Irreversível (Irreversible) - 2002. Escrito e dirigido por Gaspar Noé. Direção de Fotografia de Benoît Debie e Gaspar Noé. Música Original de Thomas Bangalter. Produzido por Christophe Rossignon. 120 Films, Eskwad, Grandpierre, Les Cinémas de La Zone, Nord-Ouest Productions, Rossignon e Studio Canal / França.
NÃO RECOMENDO IRREVERSÍVEL! Antes de escrever qualquer outra coisa sobre este filme de Gaspar Noé, é preciso deixar isso bem claro. Além de ser do tipo “não recomendável para qualquer um”, o longa não justifica, ao menos em minha opinião, o status de obra prima, que alguns lhe atribuem, apesar de ser sem dúvidas um dos filmes mais ousados que já assisti, Noé avançou limites até então intransponíveis no cinema. Resguardadas as devidas proporções, o efeito deste foi semelhante ao provocado pelo lançamento de O Último Tango em París (1972) de Bertulucci. Irreversível (2002) é polêmico, forte, nojento e incômodo, como nem Lars Von Trier jamais foi, nem em seus filmes mais pesados. Na ocasião de seu lançamento o filme dividiu as opiniões da crítica especializada, uns o consideravam um atentado contra tudo que se tinha como aceitável e outros o reconheceram como pura arte.
Duas sequências brutais do filme entrariam para a história: a primeira é um espancamento que acontece já nos primeiros minutos, o agressor destrói o rosto de um homem com golpes dados com um extintor de incêndio; na segunda, uma personagem é violentada, em uma passagem filmada em apenas um take, com mais de 10 minutos de brutalidade. Apesar do peso de cenas deste tipo, este não foi o aspecto que me incomodou, a minha decepção foi motivada pela perda do ritmo a partir da segunda metade do filme. A narrativa criada é linear, porém contando os fatos da trás para frente, com constantes cortes que nos levam aos acontecimentos antecedentes. Tal proposta é louvável, porém ao contrário de Chistopher Nolan, que conseguiu dar ao ótimo Amnésia (2000 – que também é desenvolvido ao reverso) dois clímax, um no início e outro no final, Noé mantém o ápice de sua história apenas nos primeiros takes.
Da metade para o final, a câmera inquieta que girava ensandecida pelas locações se tranquiliza, a trilha sonora construída com fragmentos sonoros estranhos vai se normalizando, passando a ideia de que a “viagem” acabou, ou ainda não tinha começado. O filme se torna então menos incômodo, mas também menos atrativo, Gaspar Noé começa o processo de desconstrução dos seus personagens, o que poderia ser a melhor parte do filme, se transforma em algo vazio, sem muitas novidades. O que se percebe é que a montagem foi valorizada em detrimento da trama, que se fosse um pouquinho mais complexa, poderia afastar ainda mais os cinéfilos da obra. O cineasta pecou, no meu modo de ver, por não levar também a história em si até o limiar da experimentação.
A história de Irreversível começa com o espancamento que já mencionei acima. Nesta sequência, Marcus (Vincent Cassel) entra em uma boate gay a procura do estuprador de sua namorada, a bela Alex (Monica Bellucci), ele se envolve em uma violenta briga e iria se dar muito mal se não fosse salvo pelo amigo Pierre (Albert Dupontel), que ataca o homem com o extintor de incêndio. À medida que a história avança/retrocede, vamos conhecendo um pouco sobre cada um dos três e compreendendo a sequência de acontecimentos que levaram ao final trágico. O chato é que a trama não passa disso, como disse, o clímax está apenas no início. A história abre caminho então para reflexões acerca do tempo, do destino e da consciência, o que até salva esta segunda metade do filme de ser completamente descartável.
Gaspar Noé escolheu filmar no formato 16mm, para assim ter mais liberdade de movimentação com a câmera, que poderia ser bem menor e mais prática do que alguns dos modelos usados na captação do formato mais comum, o de 35mm. Noé usa requintes de crueldade para provocar o desconforto de quem assiste ao filme. Nas primeiras cenas a câmera gira, como se quisesse nos colocar na mesma perspectiva do personagem que ela persegue, os movimentos rápidos e aparentemente entorpecidos aumentam a sensação de incômodo, o que parece ter sido a principal intenção do diretor. A trilha sonora também é usada com o mesmo intuito, em algumas sequências a cena é preenchida com um ruído baixo e grave, gravado na frequência de 28Hz, que pode causar náuseas e tontura em quem ficar exposto à ele por muito tempo.
Ao contrário do que alguns críticos entusiastas previram acerca das opiniões sobre o filme, o meu pensamento sobre ele não foi determinado pela brutalidade de suas cenas. Eu nem o considero, como fizeram alguns que o criticaram, um motivador ou banalizador dos tipos de violência que retratou, apenas acredito que ele poderia ter sido melhor e mais grandioso em termos de conteúdo. Concluo portanto que Irreversível é ousado, agressivo e até brilhante em alguns momentos, porém sem conseguir nos livrar da sensação de que algo de muito importante está faltando...
Irreversível foi indicado à Palma de Ouro em Cannes
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