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domingo, 8 de abril de 2012

Canções de Amor

Canções de Amor (Les Chansons d'Amour) - 2007. Escrito e Dirigido por Christophe Honoré. Música Original de Alex Beaupain. Direção de Fotografia de Rémy Chevrin. Produzido por Paulo Branco. Alma Films / França.


Às vezes uma sequência de acontecimentos pode nos deixar com a alma à flor da pele, geralmente neste estado as dores são mais intensas e cada perda parece mais dilacerante, mas é também nestes períodos que temos nossa sensibilidade artística ainda mais aguçada, em tal tipo de situação a arte parece trazer o alívio frente ao peso de todas as questões existenciais. Tenho passado por isso nos últimos dias. Ainda que o estresse teime em me tirar a concentração, eu tenho conseguido fazer um mergulho artístico cada vez mais fundo nas obras que tenho assistido... Precisei começar esta resenha com este toque um pouco mais pessoal, para que você meu caro leitor entenda o efeito bombástico que Canções de Amor (2007) provocou em mim nesta última semana. Ganhei o DVD de presente do amigo Cristiano Contreiras e desde que li a sinopse eu imaginei que fosse gostar, mas não de tal forma. Inexplicavelmente eu parecia estar em sintonia com com a aura do filme e com o tom melancólico que está presente na trama em cada uma de suas canções, que expressam sentimentos e sensações que vão da dor da perda à descoberta de um novo amor, experiências estas que são vividas por alguns dos personagens.

Ao contrário do que o título possa sugerir, o filme não é uma comédia romântica ou um melodrama açucarado, daqueles cuja trama se ancora em idealizações do amor, muito pelo contrário, ele funciona mais como um retrato poético e ao mesmo tempo doloroso e amargo dos relacionamentos contemporâneos.  Nele, a idealização romântica cede lugar à efemeridade e à inquietude da descoberta, o que torna os laços entre os amantes mais frágeis e a entrega ao outro desapegada e propositalmente isenta de sentimentos. Contudo, mesmo que de forma "não convencional", o diretor e roteirista Christophe Honoré cria no desfecho da história o contraponto a este tipo de relação e tal oposição se manifesta em uma frase dita por um dos personagens na última sequência do fim do filme: "Ama-me menos, mas ama-me por muito tempo".


No filme, o relacionamento de Ismael (Louis Garrel) e Julia (Ludivine Sagnier) está em crise, para tentar dar um fôlego novo ao namoro eles acabam se envolvendo em um ménage à trois com  Alice (Clotilde Hesme). Os três não poderiam ser mais diferentes um do outro, Julia é romântica e acredita no amor, Alice é niilista e prefere despir o envolvimento entre eles de qualquer tipo de sentimento, já Ismael, apesar de não negar seus sentimentos, está apenas à procura de experiências e não de relacionamentos duradouros. Outras concepções sobre o amor podem ser percebidas através do pensamento e das atitudes dos pais e das irmãs de Julia. Jeanne (Chiara Mastroianni), por exemplo, uma das irmãs de Julia, representa a imobilidade e a estagnação sentimental, diversos momentos do filme sugere que ela também sinta algo por Ismael, mas ela não faz nada em relação a isso e tão pouco expõe seus sentimentos.


Uma tragédia acaba separando os amantes e cada um dos personagens do filme reage de um forma distinta ao acontecimento, um deles a partir de então terá cada uma de suas concepções sobre o amor postas em cheque, o sofrimento lhe transformará... Honoré não poupa seus personagens da dor e da experiência trágica, através das canções que cantam eles se abrem e expõe aquilo e mais profundo que está encrustado em suas almas. Aquilo que geralmente não se diz, eles dizem através das letras, nelas estão delineadas as suas personalidades e descritos os seus medos e suas dores. O casamento entre o cinema e a música se dá de forma quase perfeita, as performances são naturais e inspiradas e em nenhum momento temos a sensação, tão temida pelo cineasta, de estarmos diante de uma sequência de videoclipes.


As canções compostas pelo músico francês Alex Beaupain são belíssimas, desde que assisti o filme pela primeira vez (sim, foram duas em menos de uma semana) não consigo parar de escutá-las. São ao todo 13 músicas que passeiam por diversos gêneros como o indie pop e o rock alternativo. Suas letras é de uma poética riquíssima capaz de descrever de forma tão singular aquilo que os personagens estão sentindo e ainda nos dizer tantas coisas relevantes sobre cada um deles, a maior parte delas de forma não tão explicita o que faz com que elas possam passar despercebidas pelos mais desatentos. Ao assistir o filme, eu recomendo que você ouça e principalmente sinta cada uma das canções, se permita ser tocado (a) por exemplo pela a dor angustiante de Delta Charlie Delta, ou pela sensualidade de As-tu dejá aimé?, músicas fartes e marcantes, impossíveis de serem esquecidas tão facilmente pós a sessão.


