Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo) - 2011. Dirigido por David Fincher . Escrito por Steven Zaillian, baseado no livro de Stieg Larsson. Música Original de Trent Reznor e Atticus Ross. Direção de Fotografia de Jeff Cronenweth. Produzido por Ceán Chaffin, Scott Rudin, Søren Stærmose e Ole Søndberg. Columbia Pictures / USA | UK | Alemanha | Suécia.
Reconheço que um cineasta tem alguma marca autoral, quando suas obras, por mais diferentes que sejam entre si, trazem consigo algo que remete às demais e as interligam em algo maior, capaz de evocar um significado mais amplo que aquele observado individualmente em cada uma de suas produções. David Fincher é um exemplo perfeito disso e esta sua característica pode ser mais uma vez observada em Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011). Esta que é seu mais recente trabalho transcende sua condição original de adaptação para se tornar uma obra pessoal impregnada com o toque autoral de seu realizador. Fincher parece fascinado com histórias vindas do “underground”, de um circuíto que está além da vida convencional cotidiana, tal aspecto pode ser observado em Se7en (1995), em Clube da Luta (1999), na alienação social do personagem principal de A Rede Social (2010) e no mergulho do personagem central de Zodíaco (2006) no caso que ele investiga; todos estes personagens adentram em mundo de imundícia e degradação moral, que serve, ora como metáfora daquilo que geralmente tentamos esconder em nossa própria realidade, ora como encenação verossimilhante da realidade tal como ela é.
Millennium segue este mesmo caminho, sua trama também nos conduz à uma incursão em submundo de perversão, ressentimentos e preconceitos. O desenrolar de sua história, que se passa na gélida Suécia, começa quando o jornalista investigativo Mikael Blomkvist (Daniel Craig) aceita a proposta do poderoso industrial Henrik Vanger (Christopher Plummer) de investigar o desaparecimento de sua sobrinha, que ocorrera há mais de 40 anos. Mikael fora desacreditado e teve a sua carreira arruinada após uma denuncia que escreveu e não conseguiu comprovar, ele foi processado e a sentença judicial lhe custou todas as suas economias. Sem outra alternativa e confiando na promessa de Henrik, que lhe garantiu que o ajudaria a reaver sua credibilidade, o jornalista parte para uma ilha, que fica no norte do país, onde o empresário e boa parte de sua família moram. Aquele lugar quase inóspito tinha sido provavelmente o cenário do crime que acontecera nos anos 60. Todos os caminhos possíveis para a investigação aparentam já terem sido percorridos por Henrik, mas este confia no tino investigativo do jornalista e o escolhe para a empreitada, na esperança de que ele possa perceber, ao revirar o passado, algum detalhe que lhe tenha passado despercebido... Dispensável dizer que os principais suspeitos são os próprios membros do clã desestruturado e desunido do empresário.
Mikael pede que tenha mais alguém à sua disposição, para lhe ajudar no processo de investigação, é então que lhe apresentam Lisbeth Salander (Rooney Mara), uma cyber punk sociopata que vive sob a tutela do Estado, foi ela quem traçou o perfil dele antes de ele ter sido escolhido por Henrik. O auto poder de dedução e de memorização que ela tem e o seu profundo conhecimento de informática, serão uma arma fundamental para que o mergulho no passado traga algum resultado relevante que possa levar ao responsável pelo desaparecimento misterioso da sobrinha do empresário. Lisbeth é uma das personagens através da qual o roteiro trabalha algumas de suas questões mais importantes, como as consequências da desestruturação moral e familiar e da convivência com o preconceito e a frieza da sociedade. Tanto o comportamento, quanto as habilidades da hacker parecem fazer parte de um mecanismo de auto-defesa criado como forma de adaptação à uma realidade machista e opressiva.
A trama que nos remete às história de Se7en e Zodíaco possuim sim algumas irregularidades, alguns aspectos quer não funcionam tão bem, mas creio que estes tenham sido herdados da obra literária e não concebidos pelo roteiro, contudo eles são irrelevantes diante dos fatores positivos do filme. A edição muito bem feita colabora com o a manutenção do suspense que vais crescendo à cada cena até chegar ao primeiro clímax, que acontece bem antes do final do filme, para depois ser remontado até chegar ao segundo clímax, que vem com desfecho, que por sua vez foi propositalmente concebido diferente do final do livro e do da primeira adaptação. A longa duração do filme (cerca de 2:40) parece passar em um piscar de olhos, se bem que é difícil piscar durante o filme, a fluidez da trama é excelente, o que seria um contraponto à produção sueca, que conforme dizem tem uma desenrolar mais lento e contemplativo.
