Uma comédia ácida que faz nos faz rir sem ser idiotizante
e que nos induz a pensar sem ser panfletária!
Dentre tantas séries de comédia que estreiam e são canceladas todos os anos, Louie, que estreou em 2010 e já está na terceira temporada, possui um grande diferencial, ao contrário das demais, sua proposta não pode ser considerada escapista, o tipo de humor que ela explora não é aquele capaz de oferecer a nós espectadores um alívio para os nosso próprios dilemas, pelo contrário, o roteiro escrito pelo comediante Louis C. K. (que também dirige, produz e edita a série), nos coloca é diante de um mundo sombrio, de situações potencialmente reais, que, apesar de serem abordadas de uma forma cômica, conseguem nos constranger e nos fazer repensar nossa própria postura diante dos temas que são retratados. Outra característica marcante na série é fato de ela fazer piadas com temas sérios e polêmicos, não se impondo limites quanto a isso, o que é um ponto bastante positivo em um cenário em que a autocensura aparece velada sob a alcunha de senso de politicamente correto.
Louis C. K. interpreta a si mesmo na série, na trama ele tem 43 anos e ganha a vida fazendo shows de stand-up e pequenos especiais para a TV. Ele se divorciou depois de nove anos de casamento e divide a guarda de suas duas filhas, uma de quatro anos e a outra de nove, com a ex-esposa. Pode-se dizer que o foco da série está no cotidiano nada atraente do 'personagem', na relação dele com as filhas, no seu trabalho e em suas tentativas frustradas de se relacionar com as mulheres. O universo pelo qual Louie transita não possui grandes atrativos, uma vez que o personagem não tem uma vida cheia de realizações ou de feitos capazes de despertar a nossa admiração ou inveja. O que torna a série tão interessante é a perspectiva pela qual as histórias de cada episódio são contadas e a visão de mundo emprestada pelo próprio Louis C. K., uma visão pessimista e amarga, porém muito bem humorada.
É natural que nos primeiros episódios as séries tentem mostrar a que veio, são nestes capítulos que elas nos apresentam seus personagens, o contexto no qual eles estão inseridos e o tipo de abordagem que sua narrativa explorará. No caso de Louie, a sequência que abre o segundo episódio tem a capacidade de sintetizar tudo isso em pouquíssimos minutos, ela mostra Louie em uma descontraída reunião com amigos, todos eles também comediantes. É uma passagem simples, mas a partir dela já podemos identificar diversos aspectos que serão recorrentes em toda a série, dentre eles o fato do personagem se relacionar na maioria das vezes com pessoas ligadas ao seu trabalho ou à alguma outra instância de seu cotidiano, como por exemplo a escola das filhas. Nesta sequência percebemos ainda a visão de mundo peculiar e sarcástica que a série adota, o que fica evidente pelos comentários feitos por cada um dos personagens.
No entanto, o ponto mais interessante da passagem citada acima surge quando um dos personagens, Rick, o único gay dentre eles, se torna o alvo das atenções, todos começam a lhe fazer perguntas sobre como é uma transa com outro homem e sobre as festas gays que ele frequenta. Em dado momento, Rick diz que não se importa quando um comediante faz piada sobre homossexuais, mas ele defende que o termo "faggot", expressão pejorativa usada para se referir aos gays, é pesado demais e pode machucar dependendo da forma com que é usado no palco. Rick então conta uma história triste que revela a origem do termo e todos ficam sérios. A conversa, que até então se mantivera em um nível amistoso, adquire um novo tom, a câmera mostra cada um dos personagens que estão na mesa e enfatiza suas expressões de constrangimento e culpa, até que um deles subitamente diz: "tudo bem viado (faggot), vamos nos lembrar disso" e todos riem, inclusive Rick, que abraça o autor do comentário e lhe dá um beijo na testa.
Nesta passagem é como se a série estivesse dizendo para nós expectadores: "este é o meu tipo de abordagem, este é o estilo de humor que explorarei daqui pra frente". A piada feita ao final da sequência mostra até onde o roteiro se dispõe a chegar, no entanto, ela não elimina o desconforto causado pelo momento em que a conversa se tornara mais séria. Ainda neste mesmo episódio há uma outra passagem que também discorre sobre o mesmo tema, o preconceito, juntas estas duas sequências propõem uma reflexão sobre o assunto, deixando no ar mais perguntas do que respostas. Ao caçoar de nossa própria limitação e de nossos preconceitos e vícios de caráter, a série nos constrange e é neste constrangimento que está a sua grande sacada, pois esta sensação nos leva a pensar sobre o quão absurdas são cada uma das situações abordadas, situações estas que podem ser tão comuns em nosso próprio cotidiano.
