Fanny e Alexander (Fanny och Alexander) - 1982. Escrito e dirigido por Ingmar Bergman. Direção de Fotografia de Sven Nykvist. Música Original de Daniel Bell. Produzido por Jörn Donner. Cinematograph / Suécia|França|Alemanha.
Na época da faculdade, quando conseguimos que a biblioteca da instituição liberasse os DVDs de seu acervo para empréstimos, um dos primeiros filmes que peguei foi O Sétimo Selo (1956), aquele seria o meu primeiro contato com a obra de Ingmar Bergman. O impacto que o filme me causou foi algo que até então eu não tinha experimentado, eu já tinha assistido outros filmes autorais e considerados “difíceis” pelo senso comum, no entanto nenhum destes tinha ido tão longe quanto aquele foi, nenhum fora tão icônico, filosófico e ao mesmo tempo belo e perturbador. Minha admiração e respeito pelo talento e estilo singular do diretor sueco só aumentaria após eu assistir outras de suas obras primas como Morangos Silvestres (1957) e Persona (1966).
É praticamente impossível tecer qualquer análise sobre a filmografia de Bergman sem correlacioná-la à sua própria vida, pois em cada um de seus filmes há um pouco de seu pensamento e principalmente de seus sentimentos, artista e arte se misturam em produções que fazem jus ao rótulo de “cinema de arte”, o que não quer dizer que suas obras sejam facilmente rotuláveis, pois transitam por gêneros distintos, que vão da comédia ao drama, sem se perder pelo caminho, como frequentemente acontece. O estilo de Bergman ficaria marcado pelo forte teor filosófico e existencialista de seus filmes, alguns o acusam de ser pessimista e de estar completamente desacreditado na humanidade, o que não é de todo uma verdade. O onirismo de seus trabalhos, os transformam em alegorias da realidade observada e/ou vivenciada, e como tal eles podem indicar um caminho ou uma saída, que nem sempre se baseiam em preposições realista ou racionais.
De todos os filmes de Bergman, Fanny e Alexander (1982) talvez seja aquele em que a presença de seu eu lírico esteja mais evidente, é também a mais “acessível” de suas obras, mas isso não a torna menor ou menos complexa que os outros longas que citei acima. Tal como Fellini fez em Amarcord (1973) e Giuseppe Tornatore em Cinema Paradiso (1988), Bergman recorreu à memórias da infância para a construção da trama. O cineasta carregou por toda a sua vida as marcas da repressão religiosa, que vivenciara em casa na sua meninice, seu pai era um pastor luterano, que o castigava constantemente, principalmente lhe imputando sentimentos de culpa acerca de pecados. O autoritarismo do pai destruiria a relação entre eles. Viria da quebra deste vínculo familiar a principal motivação da descrença do cineasta nas instituições religiosas e de seus questionamentos acerca da natureza divina.
Na história, o menino Alexander (Bertil Guve) é uma espécie de alter-ego de Bergman, ele vive com os pais e a irmã Fanny (Pernilla Allwin), em um imenso casarão que pertence à sua avó materna. Seu avô fora o diretor do teatro da cidade e após a morte dele, o seu pai assumiu a administração. Toda a família está direta ou indiretamente ligada ao teatro e Fanny e Alexander têm uma vida cheia de amor, carinho e tudo o mais que uma criança poderia querer. A repentina morte do pai, no entanto muda completamente a vida dos meninos. A mãe deles se casa com um severo bispo Luterano, que a trata a partir de então como uma serva e as crianças como prisioneiros, quando ela percebe o erro cometido ao se casar de novo, já é tarde demais para tentar voltar atrás. Os tempos bons que ficaram para trás se tornam cada vez mais distantes. Apenas Alexander tem dentro de si uma rota de fuga, que pode o levar de volta para os tempos de alegria.