Daniel Craig está muito bem em seu personagem, mas é Rooney Mara quem rouba cada uma das ceas em que aparece, ela está fantástica e seu mergulho no personagem vai muito além da maquiagem carregada, do figurino punk e dos inúmeros piercings que ela usa, ela protagoniza algumas das cenas mais fortes e marcantes do filme, que certamente permanecerão em nossa memória bastante tempo após o final da exibição... Fincher nos provou que tomou a decisão correta em tê-la escolhido para o papel, uma atriz sem tanto renome, ao invés de outras, já conceituadas, que estiveram cotadas ou que chegaram até a manifestar algum interesse, como Ellen Page, Mia Wasikowska, Kristen Stewart, Anne Hathaway e Natalie Portman (se bem que eu ainda tinha um curiosidade enorme de ver a Natalie papel, mas estou certo de que ele ficou em boas mãos).
Cheguei a questionar em alguns momentos, antes de assistir o filme, o porquê da história ter sido mantida na Suécia e não transportada, por exemplo, para algum ponto dos Estados Unidos, não que eu preferisse isso, mas teria sido o mais natural de acontecer, tendo-se em vista o histórico de adaptações cinematográficas e remakes que fizeram o mesmo. A resposta para esta minha dúvida surge já nas primeiras sequências do filme: A paisagem predominantemente branca e mórbida, que nos remete à frieza dos personagens, é de extrema importância para a composição do clima de frieza emocional que permeia o desenrolar da trama. Penso que nem nas regiões mais frias da América do Norte, o efeito poderia ser reproduzido com tamanho impacto. Tais quadros são capturados através de uma fotografia exuberante que acentua ainda mais a melancolia das locações escolhidas. O único lado negativo de terem mantido a história na Suécia é a estranheza provocada pelo idioma inglês, que parece quebrar um pouco da "verdade" da narrativa do filme. A trilha sonora composta por Trent Reznor e Atticus Ross casa perfeitamente com o suspense e a tensão da história e é sem dúvidas outro aspecto elogiável do longa.
Ainda não assisti nenhum dos filmes que compõem a trilogia sueca, contudo acredito que seja uma injustiça considerar Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011) um remake, uma vez que ele não parte da obra cinematográfica que o antecedeu, mas sim do texto original, o literário. Sem dúvidas ele merece ser lembrado mais como um filme de David Fincher, do que como mais uma adaptação de um best seller. Tê-lo assistido, despertou ainda mais a minha curiosidade de ver a obra sueca dirigida por Niels Arden Opley, contudo o mais curioso é que eu, leitor inveterado que sou, tenho ainda pouca curiosidade de ler os livros que compõem a trilogia escrita por Stieg Larsson... A minha recomendação é que você desconsidere alguns dos pequenos problemas da trama e mergulhe junto com os personagens no suspense provocado pelo mistério que eles tentam solucionar, estou certo de que a sessão valerá a pena! Ao assisti-lo se prepare para algumas cenas fortes, que definitivamente não são recomendadas para crianças, ou para aqueles que são mais sensíveis à violência nos filmes... para os demais ele é ultra recomendado!
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres ganhou o Oscar na categoria de Melhor Montagem, tendo sido indicado também nas categorias de Melhor Atriz (Rooney Mara), Fotografia, Edição de Som e Mixagem de Som. No Globo de Ouro ele foi indicado nas categorias de Melhor atriz (Rooney Mara) e Melhor Trilha Sonora.
Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a crítica de A Rede Social, também dirigido por David Fincher!
Esta resenha não traz revelação da trama que não estejam já presentes na sinopse ou
no trailer do filme!
Li seu comentário em uma crítica de um jornalista feita ao Scorsese, e me interessei pelo que escreveu. O mais engraçado é que enquanto lia tal comentário, pensava que ainda não havia lido nenhuma crítica construtiva sobre "Millennium...", e ao acessar o seu blog, é a primeira coisa da página! Compartilho minha opinião com tudo que foi dito, e acredito que escreveria praticamente o mesmo se tivesse habilidade para tal.
ResponderExcluirEscrevi aquela resposta ao artigo dele em um rompante de indignação, a falta de argumentos sólidos que pudessem sustentar a opinião dele deixou o artigo pretensioso e ofensivo!
ExcluirAcho esse filme bom, mas não muito bom, provavelmente vc já sabe disso. Tua resenha ficou excelente. Esse é um filme q deve dividir opiniões. Discordo qt a achar q ele não é um remake, eu acho q é, tanto q carrega elementos parecidos da obra sueca, mas enfim, o filme de Fincher tem seu valor, mas acho inferior a outras obras. Leia os livros e perceberá q essa adpatação não é tão supimpa assim. Grande abraço meu camarada!
