A Invenção de Hugo Cabret (Hugo) - 2011. Dirigido por Martin Scorsese. Escrito por John Logan, baseado na obra de Brian Selznick. Direção de Fotografia de Robert Richardson. Música Original de Howard Shore. Produzido por Martin Scorsese, Graham King, Johnny Depp e Tim Headington. Paramount Pictures / USA.
“Tudo tem um propósito até as máquinas. Os relógios dizem as horas, os trens levam a lugares... Por isso as máquinas quebradas me deixam triste, não servem aos seus propósitos. Talvez seja assim com as pessoas. Perder o nosso propósito é como estar quebrado... Imaginava que o mundo inteiro era uma grande máquina. As máquinas nunca vêm com peças sobressalentes, vêm sempre com a quantidade certa que precisam. Então entendi que se o mundo fosse uma grande máquina, eu não poderia ser uma peça sobressalente. Eu tinha que estar aqui por alguma razão...”
A citação acima é dita por um dos personagens em um dos momentos mais belos de A Invenção de Hugo Cabret (2011), a mais recente obra de Martin Scorsese, que tem como um dos motes esta busca por um propósito maior, que seja capaz de dar um sentido real à existência de cada um. O curioso é que o filme nos mostra que o diretor parece ter encontrado a sua razão de ser, ele parece ter descoberto qual o seu propósito e o reflexo disso está visível na trama cheia de poesia e no personagem central, o menino Hugo, que seria no filme uma espécie de alter-ego não só do cineasta, mas de todos nós que compartilhamos com ela a paixão pela sétima arte. Ao contrário de outros realizadores que se tornam mais amargos á medida que envelhecem, Scorsese parece estar vivendo em paz, em harmonia com o propósito ao qual tem se dedicado: O cinema como expressão artística. Ele fundou há alguns anos a The Film Foundation, empresa através da qual ele tem investido e batalhado para restaurar obras primas do cinema clássico que corriam o risco de serem perdidas para sempre. No filme um dos personagens trava esta mesma batalha contra o decorrer do tempo, tão imperdoável para algumas obras e para tantos artistas.
Se O artista (2011), uma produção francesa de Michel Hazanavicious, exalta a Hollywood clássica da era dos filmes mudos, A Invenção de Hugo Cabret, um filme americano, vai na contramão, ele faz ode é aos primórdios do cinema, que aconteceu na França dos irmãos Lumiére e de Georges Méliès. Com um misto de aventura, poesias e sonhos, Scorsese cria não uma simples referência aos filmes de outrora, como fez Hazanavicious, mas uma convergência sublime entre o clássico e o novo. Penso que não foi a toa o fato de ele ter decidido experimentar a tecnologia 3D justamente neste longa. Assisti-o no tradicional formato 2D (o que lamento pela primeira vez), mas o que se tem dito é que esta é até então a melhor utilização do recurso, que neste caso serve aos propósitos narrativos e não tão somente como o já manjado truque de jogar objetos contra a tela. A tecnologia de ponta convive na produção com a mágica dos efeitos usados nas primeiras obras cinematográficas. Com este filme, Scorsese pede benção e tira o chapéu para Méliès, o pai dos efeitos especiais, em uma das mais belas e emocionantes homenagens do cinema ao próprio cinema.
Hugo vivia com o pai (Jude Law), um habilidoso relojoeiro, com quem ele aprendeu o ofício e o gosto por consertar as coisas quebradas. Após a morte trágica da pai, ele fica órfão e é levado por um tio, um bêbado contumaz, para trabalhar em uma grande estação ferroviária de Paris. Como o tio está sempre ébrio, é o menino que se torna o responsável pela manutenção do relógio da estação, contudo ninguém sabe que ele vive lá, ele está sempre escondido na torre do relógio ou em de passagens que se esgueiram por dentro das paredes do prédio, sem nunca sair de suas dependências. De frestas, janelas, ou de pequenos basculantes Hugo observa o dia-a-dia do lugar, como um expectador que acompanha o drama e a alegria das personagens que estão ao seu redor. Por causa do descaso do tio, ele passa a furtar nas lojas da estação para se alimentar e em busca de peças para consertar um autômato (uma espécie de robô), que seu pai lhe deixara e que ele acredita trazer consigo uma última mensagem (aspecto que me lembrou a trama de Tão Forte e Tão Perto).