Apesar dos temas mais sérios serem predominantes, a série não abre mão das piadas mais nonsenses e deste viés menos pretensioso também surgem grandes momentos, como a visita de Louie ao médico interpretado por Ricky Gervais e a discussão com uma garota que está na platéia em um de seus shows de stand-up. A alternância entre cenas que mostram Louie se apresentando como comediante e as que retratam seu cotidiano lembram o formato de Seinfield, série já clássica criada por Larry David e Jerry Seinfeld. A semelhança entre as duas produções, no entanto, não para por aí, ela está também no fato de ambas retratarem uma versão fictícia da vida de uma personalidade real e em suas propostas de não adotar uma temática específica, justificando, em ambos os casos, a classificação que era dada a Seinfield nos anos 90, a de uma série sobre o 'nada'. A diferença entre as duas está no fato de que o humor de Louie é bem mais ácido e contundente e nela o 'nada' é bem mais sombrio e incômodo.
Louis C. K. está realmente muito bem em cada uma das funções que ele exerce na produção, a série é muito bem escrita, dirigida e editada e ela se destaca ainda pelas excelentes atuações, todo o elenco está muito bem, inclusive os personagens secundários e as garotinhas que interpretam as filhas de Louie. O orçamento relativamente baixo que a série teve não foi, no fim das contas, um empecilho, apesar do formato não ser totalmente novo, Louie se destaca por ser uma série bastante original, que nos faz rir sem ser idiotizante e que nos induz a pensar sem ser panfletária. Uma produção digna dos mais calorosos aplausos. Recomendo!
Em 2011 Louie foi indicada ao Emmy de Melhor Ator em Série de Comédia (Louis C. K.) e de Melhor Roteiro para uma Série de Comédia (pelo episódio "Poker/Divorce"), neste ano a série ganhou o prêmio de Melhor Roteiro para uma Série de Comédia (pelo episódio "Pregnant"), tendo sido indicada também nas categorias de Melhor Direção (pelo episódio "Duckling") e Melhor Ator em Série de Comédia (Louis C. K.).
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,
Comédia não é meu forte. Em termos de série, só gosto de The Big Bang Theory.
ResponderExcluirPorém, ao ler que essa é uma comédia que nos faz pensar fico com a sensação de que merece uma visita desse fã de cinema.
Abraços
Louie chamou muito minha atenção pelos dois prêmios que Louis C. K. ganhou no Emmy deste ano. Com esta resenha, então, a série me pareceu ainda mais interessante!
ResponderExcluirAbraços!
Parece muito boa essa série e pelo que vc falou parece bem irreverente. Vou dar uma olhada no youtube.
ResponderExcluirBrunão, mais uma bela resenha essa sua! Vc é o cara sempre!!!!!!
Poxa, gostei.
ResponderExcluirBruno, eu adoro séries, sou fã de Law&Order, Law&Order SVU, Grimm, C.S.I., House, etc... prefiro esses gêneros de séries, e entre as comédias,costumava ver Monk, Psych, Two and a Half Men e The Big Bang Theory. Algumas da tv aberta também já vi e gostei, como Todo mundo Odeia o Chris, rs. ...
Nem vou dizer nada sobre a resenha, só que está perfeita (como sempre...), vou é te fazer uma pergunta: onde passa essa serie?
Abração!
Interessante resenha, parece ser mt interessante Bruno!
ResponderExcluirUm abraço!
Olá, José Bruno.
ResponderExcluirEu não gosto muito de humor stand up, que tende a ser sem graça na maior parte das vezes, mas parece que não é esse o foco dessa série.
Valeu pela indicação.
Abraço.
Assisti as 4 temporadas este ano e é realmente sensacional. Caminha na linha entre o engraçado e o reflexivo... consegue não ser uma comédia forçada ou panfletária, como você mesmo falou
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