ResponderExcluirNão sei se quero ler os livros, mas pretendo assistir a versão sueca em breve!
ExcluirNa minha hulmide opinião a versão de Fincher e mil vezes melhor que a versão sueca.
Excluirbah meu amigo José, vou ser bem sincero. Vi a trilogia do Millenium Sueco, e o pouco que vi do Millenium americano, me broxou.
ResponderExcluirAchei muito foda a atriz Sueca. O filme é uma produção bem a cara européia, assim como o livro. Mais fiel. Sem tantos efeitos. Mais natural, digamos. E como tu cita no teu texto, underground.
Não quero ser ignorante e julgar algo apenas por cenas (bem hollywoodianas) antes de vê-lo. Mas admito, mesmo sendo o David Fincher (que é foda demais! Ainda mais por clube da luta e seven) não fiquei muito nas pilhas de ver.
Depois dessa sua resenha, até me despertou certa dose de curiosidade. Mas ainda assim, estou relutante. hehe
Abração
Deia uma chance pra ele Jim, é um filmaço na minha opinião!
ExcluirExcelente seu texto sobre esse filme, que é bastante maduro e, como você disse, se conecta com os outros filmes de Fincher pela atmosfera sombria, a narrativa lenta e sólida, a precisão de sua câmera. Muito bom mesmo, o filme e o seu texto, parabéns.
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirAgradeço a visita e seja sempre bem vindo(a)!
o filme GANHOU o Oscar de Melhor Montagem!
ResponderExcluirManoel Grandson
Obrigado pela correção, a memória às vezes falha...
ExcluirSeja sempre bem vindo ao blog!
Um filme bastante polêmico. Preciso assistir.
ResponderExcluirAssista sim Gilberto, já estou curioso para saber sua opinião sobre ele!
ExcluirQuero muito ver ainda mais depois de ganhar o oscar de melhor montagem, seu blog é muito legal e seja bem vindo sempre ao meu blog e obrigado pelo comentário. abraços
ResponderExcluirEu que agradeço a tua visita Alysson, seja sempre bem vindo!
Excluirsó a trilha do Trent Reznor já valia muito ver esse filme, srrs enfim eu já ia cobrar este filme aqui no sublime irrealidade :P como sou fã de filmes com essa levada de underground e com visual e fotografia um tanto punk , gosto bastante dessa atmosfera de filmes do Fincher, logo me apaixonei pelo filme e não vejo a hora de ler também o livro, a personagem Lisbeth Salander me remete a muitas personagens que marcaram minha memoria, com essa aurea obscura, como a Jolie em "Hackers" e a Eva Green em "Franklin", além do filme a "Mulher do Imperador" que também tem uma fotografia e cenario incrivel!
ResponderExcluirSomos então dois admiradores desta estética punk/underground, o curioso é que este é um viés que está presente em praticamente toda a filmografia de Fincher...
ExcluirEu estava com muito medo da versão americana. Mas Fincher é Fincher.
ResponderExcluirConfesso que tenho medo é das continuações... o fato de não sabermos quem a dirigirá me assusta!
ExcluirOlá!Boa tarde!
ResponderExcluirBem!Parabéns pela resenha...vou dar uma conferida!
Como alguém comentou: Fincher é Fincher...e se ganhou um OSCAR, deve ser bem interessante...pelo menos na MONTAGEM!
Boa terça!
Abraços
É mais que só interessante Felisberto, é um ótimo filme que merece ser conferido!
ExcluirAbraços e ótimo final de semana pra ti!!!
Oi Bruno
ResponderExcluirVc sempre dá ótimas dicas de filmes, eu adorei o que vc indicou Os Descendentes, e aposto que vou gostar desse também.
Uma ótima semana prá vc querido.
Bjão.
http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com
Não deixe de assisti-lo Luciana e quando você o fizer não se esqueça de passar por aqui e comentar!
ExcluirBeijão e ótimo fim de semana pra ti!
Amei a indicação, como sempre né. Beijão, www.spiderwebs.tk
ResponderExcluirObrigado linda!!!
ExcluirGostei muito do filme, adorei a atriz, que antes só tinha feito um bico em A Rede Soci, mais me chamou muito a atenção.
ResponderExcluirEstou muito ansioso para a continuação.
Não é um filme, é uma obra prima estilo Fincher, vale muito a pena assistir.
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