O desfecho do filme é carregado de significados não aparentes e simbolismos, tão presentes em toda a filmografia do diretor. O constante entrelaçamento de sonhos e realidade expõe a visão artística de Bergman, que nos revela um olhar do cineasta/menino sobre sua própria vida e sobre a arte. Em uma entrevista ele chegou a comentar: “O privilégio da infância é podermos transitar livremente entre a magia da vida e os mingaus de aveia, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites (...) Eu sentia dificuldade para distinguir entre o que era imaginado e o que era real...” Uma das características da infância, que Bergman conseguiu preservar em sua obra, é a imaginação de uma outra realidade, que possa substituir a realidade de fato, por uma outra, mais lúdica, poética e que possa representar um significado maior que o vazio existencial. Não é Exagero dizer que Ingmar Bergman é o próprio cinema, ninguém mais que ele personificou tão bem o que pode ser que seja a sétima arte.
Ingmar Bergman é essencial para qualquer um que se diga cinéfilo e Fanny e Alexander é uma boa pedida para quem ainda não se aventurou pela riquíssima obra deste gênio do cinema. A fotografia e a direção de arte do filme são impecáveis, o que o confere uma beleza estética estonteante, porém este não é o foco do filme, apesar de ser uma obra completa, sua beleza visual faz pouca diferença para a trama, que nos convida a observar não o exterior, mas o interior de cada um dos personagens, os cenários e locações seriam, quando muito, uma extensão do corpo e da alma dos personagens que os habitam. Não sei dizer se Fanny e Alexander representou realmente uma despedida de Bergman do cinema como o dizem alguns críticos (depois deste filme, até sua morte em 2007, ele só produziu obras para a TV), mas é de fato uma das melhores representações do que de fato é o cinema. Recomendadíssimo!
Fanny e Alexander ganhou o Oscar nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia, Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte, tendo sido indicado também nas categorias de Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original. O filme ainda ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, tendo também uma indicação ao prêmio na categoria de Melhor Diretor.
Gostei da escolha e também das palavras escritas em seu perfil.
ResponderExcluirSe pararmos para pensar bem, veremos que todos estamos entorpecidos por alucinações artísticas e literárias; alguns, somente, tem coragem de admitir isto.
Abs.
A temática religiosa no filme, associada à imaginação infantil, é marcante no filme. Na casa da avó, as crianças vivem numa família católica, o natal é festejado com muito vinho, seia farta, presentes, numa casa pomposa, veludos, velas, dourados, quadros, permissividade, erotismo... O pai de Fanni e Alexander morre, e a mãe se casa com um pastor luterano e vão morar numa casa que é o oposto da primeira: embora majestosa, é austera, fria, fúnebre, úmida. Alexander tem visões, diz à governanta do pastor que viu o fantasma da ex-mulher do pastor, que lhe conta que ele a teria prendido junto com as duas filhas gêmeas no sótão do casarão, sem comida e sem água, elas tentam fugir e morrem afogadas no rio caldaloso que cerca a casa do pastor. Um judeu, amigo e amante da avó dos meninos, vai salvá-los. Leva as crianças para a sua casa dentro de um baú, e o pastor tem uma visáo de que as crianças estariam no quarto, quando na verdade já estavam no baú. Ao chegarem na casa do judeu, fantasmagórica, misteriosa, repleta de imagens e objetos simbólicos, vive um bruxo. Enquanto isso, na casa do pastor, ocorre um incêndio e o pastor morre, ao mesmo tempo em que o bruxo narra a morte do pastor ao pé do ouvido de um assustado de Alexander. Livres, as crianças voltam para o aconchego do lar católico da avó, que dá colo a Alexander e lê um livro para ele dizendo que a realidade e a imaginação se confundem... Enfim, catolicismo, protetantismo, judaísmo e bruxaria são apresentados nesse filme genial....
ResponderExcluirAssisti hoje esse filme, sou um fã inegável do Bergman, primeiramente o filme me causou um certo estranhamento, pois esperava muita melancolia (tendo como base outros filmes que assisti do mesmo), mas depois entendi que dessa vez teria um pouco de tudo, o sexo, a religião, o sentimento da chegada da velhice, dramas subjetivos através de cada personagem, a infidelidade tratada com uma naturalidade tão informal e enfim, a realidade escrachada.
ResponderExcluirAcredito que Bergman tenha utilizado um pouco de cada história de seus filmes anteriores e que a grande mensagem do filme é que na vida existe um pouco de tudo, só temos que saber como viver e conviver com cada diferença.
Gostei muito da sua crítica.
Marcos
Gostei muito da aliar do filme. Parabéns
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