O elenco é outro grande trunfo do filme, Louis Garrel está fantástico, sua presença e expressão corporal diz muito sobre o constante movimento de seu personagem na trama. Ludivine Sagnier, Clotilde Hesme e Chiara Mastroianni (filha de Catherine Deneuve e de Marcello Mastroianni) também estão ótimas, elas conseguem dar a força dramática e a credibilidade que a complexidade, não tão explicita, que suas respectivas personagens exigem. Gregóire Leprince-Ringuet (intérprete de Erwann, personagem importante que surge no meio da trama) também dá um show de interpretação, seus gestos e olhares conseguem ser ao mesmo tempo contidos e ameaçadores, o que definitivamente não é fácil de fazer. Todo o elenco realmente consegue nos convencer nos momentos em que soltam a voz,  suas interpretações musicais não são tecnicamente irrepreensíveis, porém são carregadas de sentimento, que na verdade é o que interessa.


É possível perceber em Canções de Amor uma forte influência da Nouvelle Vague francesa, que está presente no experimentalismo da narrativa e da edição, que nos remete a alguns dos primeiros filmes de Jean-Luc Godard, e nas tomadas externas, principalmente naquelas que mostram movimento, que nos faz lembrar alguns clássicos de François Truffaut. Ainda que o filme funcione como uma espécie de tributo aos filmes e cineastas que deram vida nova ao cinema francês em décadas passadas, podemos sentir nele o peso e a relevância da marca autoral de Christophe Honoré no estilo narrativo e nos aspectos técnicos do filme, mas principalmente em seu roteiro, o cineasta transita com facilidade por questões que frequentemente geram polêmica, como libertação sexual e homossexualismo e ele o faz sem ser panfletário em instante algum e despido de qualquer preconceito...  Canções de Amor é uma pequena obra prima, um mergulho do qual não tem como não voltar desestabilizado, é filme poético e sensível, que consegue nos cativar de imediato com cada um de seus aspectos técnicos e artísticos, que são simplesmente encantadores... Ultra recomendado! (Aviso: dispa-se de qualquer ideia pre-concebida antes de assisti-lo)


Assistam ao trailer de Canções de Amor no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra, 

30 comentários:

  1. Acho esse filme extremamente gracioso e, confesso, a princípio, ter tido dificuldade em compreendê-lo. Inclusive não gostei dele quando o vi pela primeira vez. No entanto, careceu de um olhar mais cuidadoso, então pouco a pouco fui percebendo o quão cintilante o filme é - e mais belo ainda: ele cintila apesar de sua simplicidade e, creio, cintila justamente por causa dela. É uma obra singela que sabe como nos conquistar! A tempo, adoro a cena na qual os personagens cantam As-tu déjà aimé? e acho que as metáforas são surpreendentemente eficientes para acentuar a beleza poética do momento.

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    1. Sim, realmente esta cena é fantástica, como disse no texto, eu também assisti o filme duas vezes, apesar de já ter gostado muito dele na primeira, o impacto na segunda foi bem maior...

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  2. Olá, querido!

    Tudo bem???

    Que lindo! Adoro ganhar presentes... Amei a resenha, J.B. Há sensibilidade saindo por todos os lados.

    Adoro filmes franceses, mas esse nunca vi. Super anotado para ser visto o mais breve possível!

    bjks

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    1. Este merece muito ser visto ele tem um poder incrível de aguçar nossa sensibilidade... não deixe de assisti-lo Joicy! Beijão!

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  3. Oi Bruno
    Ótima resenha, mais uma vez. Eu já falei prá Joicy, eu assisti A pele que habito, nossa que filme arrebatador, foi uma ótima dica que vc deu. Valeu, vc sempre dá ótimas dicas de filmes.
    Bjos. Feliz páscoa.
    http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br

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    1. Obrigado Lu!
      "A Pele que Habito" é mesmo arrebatador, lhe recomendo outros filmes de Almodóvar, principalmente "Tudo Sobre Minha Mãe"!

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  4. Amigo, fico mais feliz em saber que adorou o presente e que viu o filme duas vezes num curto espaço de tempo. É uma obra sensual, dramática, melancólica e existencial. Fala mesmo sobre as questões mais nítidas dos relacionamentos da atualidade, além de mostrar que na vida o que importa mesmo é a sede de amar, independe de rótulos e gêneros da sexualidade. Momento inspirador de Louis Garrell que se mostra aqui extremamente à vontade. Também gosto muito da trilha sonora e sempre ouço! Que bom que gosta do filme como eu, de maneira intensa! Abração! Adorei seu texto.

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    1. Foi um presente e tanto Cristiano!
      "Canções de Amor" foi um filmes mais impactantes que vi nos últimos meses, apesar de ele ser melancólico, o impacto que ele causa é bem positivo, estranhamente me senti super ao final da sessão...

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  5. Bruno,

    Tenho percebido essa intensidade de sensibilidade em suas críticas e posso lhe falar que sou do seu fã- clube, pois elas estão cada vez melhores. Acho que existem poucos sites com esse rigor cultural. Ontem e Mateus conversávamos e ele falou que as vezes não compreendia toda a sua crítica e queria comparar ao do omelete e aí saí pontuando e ele no final falou, mas o Bruno é muito melhor que esses carinhas. Enfim, menino, mas observador.
    Quanto ao filme, não assisti, mas me pareceu um obra como poucas e está na lista.

