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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Exit Through the Gift Shop

Exit Through the Gift Shop - 2010. Dirigido por Banksy. Música Original de Roni Size. Produzido por Holly Cushing, Jaimie D'Cruz e James Gay-Rees. Paranoid Pictures / USA | UK.


Exit Through the Gift Shop estreou em 2010 no Festival de Sundance, o maior do cinema independente americano, desde então ele tem causado controvérsias entre críticos, cinéfilos e apreciadores da street art, tema sobre o qual ele discorre. Em 2011 ele foi, por ironia do destino, indicado ao Oscar de Melhor Documentário, prêmio que perdeu para Trabalho Interno, a indicação recebida foi irônica porque uma das maiores polêmicas em torno dele se deve ao fato de que não se sabe ao certo se ele pode ou não ser considerado um documentário - abordarei isso mais adiante. Antes mesmo de sua estreia ele já estava causando frisson, afinal o realizador por trás dele era ninguém menos que Banksy, o grafiteiro inglês que tem sacudido os circuítos internacionais de arte com suas obras politizadas e sarcásticas, que estão espalhadas por diversas partes do mundo. 

Não se sabe ao certo qual a verdadeira identidade de Banksy, nem se ele seria de fato uma única pessoa, ou um grupo agindo sob um pseudônimo e boa parte do alarde que se tem feito em torna da obra dele é motivado pelas contradições entre a postura anárquica que ele adota e aquilo no que sua produção tem se transformado; de um contraventor ele passou a um renomado artista, cujas obras são vendidas a preços milionários em algumas das galerias mais importantes do mundo. De alguma forma tais contradições se refletem no filme dirigido por ele, talvez mais que isso até, há a possibilidade de que o filme seja tão somente sobre elas... Ao analisarmos Exit Through the Gift Shop perceberemos que ele funciona como uma profunda reflexão sobre o consumo e a criação artística no mundo contemporâneo.


A sequência de abertura do filme é simplesmente maravilhosa, ao som da canção Tonight The Streets Are Ours de Richard Hawley, ela mostra diversos grafiteiros em ação na noite, o resultado de suas intervenções no ambiente urbano e a repressão policial à elas. Neste primeiro momento entramos em contato com aquilo que seria a essência da street art: contestação e contravenção. Em seu decorrer o suposto documentário mostra como estes elementos são absolvidos pela indústria cultural se tornando desta forma inofensivos e rentáveis. A agitação artística vinda das ruas, que chega a ser apontada em determinado momento como o "maior movimento contra-cultural desde o punk", vai pouco a pouco sendo superficializada e incorporada pela cultura pop, que cria a partir de então mitos e ídolos em torno dela. O próprio Banksy seria transformado em um mito e em seguida em um ídolo, contudo, para a decepção de alguns, a personalidade focada pelo filme não é ele, mas um francês radicado em Los Angeles chamado Thierry Guetta.


Após a introdução, Banksy aparece (com o rosto oculto, lógico) para apresentar o assunto que seu documentário abordará: A trajetória do francês aficionado pela street art. Guetta tinha se tornado obcecado por registrar com uma câmera cada momento de sua vida, tal compulsão começara depois que sofreu um grande trauma, que lhe trouxe a compreensão do quanto as sensações que vivemos são efêmeras. Ele entra em contato com a arte de rua pela primeira vez quando viaja à França para passar uma temporada com um primo, o respeitado grafiteiro Space Invader. Num rompante que beira à insanidade ele se torna tão obcecado pela contra-cultura quanto pelas suas filmagens do cotidiano e não demora muito e ele mescla as suas duas paixões, á princípio ele começa a sair junto com o primo para filmar suas incursões pela noite e logo em seguida ele passa a acompanhar também outros grafiteiros, ele convence a todos que está produzindo um documentário... 


