor e aos bons costumes, ele precisou ser lançado primeiro na França, como livro pornográfico, para depois ser reconhecido pela crítica como uma obra séria. De fato sua temática era demasiadamente pesada para a época, contudo, ele tinha mais a oferecer do que uma história erótica, da relação entre seus personagens emanava um humanismo pungente, que foi o que chamou a atenção do diretor Stanley Kubrick na época e fez com ele se dispusesse a recontar aqueles fatos pela ótica de sua câmera. O cineasta fez da adaptação uma obra de grande profundidade dramática, cada um dos personagens transcendem a condição de meros estereótipos, seus conflitos psicológicos os tornam complexos e suas atitudes isentas de qualquer maniqueísmo. Ao abordar a pedofilia, o longa se firma como um contundente tratado sobre a sexualidade e a degradação moral de um indivíduo.
Tal como aconteceu com o livro, o lançamento do longa foi marcado por polêmicas, sua estreia foi adiada por diversas vezes e quando aconteceu foi com uma versão remontada e sem algumas das sequências mais polêmicas. A edição, no entanto, não o livrou da perseguição. Quando já estava nos cinemas, ele foi condenado pela igreja católica, que emitiu avisos nas igrejas afirmando que era um pecado assisti lo. O propósito do roteiro, escrito por Nabokov com a colaboração de Kubrick (não creditado pela função), não era fazer juízo ou denunciar a atitude do personagem central, que se apaixona por uma adolescente na trama, mas sim, partir deste comportamento para propor uma reflexão sobre a subversão da moral e a fragilidade do comportamento humano diante dela. Tal propósito colocou o filme em sintonia com as transformações culturais que o mundo estava vivendo na época em que ele foi lançado, contudo, mesmo após a consolidação de algumas dessas mudanças, sua história continua sendo ousada e polêmica.
A narrativa de Lolita começa com uma passagem que mostra um reencontro entre dois personagens, esta sequência termina em um assassinato e então há uma volta no tempo para mostrar o início do desenrolar da trama. Tudo começa quando o professor de inglês Humbert Humbert (James Mason) aluga um quarto na pensão de Charlotte Haze (Shelley Winters), conforme o filme deixa claro, ele não o faz pelos motivos expostos pela anfitriã, sua decisão é tomada no momento em que ele bate o olho na filha dela, a bela Lolita (Sue Lyon), que tem apenas quatorze anos. Charlotte vive sozinha com Lolita e a chegada do novo hospede é vista por ela como uma chance de conquistar um novo marido e por isso ela faz de tudo para tentar seduzir Humbert, mas ele só consegue pensar na menina. Passado o verão, ele não ver outra opção a não ser se render aos encantos da dona pensão, para assim poder continuar lá, ele então se casa com a mãe para continuar perto da filha.
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Humbert faz de tudo para dissimular seu desejo e manter as aparências e o mais interessante é a postura de Lolita diante disso tudo, nos primeiros momentos do filme não fica tão claro se ela sabe ou não das intenções que ele tem e, por inocência ou por maldade, ela acaba alimentando o que ele sente. Uma das sequências mais emblemáticas do filme mostra o professor na cama com a nova esposa, ele finge dar atenção à ela, mas o seu estímulo vem é de uma fotografia de Lolita, posta na cabeceira. Nesta mesma sequência um comentário feito por Charlotte deixa claro para Humbert que ela é o maior obstáculo para a realização de suas fantasias sexuais, então ele, visivelmente atormentado, vira para o outro lado da cama e contempla uma arma, que está sobre este lado da cabeceira. O diálogo entre o casal continua normalmente, mas durante todo o tempo a arma permanece com relativo destaque na canto da tela. Esta passagem é genial, porque nela Kubrick trabalha de forma magistral o embate que o personagem trava consigo mesmo, sem precisar de extrair dele nenhuma declaração sobre este assunto.
Curiosamente, Lolita não foi injustiçado só pelos seus detratores na ocasião de seu lançamento, ainda hoje ele é tido por uma significante parcela da crítica como um dos 'filmes menores' de Kubrick, o que considero um absurdo (não concordo com este tipo de análise, que coloca obras de um mesmo autor, distintas entre si, em uma balança para ver qual tem o 'maior peso artístico'), afinal, se trata de uma obra de incalculável valor estético e dramático, cuja complexidade é capaz de a sustentar independente do restante da filmografia de seu realizador. É possível perceber o peso da direção e do perfeccionismo de Kubrick em cada enquadramento, em cada movimento de câmera, na composição da mise-en-scène e na sutileza com que o tema é abordado, sutileza esta que fica evidente já na cena que acompanha os créditos de abertura.
