Para Roma, com Amor (To Rome with Love) - 2012. Escrito e Dirigido por Woody Allen. Direção de Fotografia de Darius Khondji. Produzido por Faruk Alatan, Letty Aronson, Giampaolo Letta e Stephen Tenenbaum. Medusa Film, Gravier Productions e Perdido Productions / USA | Itália | Espanha.
Fui assistir Para Roma com Amor (2012) com uma expectativa baixíssima, as diversas críticas negativas que li sobre ele me deixaram com um pé atrás, mas para minha surpresa o filme não era um desastre tão grande quanto haviam anunciado. Por estar ciente de que seria um erro estabelecer comparações ou esperar que ele repetisse o bom resultado de outros trabalhos recentes do Woody Allen, eu não tentei encontrar nele a profundidade dramática de Match Point (2005), ou a sensualidade de Vicky Cristina Barcelona (2008) e justamente por isso ele funcionou muito bem como uma leve e deliciosa comédia de costumes. Não posso negar que ele peque pela falta de unidade entre suas quatro histórias, mas isto por si só não é capaz de tirar dele o que ele tem de melhor, que é a sátira social e o humor inteligente e sofisticado, que já é característico de seu realizador.
Levemente inspirada nas histórias do Decamerão (conjunto de cem novelas escritas por Giovanni Boccaccio no século XIV), a trama de Para Roma com Amor se desenvolve em quatro núcleos distintos e independentes, sendo que cada um deles adota uma angulação diferente, enfocando ora a crítica social, característica da comédia de costumes, ora uma abordagem menos pretensiosa, baseada na relação dos personagens com seus próprios princípios e certezas. Do conjunto de textos clássicos de Baccaccio, que é tido como uns dos marcos iniciais do realismo na literatura, Allen resgatou a idiossincrasia da construção dos personagens e a capacidade que estes têm de representar conflitos e sentimentos que não nos são tão estranhos.
Na primeira história, Hayley (Alison Pill), uma jovem americana que está de férias em Roma, conhece Michelangelo (Flavio Parenti), um advogado italiano cheio de idealismos, eles se apaixonam e decidem se casar. Pouco tempo depois, Jerry (Woody Allen) e Phyllis (Judy Davis), os pais de Hayley, viajam à Itália para conhecer a família do noivo e é aí que começa a confusão. Jerry é um produtor cultural aposentado que não consegue digerir seu próprio fracasso, ele é reacionário e ainda acredita que não foi reconhecido por estar à frente de seu tempo. Ele é contra o casamento da filha por acreditar que Michelangelo é um radical de esquerda e os atritos entre ele e a família do noivo começam logo no primeiro encontro entre eles. As indiretas e comentários irônicos de Jerry duram até ele descobrir que Giancarlo (Fabio Armiliato), o pai do rapaz, tem um talento nato para a ópera.
Jerry enxerga no dom de Giancarlo uma oportunidade de reingressar ao mundo do show business e assim conquistar o reconhecimento que sempre almejou. A ideia de fazer de Giancarlo um astro contraria o idealismo de Michelangelo, que não quer ver o pai sendo usado como um mero produto. Como se já não bastasse tudo isso, há ainda um outro problema, com o qual nenhum deles contavam, Giancarlo só consegue cantar bem debaixo do chuveiro... Neste núcleo da trama o filme tece uma crítica à indústria cultural e à forma com que ela remonta obras clássicas com uma roupagem diferente, para desta forma apresentá-las como inéditas e inusitadas - De certo modo, o próprio filme é um exemplo disso, afinal o que vemos nele é só uma reformulação daquilo que já tinha sido trabalhado no Decamerão, mas não se enganem, Woody Allen não tenta esconder isso, tanto que chega a fazer piada sobre a situação em dado momento da trama.
Na segunda história conhecemos Leopoldo (Roberto Benigni), um trabalhador da classe média que vira celebridade, sem qualquer motivo, da noite para o dia. Ele se torna o alvo de paparazzis que o seguem durante todo o tempo em busca de declarações sobre trivialidades. Neste núcleo, assim como no primeiro, o que se sobressai é o viés crítico, de uma forma muito bem humorada, Woody Allen ataca a fabricação de celebridades instantâneas e a importância que a mídia dá para elas. Não por acaso, ele inclui no filme sequências que se passam em eventos relacionados ao cinema, cerimônias nas quais artistas, profissionais da indústria e as ditas celebridades instantâneas se misturam, como se fossem no fim das contas igualmente importantes e superiores à própria arte, à qual têm seus nomes relacionados - Notem o sarcasmo da cena em que a repórter comenta o vestido que a esposa de Leopoldo está usando ao passar pelo tapete vermelho.
Na terceira história, John (Alec Baldwin), um renomado arquiteto, se encontra com Jack (Jesse Eisenberg), um jovem estudante de arquitetura que leva uma vida parecida com a que ele levava quando morou em Roma. Jack namora com Sally (Greta Gerwig), mas acaba se apaixonando pela melhor amiga dela, a bela e provocante Monica (Ellen Page). Ele não sabe se vale ou não a pena abrir mão de um relacionamento sério, para viver algo que provavelmente não passará de uma aventura. John, com toda sua experiência de vida, começa a dar conselhos para o rapaz, todavia suas orientações são por vezes conflitantes, como se ele próprio não soubesse o que fazer diante da situação.