Os caminhos de Thierry Guetta e Banksy acabam se cruzando e surge uma relação de amizade e respeito mútuo entre eles, o francês passa a acompanhar o grafiteiro e este aposta suas fichas no documentário que ele estava produzindo. Ao descobrir que toda a proposta do novo companheiro não passava de uma grande farsa, Banksy decide tomar as rédias da produção do filme e colocá-lo para escanteio. Para afastá-lo da ideia de continuar trabalhando no documentário, Banksy o convence a começar a produzir sua própria arte. Mesmo sem ter talento, Guetta, em mais um rompante de insanidade, adota o codinome de Mr Brainwash, vende tudo o que tem e investe em um trabalho megalomaníaco que tinha tudo para dar errado, mas que incrivelmente não dá. Da noite para o dia ele se torna o mais novo ídolo forjado pela indústria cultural. Sua obra não tem qualquer essência e não passa de uma remontagem de formulas bem sucedidas já usadas por artistas renomados como Andy Wharol, ele se torna então o maior símbolo de algo que sequer existe...  


A grande questão envolta nesta história é: Thierry Guetta é de fato real, ou só um personagem criado por Banksy, ou ainda, quem sabe seja ele o próprio Banksy? O filme deixa durante seu desenvolvimento diversos indícios que são capazes de alimentar a teoria de que Exit Through the Gift Shop se trata na verdade de um pseudo-documentário. Guetta, por exemplo, nos parece caricato demais para ser real e suas atitudes são em diversos momentos absurdas demais de tão improváveis que são. Nas cenas que mostram trechos das filmagens que ele fez de sua família, nas quais aparecem a esposa e os filhos dele,  tem-se a impressão de que são imagens previamente preparadas para parecem naturais, mas que não conseguem sê-lo. Em outros momentos, a própria reflexão proposta pelo filme nos induz a questionar sua veracidade... Afinal, estaríamos nós nos comportando em relação ao filme, tal como os fãs de Guetta diante de suas pseudo obras de arte? Pois é, é algo a se pensar... 


Se este for de fato um pseudo-documentário, ele será sem dúvida a maior e mais brilhante de todas as obras de Banky, mas independente disso, os questionamentos levantados por ele em relação a produção artística são totalmente pertinentes, o fenômeno que vemos acontecer na vida de Thierry Guetta é o mesmo que já estamos cansados de testemunhar no cinema, na música, na literatura e em tantas outras formas de expressão, que têm sido reduzidas à meros produtos, fabricados em escala industrial para satisfazer a um público ávido por entretenimento empobrecido de significações e de efeito passageiro. 

Em uma das últimas cenas do filme Guetta diz: "Espere até o fim da vida e verão se eu sou uma lebre ou uma tartaruga"; esta citação pode parecer desconexa, mas talvez ela tenha muito a dizer sobre Banksy e seu filme... Exit Through the Gift Shop é uma obra de difícil conceituação, daquelas que parecem escapar de qualquer rótulo pre-existente, isto potencializa ainda mais sua condição de obra de arte e sua capacidade de nos provocar as mais diversas reações... é um filme indispensável para qualquer um que se propor a pensar a produção artística como fato social. Ultra recomendado! 


Exit Through The Gift Shop foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário. No BAFTA ele recebeu uma indicação na categoria de Melhor Estreia de Roteirista, Diretor ou Produtor Britânico (Banksy e Jaimie D'Cruz).

Assistam ao trailer de Exit Through the Gift Shop no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade o artigo 


18 comentários:

  1. Parece muito interessante, mas tem que gostar do assunto pra assistir até o final... Eu sou meio Nerd, acho que consigo e ainda gosto. Hahahahahahahahhaha.

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    1. Ai que você se engana André, não é nem de longe um filme que poderia ser taxado de "nerd", o cunho político e libertário do conteúdo dele o distancia bastante deste "rótulo"... Acho que você gostaria muito dele, se tiver oportunidade não deixe de assistir!

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  2. Não tinha ouvido falar desse filme, mas parece ser bom.

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    1. É ótimo Gilberto, se eu o considerasse de fato um documentário, ele seria um dos melhores que vi nos últimos anos (só perdendo para o "Pina")...

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  3. Oi Bruno,

    Tudo bem? Não conhecia o filme, mas a questão dos grafiteiros da forma que você narrou, diria que é sublime enquanto arte.

    Bom final de semana!

    Lu

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    1. Todo o filme é sublime Luciana, ele deve ser assistido por todos amantes e estudiosos da arte em geral, pois a reflexão que ele propõe é de grande relevância!

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  4. Caraca! Adoro filmes assim, nao tinha visto esse ainda ! Adorei a resenha , massa ! Beijao, spiderwebs.tk

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    1. Obrigado Sabrina!
      Não dixe de assisti-lo se você tiver oportunidade!