O veterano James Mason consegue expressar por meio de sua atuação a fragilidade emocional e cada um dos conflitos que seu personagem experimenta na trama, a jovem Sue Lyon, com toda sua sensualidade, também tem um desempenho digno de aplausos, o que comprova a eficácia do método de trabalho (questionado por muitos) que o cineasta desenvolvia com os atores de seus filmes. Todavia, no tocante às atuações os destaques são, sem dúvidas, Shelley Winters e Peter Sellers, este dá vida a um outro personagem do filme, por sinal um dos mais interessantes (preferi omitir comentários sobre ele para não revelar spoilers), Winters e Sellers roubam a atenção em cada uma das sequências em que aparecem.
O impacto que Lolita é capaz de provocar permanece vivo, ainda que de forma não tão intensa quanto aquela testemunhada na época de seu lançamento, de fato é um filme que não envelheceu, um clássico absoluto de um dos cineastas mais importantes da história da sétima arte. Ultra recomendado!
Lolita foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
Pode até ser, como você disse "um atentado ao pudor e aos bons costumes". mas, eu adoro.
ResponderExcluirInjustiça consideram um trabalho menor de Kubrick.....um pecado eu diria.
Sou apaixonada por esse filme. Quero muito ler o livro, mas não achei ainda. Um tema polêmico, um filme polêmico, porém muito bom. Que coincidência, meu mais novo post tem a ver com esse filme também.
ResponderExcluirAbraços.
O quarteto principal está excelente: Lyon, Mason, Winters e Sellers. Não considero Lolita um filme menor de Kubrick, pelo contrário: é parte da inspirada década de 1960 para o diretor.
ResponderExcluirAbraços!
Sabe que eu sempre ouvi falar desse filme e até já ví esses dias lá nos clássicos da locadora, mas nunca tive curiosodade de pegar pra ver.
ResponderExcluirAgora depois de ler essa sua resenha acho que vou assistir, porque uma coisa que vc ultra recomenda deve ser bom demais.
Assisti as duas versões essa com Sue Lyon e a outra cuja mãe dela é a Melanie Griffith, mas não gostei do filme, de nenhuma das versões.
ResponderExcluirOlá, José Bruno.
ResponderExcluirAinda não vi esse ótimo filme, e não ligo nem um pouco para os rótulos que colocam nas obras só porque elas fogem ao convencional.
Abraço.
Como eu mesma tive o privilégio de ler o livro e assistir aos dois filmes baseado na obra e posso afirmar que sim. Este é um dos menores filmes de Kubrick e vou esclarecer o porquê.
ResponderExcluirComo citado, dado o tema delicado e forte do livro, foi preciso fazer uma verdadeira adaptação e mudança para o cinema extremamente conservador da época. O que descaracterizou por completo o livro, deixando para trás todo o drama, tragédia e sensualidade da obra original e adaptando para algo mais leve e divertido com uma pitada de humor negro.
O próprio Kubrick afirmou que foi um erro lançar Lolita nesta época.
O que muitos criticaram também foi a completa falta de química de James Mason e Sue Lyon, as cenas em que deveriam transparecer ao menos uma atração, são fracas e pálidas, sem empolgação nenhuma.
A versão de 1997, teve o privilégio de ser lançado em uma época em que muitos filmes chocantes e perturbadores já haviam sido exibidos. E o Adrian Lyne pode ser mais friel a obra, coisa que infelizmente Kubrick não pode devido a época de seu lançamento.
A cena da versão de 97 onde Humbert vê pela primeira vez Lolita é tão diferente da versão de 62 e muito mais intensa.
Jeremy Irons conseguiu caracterizar de modo louvável toda a loucura e paixão doentia de Humbert.
Assim como Dominique Swain brilha como uma jóia na pele de Lolita. Nem toda a beleza de Sue Lyon foi o suficiente para conseguir retratar tão bem todo o diabo inocentemente sensual que havia em Lolita como Dominique fez.
E claro a química de Jeremy e Dominique consegue transparecer para a tela em uma mistura de ódio, nojo e paixão obsessiva dando ao clima do filme um ar de amor e tragédia assim como no livro.
Quando as pessoas dizem que Lolita de 62 foi um dos menores filmes de Kubrick, falam justamente pela pouquíssima fidelidade do filme em relação ao livro e as atuações pouco convincentes dos atores que não conseguiram transparecer toda a essência dos personagens no livro, deixando algo muito superficial.
Mas enfim. Gosto é gosto.