Mesmo Hugo sendo um tanto arredio, o destino irá se encarregar da fazer com que o seu caminho se cruze com o de algumas pessoas quen lhe ajudarão a descobrir qual o seu verdadeiro propósito, dentre eles estão o rabugento Georges (Ben Kingsley), um comerciante local, e Isabelle (Chloë Moretz), uma garota criada por ele. Mas como a vida nem sempre é tão fácil, Hugo para conseguir continuar vivendo na estação terá que fazer o possível para não ser pego pelo inspetor do local (Sacha Baron Cohen), que não tolera órfãos e encaminha todos com quem encontra para um temido orfanato. De uma forma tão bela, que é capaz de nos levar ás lágrimas, a trama liga a estória destes personagens aos primeiros anos do cinema na França e à magia das primeiras produções... Não pretendo revelar mais nada para não quebrar assim o encanto que o filme é capaz de nos proporcionar.
Algumas das cenas mais lindas do filme são aquelas nais quais são usados trechos de obras dos primeiros anos do cinema, não há cinéfilo que resista, dentre as produções citadas estão clássicos como A Chegada do Trem na Estação (1986), Viagem à Lua (1902), O Grande Roubo de Trem (1903) e A general (1927). A homenagem de Scorsese ao cinema é tão apaixonante porque sua reverência não é feita ao cinema como indústria, mas o cinema como arte, como criação onírica capaz de nos conduzir às nossas peças perdidas e nos mostrar, não quais são os nossos propósitos, mas que eles existem e que devem ser descobertos. Ouso dizer que A Invenção de Hugo Cabret é um filme de arte concebido pelas engrenagens da indústria cultural e concluo que o que faz toda a diferença é a direção e a carga autoral que Scorsese confere e ele. Nas mãos de outras cineastas, como Spielberg por exemplo, o filme correria um risco bem maior de se tornar raso e maniqueísta, o que definitivamente não é o que acontece nas mãos deste verdadeiro mestre.
A Invenção de Hugo Cabret beira á perfeição em praticamente todos os aspectos, atuações, trilha sonora, figurinos e principalmente direção de arte. Ao assisti-lo preste atenção nos detalhes que compõem cada quadro, os objetos cenográficos, os brinquedos, os cartazes de clássicos do cinema espalhados por toda a estação e tantas outras pequenas coisas, que sem a atenção necessária passariam desapercebidas... Desconsidere os rótulos e as classificações que a crítica especializada tem atribuído ao filme, pois ele é bem mais que um filme infantil, ou uma mera homenagem saudosista aos filmes de outrora, ele é o próprio cinema vivo e pulsante, que busca as referências no passado, mas sem deixar de olhar para o futuro... Um verdadeiro clássico moderno que só pode ser comparado ao A Árvore da Vida dentre os indicados ao Oscar de Melhor Filme neste ano. Ultra Recomendado!
A Invenção de Hugo Cabret está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Efeitos Visuais, Edição, Figurino, Fotografia, Direção de Arte, Mixagem de Som, Edição de Som e Trilha Sonora. O filme ganhou o Globo de Ouro de Melhor Diretor, tendo sido indicado também nas categorias de Melhor Filme - Drama e Melhor Roteiro.
Esta resenha não traz revelação da trama que não estejam já presentes na sinopse,
no trailer do filme ou nos fatos históricos que o inspiraram.
É até engraçado vendo o mesmo cara que, nos anos 70, foi internado numa clínica por vicio em cocaína - reza a lenda que montou New York, New York sob o efeito da droga -, com estilo "vovô bacana" hoje em dia. A prova disso é Hugo, um filme doce, alegre, que retrata o melhor do ser humano. Eu me encantei profundamente, principalmente porque fiz uma intensa pesquisa pré-filme e acabei pegando todas as referências (inclusive a do pouco conhecido "O Homem-Mosca"). Não concordo que seja quase perfeito, pelo contrário, tem lá seus tropeços, mas nada que tire a magia proporcionada pelo filme. Pra mim, devia levar todos os Oscars possíveis!
ResponderExcluirDepois passa pra ler o meu comentário, se puder:
http://www.lumi7.com.br/2012/02/invencao-de-hugo-cabret.html
Olá Julio,
ExcluirAcredite ou não eu fiz a mesma reflexão acerca do passado de Scorsese quando vi o filme, reza a lenda que foi o De Niro quem o ajudou a se reerguer, quem lhe convenceu de seu próprio talento, tal como acontece com um dos personagens do filme né?
Quanto ao lance da perfeição, eu tenho que confessar, eu sou mais emoção que razão e a emoção que o filme me proporcionou me cegou para qualquer falha significativa que ele possa ter... (que bosta de crítico eu sou hem rsrsrs)
Bruno,
ResponderExcluirMaravilhosa a crítica! Ontem à noite assisti a Dama de Ferro e posso sem medo falar que aquela atuação é digna de oscar. Hoje pretendo assistir Hugo, mas vou colocar a minha impressão sobre esse filme: acho que é um resgate a arte do cinema. Quando li a sua descrição, pensei no Hugo como a criança órfã que fica em cada um de nós na saída da infância.