      Beijão!

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  5. Boa tarde, José Bruno.
    Eu não conhecia este curioso artista chamado Bansky.
    O curioso do meio artístico é que alguém cria algo novo, se destaca, e aí este "novo" se torna tão repetitivo que cai por terra,sendo esquecido.
    Valeu pela dica, um abraço e um bom final de semana pra ti, José Bruno.

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    1. É justamente sobre esta transitoriedade e efemeridade da arte que o filme fala Jacques, lhe recomendo o o post que escrevi sobre o Banksy no ano passado, o link está acima, no final do post...

      Abraço forte amigo!

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  6. Não conhecia esse filme José Bruno. Nem mesmo recordava-me de sua indicação ao oscar de melhor não-ficção. Sou um timido entusiasta da street-art e fiquei extremamente curioso em conferir esse filme para tirar minhas conclusões. Já estou catando-o aqui. Ótimo texto. Parabéns!!!

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    1. Não deixe de assisti-lo Wilson, a reflexão que ele propõe transcende a street-art e pode ser facilmente associada à outras expressões artísticas, como o próprio cinema!

      Fico feliz que você tenha gostado do texto!

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  7. Bruninho,
    tudo bem?
    Não sei porque que penso que o Thierri e o Banski são a mesma pessoa...
    já ouvi falar no Banski, mas não sabia desse filme, por incrível que parece eu estou meio fora de "cena" rsrs na programação. Mas adorava acompanhar tudo sobre o Sundance.
    Olha, fiquei curiosa, pois me parece que pode ser uma oportunidade plástica/visual imensa esse filme, no mínimo.

    Bruno, adorei teu comentário por lá no Humoremconto. Minhas pretensão foi fazer uma crônica bem-humorada sobre beleza física, óbvio, utilizei minha visão feminina.Sempre aguardo teus comentários, pois sei que haverá palavras inteligentes e autênticas, e foi o caso.
    Beijos e ótimo domingo!

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    1. Olá Cissa, eu também não duvido que eles sejam a mesma pessoa, isso explica muita coisas que nos parece estranha no 'documentário', você precisa assisti-lo, precisamos conversar sobre ele depois!

      Eu entendi a proposta em sua crônica, e gostei muito do texto! Abração querida!

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  8. Oi J.Bruno!
    Sabe o que acho interessante? É me deparar com essas obras de documentário que tratam de questões tão interessantes e intrigantes que aguçam nossa mente.
    Bom eu gostei do filme dos Vingadores..fui meio que sem tanta expectativa e me surpreendi...fazia tempo que não via um bloock buster tão bom. Eu não assisti alguns filmes individuais como o do Hulck mas isso de nada afetou o final sabia? Os cosplays podem não ter ficado perfeitos mas é fato que essa roupa é quase impossível de fazer rs.
    bjs

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    1. Olá Tsu, de fato "Exit Through the Gift Shop" cumpre muito bem tudo isso que você disse, não deixe de assisti-lo!

      Já estou com uma cópia de "Os Vingadores", mas desisti de assistir por conta da qualidade, acho que terei que esperar uma cópia melhor, ou o lançamento do DVD aqui no Brasil...

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  9. Zé, cuidado com essas afirmações: envolver ficção num documentário ou até mesmo forjar seus eventos não torna o filme um pseudo-documentário. Vide Fellini, que fazia isso direto, entre vários outros. Enfim, ainda não vi o filme, embora morra de curiosidade e várias pessoas tenham me dito que é realmente brilhante. Tenho no PC e conferirei o mais rápido possível!

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    1. Olá Julio, a conceituação de documentário tem gerado polêmicas e sido tema de diversos estudos e teses nos últimos anos, mas no geral a polêmica se dá no tocante ao formato. No caso de "Exit Through the Gift Shop" a possibilidade de Thierry Guetta não ter existido coloca em cheque a premissa fundamental do documentário, que é ter o seu foco voltado para algo que seja real. Ainda que na transição para a linguagem cinematográfica, de acordo com o formato, tal realidade seja distorcida, desconstruída ou manipulada, a priori ela fora real... Se partirmos da ideia que mesmo com a inexistência da personalidade documentada este film é um documentário, "A Bruxa de Blair" também o seria...

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