    Beijos.

    Lu

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    1. Nossa!
      Você é um amor Luciana, me sinto honrado diante de tais elogios, ainda mais que eles vêm de você e do Mateus, que escrevem maravilhosamente bem!
      Saibam que eu também faço parte do fã-clube desta família de excelente blogueiros, vocês são demais!

      Beijão!

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  6. O filme me parece ser MUITO interessante e vale a pena conferir, mais um pra lista hehe Beijão, www.spiderwebs.tk

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  7. Ola Bruno,
    Presentes são muito bem vindos, ainda mais quando ganhamos de amigos que realmente tem atenção por nós e apoiam nossos gostos.

    O Filme Canções de Amor parece ser bem interessante de acordo com a sua resenha, espero poder vê-lo em breve.

    Abraços e feliz Páscoa!
    --> Blog Telinha Critica <--

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    1. Ter recebido o presente foi maravilho mesmo Flávio!
      O filme é super recomendado, se você tiver alguma oportunidade de assisti-lo não a perca!

      Forte Abraço!

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  8. Tomo nota de esta pelìcula que no he visto, para verla proximamente.

    un saludo

    fus

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    1. No te pierdas la oportunidad de verlo, es una película muy hermosa y sensible ...

      Abrazos! Estar siempre bienvenido a lo Sublime Irrealidade!

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  9. Nossa! Vc falou de tal maneira que me pareceu que já assisti o filme, mas nunca assisti!!
    Anotado e vou tratar de procurar pra assistir.
    Espero que tenha assistido o Umrao Jaan... acho que vc irá gostar muito!! Depois quero ver uma resenha dele feito por vc aqui!! Bjs

    http://www.artesdosanjos.com.br/

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    1. Ainda não assisti "Umrao Jaan" Jane, mas a sugestão já está anotada, vou começar a procurá-lo!

      Beijos!

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  10. Tenho um pouco de birra com essa nova safra de cineastas franceses, inclusive o Honoré, que realizou o aborrecido e insosso A Bela Junie. A pretensão, às vezes, sobrepõe o talento. Apesar disso, Canções de Amor eu sou louco pra ver. Duas amigas queridas já me indicaram fortemente. Infelizmente, nas locadoras é difícil achar e na internet só tem com qualidade fraca. No entanto, vou procurar ver, o mais cedo possível! (Já leu o texto que a Gabriela Brahim escreveu pro Lumi7, sobre este filme? Recomendo!).

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    1. Olá Julio,
      Li o texto da Gabriela no dia que o Cristiano me disse que me daria o filme de presente, uma excelente crítica, diga-se de passagem...

      Eu ainda não assisti "A Bela Junie", mas vejo a atual postura do cinema francês com bons olhos, pois gosto quando os cineastas são pretensiosos, ainda que o resultado não seja tão bom, pois geralmente são as grande pretensões que geram as obras primas...

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  11. Acabei de conferir Canções de Amor como forma de treinar meu francês. Porém, por mais que o objetivo fosse esse, o que acabei conferindo trata-se de um ótimo e intenso filme. Recomendo a todos. Belo texto. E, como o Júlio citou, o Lumi 7 também tem uma resenha sobre o filme. Abraços!

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    1. Realmente ele é intenso, acho que esta palavra resume bem o impacto que sua trama é capaz de causar em nós expectadores...

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  12. Não conheço o filme, mas fiquei curioso!

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    1. Tente assisti-lo Gilberto, ele foi lançado na coleção "Cultura Mostra" da Livraria Cultura e vale a pena ser adquirido...

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  13. Olá Bruno, pelo modo como descreves o filme, parece ser muito interessante!
    Vou tentar ver por aqui..

    Abraço

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    1. É muito interessante sim Rui, merecer muito ser conferido...

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  14. O filme é realmente muito bom, quando assisti a primeira vez as pessoas que estavam comigo não gostaram muito, talvez por mero preconceito das relações estabelecidas no filme, mas o que é interessante é a sensibilidade humana que o diretor passa com o filme.

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    1. É justamente esta sensibilidade que transcende qualquer noção preconceituosa que possamos ter sobre as situações abordadas pela trama... O filme transborda sensibilidade, todavia é preciso que nós também tenhamos a nossa sensibilidade aguçada para que assim possamos absolvê-lo da melhor forma...

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  15. Você fala tão apaixonadamente do filme que não há como não conferir. Obrigada pelo presente que é ler um texto como esse, tão belo, sobre um filme que provavelmente gostarei imensamente de conferir.

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    1. Sintia, este filme caiu como uma bomba sobre mim, eu achei ele maravilhoso, espero que meus elogios não sejam excessivos e que você não se decepcione com ele depois, afinal o maior atrativo dele está é em sua sensibilidade e na forma melancólica, porém singela, com que ele aborda os relacionamentos modernos!

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