Neste núcleo, Woody Allen trabalha o conflito que o indivíduo experimenta quando suas certezas e princípios são postos em cheque; nele o personagem do Alec Baldwin representa o embate que há entre o intelecto e o gozo hedonista (que seriam o id e o superego respectivamente, numa análise à luz da teoria freudiana). Nesta história o cineasta volta a flertar com o realismo fantástico, que fora a tônica do excelente Meia Noite em Paris (2011), seu filme anterior.
Na quarta história nos encontramos com os recém-casados Antonio (Alessandro Tiberi) e Milly (Alessandra Mastronardi), eles, que são do interior da Itália, viajam à Roma para resolverem assuntos pendentes, lá eles pretendem se encontrar com parentes de Antonio, que ainda não conhecem Milly. Uma sequência de desencontros e mal entendidos colocam ambos em uma grande confusão. Milly deixa o hotel em busca de um salão de beleza e acaba se perdendo pelas ruas da capital italiana e após perambular desorientada ela acaba indo parar no set de gravação de um filme, que usava uma praça pública como locação, lá ela conhece o ator Luca Salta (Antonio Albanese), um Dom Ruan (?) do cinema italiano, que a convida para um programa a dois. Enquanto isso, Antônio é confundido por Anna (Penélope Cruz), uma prostituta de luxo, com um de seus clientes e após um fragrante acidental, ele se vê obrigado a apresentá-la para seus familiares como sua esposa.
Antonio e Milly, por estarem longe um do olhar do outro, são tentados a se renderem à sedução de seus acompanhantes. Neste ponto, fica mais uma vez em destaque o conflito do indivíduo com seus próprios princípios e neste caso também com a moral vigente, o que seria a meu ver mais uma herança do Decamerão.
Partindo de uma análise mais ampla e ousada, eu creio que seria possível chegar á conclusão de que se existe de fato algum elemento narrativo que ligue as quatro histórias, além da cidade na qual elas acontecem, este seria a relação de cada um dos personagens com o olhar alheio ( em uma das histórias, com o próprio olhar, vindo de uma outra perspectiva). Mas, se esta era de fato a angulação que Woody Allen se propôs dar ao filme, ele não a deixou tão evidente e isto é o que torna as histórias aparentemente tão desconexas entre si.
Partindo de uma análise mais ampla e ousada, eu creio que seria possível chegar á conclusão de que se existe de fato algum elemento narrativo que ligue as quatro histórias, além da cidade na qual elas acontecem, este seria a relação de cada um dos personagens com o olhar alheio ( em uma das histórias, com o próprio olhar, vindo de uma outra perspectiva). Mas, se esta era de fato a angulação que Woody Allen se propôs dar ao filme, ele não a deixou tão evidente e isto é o que torna as histórias aparentemente tão desconexas entre si.
Contam a favor de Para Roma, com Amor a excelente química que há entre os atores, o ritmo ágil e o timing cômico da narrativa, a eficácia de seu aparato técnico e principalmente a beleza das locações, que são capturas através de um belíssima fotografia, que valoriza a arquitetura e a beleza das ruas de Roma,através de enquadramentos abertos e da predominância de um tom pastel, que evoca o classicismo que estará sempre associado à cidade.
Para Roma, com Amor pode não ser uma obra prima, nem estar dentre os melhores filmes de Woody Allen, mas ele não é nem de longe um filme ruim. Ainda que ele tenha seus defeitos, o que se sobressai nele é a leveza com que cada uma das histórias são contadas e o divertimento inteligente que elas nos proporcionam. Evite uma elevação exacerbada das expectativas e simplesmente aproveito aquilo que ele é capaz de nos oferecer. Recomendo!
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
Confiram também, aqui no Sublime Irrealidade, outras resenhas de filmes de Woody Allen:
Adoro os filmes de Woody Allen, mas posso esperar para ver esse também.
ResponderExcluirAdoro Allen e você sabe né? rs.
ResponderExcluirEste junto ao Meia Noite em Paris e Whatever Works é um dos preferidos!
Parabéns, pelo texto.
bjs
Oii amigo, dica anotada vou assistir o Trailer, mas acho que vou esperar p ver em casa mesmo! Abraçosss
ResponderExcluirmuito longe dos bons filmes do woody
ResponderExcluiro pior da fase europeia
Ainda preciso conferir este trabalho de Allen.
ResponderExcluirAbraço
o filme tem bons momentos... e é só.... allen se perdeu
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Tem cara de ser beeeem simpático mesmo. Quero ver!
ResponderExcluirOlá, José Bruno.
ResponderExcluirApesar de eu preferir o Woody dos livros e filmes mais antigos, acredito que suas obras sempre serão dignas de serem saboreadas, mesmo que por mero passatempo.
Abraço, José Bruno.