Penso que só as agruras da vida de Martin permitiu esse olhar mais amplo da fantasia. Não quero me deter nos erros que já vi que foram mencionados em outros sites, mas no que esse filme representa para o cinema atual.
Beijos e bom domingo!
Lu
Mesmo sem ter visto o filme você os descreveu perfeitamente Luciana!
ExcluirBeijão pra ti também!
Cara, vou te dizer que eu não tinha a mínima vontade de assistir esse filme. Mas depois da sua resenha, me despertou bastante curiosidade. Principalmente pelo apanhado da sétima arte e de toda essa "poesia" com fantasia que descreveu.
ResponderExcluirJá assistiu o Último Portal com o Johnny Deep?
Bah, vale a pena dar uma conferida, acho que tu vai curtir.
Tem também "Renegados pelo Diabo" do Robbie Zombie. MUITOOOO massa! É um road movie doa mais foda. Com uma trilha sonora maravilhosa. Esse vale resenha!
Abração!
Te mandei um e-mail.
Jim eu tenho um amigo que é um verdadeiro entusiasta de "Renegados do Diabo" ele me recomendou o filma há séculos, mas eu ainda não tive oportunidade de o assistir... "O Último Portal" eu vi, mas já faz muito muito tempo e lembro de pouca coisa de sua história... Quando eu tiver oportunidade eu verei os dois!
ExcluirAbração meu caro amigo!
Vou confessar, não sei como vc consegue ver tantos filmes atuais assim... eu fico apegada aos mais antigos(não tããão antigos) e acabo deixando as novidades para depois(tão depois que quando assisto deixa de ser novo! hahahah)
ResponderExcluirEnfim, fiquei com vontade de ver esse... como sempre, ótima resenha!
bjks
Na verdade, foi só agora na temporada de premiações que eu me concentrei mais nos lançamentos... diminui meu ritmo de postagem nos últimos dias, para descansar um pouco, mas voltarei a todo vapor em breve, com os habituais cults, clássicos, esquisitos e esquecidos, que merecem e precisam ser comentados e relembrados...
ExcluirBelo texto Bruno.
ResponderExcluir"Hugo" é um filme que já entrou na história por sua linda abordagem e graça e é claro, pelo primor da técnica lindamente utilizada. Eu já sabia que Scorsese entregaria um filme nada mais que genial, mesmo que a premissa seja um território praticamente novo para um cineasta que só fez obras adultas, tensas e com teor violento. Mas é um cara que entende todos os macetes do cinema e ainda de quebra é um cinéfilo e tanto e religiosamente sabe tudo de cinema e seu trabalho de não deixar esquecer da memória cinematográfica já é de se tirar o chapéu. Neste filme ele aplica isso espetacularmente!
O filme é um arraso mesmo! Nada mais a dizer.
Parabéns pelo texto.
Publico o meu em breve, acho que neste Domingo. Passe lá :)
Abraço.
Quando assisti o "Astista" ele me impactou de uma forma que eu não esperava, torci por ele no Oscar pois sabia que o meu favorito, "A Árvore da Vida", tinha poucas chances de ganhar, mas o curioso é que à medida que o tempo passa, "Hugo" parece ir ganhando um espaço maior na minha memória afetiva, se a entrega do Oscar fosse hoje, acho que eu estaria torcendo por ele...
ExcluirUm filme tão charmoso...
ResponderExcluirTem o saudosismo, a magia, as cores que fazem a fantasia do cinema brilhar!
;D
O que mais me fascina é o amor de Scorsese pelo cinema, não tem como não ver ele refletido em alguns dos personagens da trama, o trabalho que ele vem fazendo de restaurar filmes antigos é digno de louvores e "Hugo" capta bem a magia que existe em volta de tudo isso...
ExcluirFomos ao cinema eu, meu marido e minha filha de 10 anos, e ficamos tão maravilhados quando acabou esse filme que relutamos em levantar da poltrona, não queríamos que a magia se dissolvesse. Maravilhoso!
ResponderExcluirBeijos...Elis.
http://www.arquivopassional.com/2012/02/invencao-de-hugo-cabret-filme.html
É a magia do cinema e Scorsese a conhece e manipula divinamente!
ExcluirEu vou ler o livro dele,pois acho melhor do que assistir,mesmo tendo o filme,e queria saber se a historia é real ou fictícia?Ou se foi inspirada na vida de alguem
ResponderExcluirSou a mesma pessoa que perguntou la em cima,por favor se poderem responder ficarei muito feliz.
ExcluirE.A.P.
10
A história contada pelo filme é uma ficção, porém ela usa elementos e personagens reais... Revelar qualquer coisa além disso e do que já foi comentado sobre a trama na resenha configuraria spoiler, certamente você não me perdoaria por tê-lo feito. rs
ExcluirObrigado pelos comentários!
Seja sempre bem vindo!!!