Deus da Carnificina (Carnage) - 2011. Dirigido por Roman Polanski. Escrito por Yasmina Reza e Roman Polanski, baseado na peça Le Dieu du carnage de Yasmina Reza. Música Original de Alexandre Desplat. Direção de Fotografia de Pawel Edelman. Produzido por Saïd Ben Saïd. Constantin Film Produktion, SBS Productions e SPI Poland / França |Alemanha | Polónia | Espanha.
Deus da Carnificina começa com um plano aberto que mostra o pátio de uma escola. De longe, como que para não induzir á parcialidade, alguns garotos são mostrado;, um conflito começa entre alguns deles, a câmera faz uma leva aproximação e mostra quando um dos meninos ataca outro com uma vara, atingindo-o no rosto... Toda esta sequência é conduzida pela trilha sonora de Alexandre Desplat, que já dá nestes primeiros minutos o tom aflitivo e ao mesmo tempo cômico, que o filme adotará em seu desenvolvimento. Terminados os créditos de abertura, que acontecem simultaneamente à esta sequência, somos levados para a residência de Penelope (Jodie Foster) e Michael Longstreet (John C. Reilly), os pais do garoto que fora ferido na briga. Nancy (Kate Winslet) e Alan Cowan (Christoph Waltz), os pais do garoto agressor, vão até lá para tentar resolver o problema da maneira mais civilizada possível, através do diálogo, no entanto não é isso que acontece... À medida que o roteiro avança, numa tempestade verborrágica, que só se faz intensificar, as máscaras socais de cada um dos personagens vão caindo e eles são desnudados, para serem assim compreendidos ou ao menos analisados.
A casa dos Longstreet é o cenário onde todo o filme se desenvolverá, a sala de estar se torna, tal como no teatro, um palco para a exploração dos conflitos que se dão entre os personagens, conflito este motivado pelo atrito entre as diferenças de suas respectivas visões de mundo e da intolerância nutrida por cada um deles. A dificuldade de perdoar e de compreender a posição do outro e o pré-julgamento que fazem, expõem um lado obscuro e animalesco do ser humano. Em um diálogo, na tentativa de justificar o próprio comportamento, um dos personagens diz: “eu acredito no Deus da carnificina, que reinou sobre todos nós há milhares de anos...”; vem desta declaração o título da obra, ela, dado o contexto no qual é dita, não poderia ser mais pertinente, uma vez que a mesma intolerância e egocentrismo que gera o conflito entre os personagens, é também aquela tem gerado conflitos de proporções e conseqüências bem maiores desde os primórdios da história da humanidade. No decorrer do filme, o comportamento e a racionalidade dos personagens se definham, passando pela infantilidade (o que nos remete à cena inicial do filme) até chegar à animalização, status no qual eles passam a reagir, não mais pela razão, mas tão somente pelos seus instintos, expondo assim uma natureza que chega a ser assustadora.
Roman Polanski não nos permite perder a noção de que estamos diante de uma encenação, uma alegoria, e não de algo que busque ser uma remontagem perfeita do real. O foco narrativo do filme, não é o caso envolvendo as crianças, nem os sentimentos dos quatro personagens centrais, mas sim a forma com que seus comportamentos, quando reunidos sob um mesmo teto, servem de metáfora para o comportamento social, com seus vícios de caráter e desvios morais. Ao analisarmos a obra por esta perspectiva, percebemos o quanto há de crítica social nela, tal viés se manifesta na abordagem de temas como a desestruturação familiar e a criação de filhos, onde se salientam os preconceitos e o egocentrismo... Em uma passagem um dos personagens se gaba de morar em Nova Iorque e de ter valores ocidentais, este comentário carregado de xenofobia é uma clara alfinetada em nós como sociedade, afinal tal como ele, achamos que somos mais civilizados, racionais e coerentes, que os demais quando na verdade às vezes basta um pequeno impulso pare que exibamos um comportamento digno de vergonha.
A convergência entre teatro e cinema, que o roteiro proporciona, não chega a ser um problema, como já o foi em diversas outras produções que tentaram seguir a mesma linha. O encontro entre as linguagens funciona bem na maior parte do filme, e mais que isso, ele serve ao propósito principal do longa, o de ser uma sátira social, esta conotação confere a Deus da Carnificina uma roupagem que nos remete à comédia de costumes como gênero, no entanto a acidez da trama não nos induz à gargalhadas e o absurdo que presenciamos causa mais estranhez do que risos. Este entrelaçamento entre linguagens diferentes influenciam diretamente nas atuações, Kate, Judie, Christoph e John esbanjam talento em seus respectivos papéis, suas atuações são inspiradas e cheias de técnica, porém vazias de sentimento (não confundir com o sentimento dos personagens), isto que poderia um problema também acaba funcionando a favor do filme, uma vez que o foco, como eu já disse, não está nos sentimentos nem na "verdade" das atuações, mas sim nos comportamentos dos personagens e em suas reações às atitudes alheias.
A situação em torno da qual o filme gira, dois casais em conflito, nos faz lembrar do formato adotado por Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1967) de Mike Nichols, outro que saiu dos teatros para ganhar as telas. Apesar de sus histórias se firmarem sob circunstâncias diferentes, a semelhança transcende o formato e pode ser observada também na acidez de suas tramas, na verborragia e situações absurdas de seus roteiros e obviamente na crítica que ambos tecem à família como instituição e às máscaras sociais, atrás das quais muitos se escondem. Ambos quebram a camada de verniz social para assim descobrir o quão repugnante é o que existe por baixo, aquilo que tentamos manter oculto à vista dos outros.
Um dos aspectos que salvam Deus da Carnificina de se tornar mais uma obra falha na pretensão de aproximar a linguagem teatral da cinematográfica, é, sem dúvidas, a direção de Roman Polanski, a habilidade do cineasta de captar o essencial de situação e de manter um ritmo crescente durante todo o filme contam muito para o resultado final. Os enquadramentos, por vezes inusitados, ajudam a formar em nós espectadores a impressão de se estar invadindo aquele lar e explorando cada um dos personagens como animais presos em uma jaula. São percepções e detalhes como estes que comprovam que o filme é mais que uma mera transposição de um texto teatral, ele é cinema e cinema de ótima qualidade!
Acredito que assistir à peça seja uma experiência fantástica e talvez ainda mais forte que esta proporcionada pelo filme, mas a verdade é que Deus da Carnificina cumpre muito bem seu papel de adaptação, ele pode não ser a melhor obra do diretor, nem dos atores envolvidos, contudo é um filme que merece muito ser conferido, talvez até mais de uma vez, para que possamos assim compreendê-lo da melhor maneira possível...
Ao assisti-lo, preste atenção no timing preciso desenvolvido pelos atores nos diálogos, que se dão numa espécie de ping-pong, na trilha composta por Desplat, que marca cada uma das passagens em que ganha destaque e nas entrelinhas dos diálogos, pois são elas que fazem toda a diferença... Não espere desta produção uma comédia pastelão, nem tão pouco um dramalhão, ela é apenas uma encenação satírica do lado mais feio e reprovável da natureza humana... Eu o recomendo para todos!
Deus da Carnificina estreou no Festival de Veneza, onde recebeu o Prêmio Pequeno Leão de Ouro. O filme recebeu duas indicações no Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz de Comédia ou Musical (Jodie Foster e Kate Winslet).
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,
portanto não devem ser consideradas spoilers!
José Bruno, fiquei curiosa para assistir, heim!? Um filme com esse elenco e direção merece meu respeito...
ResponderExcluirNão sei quando, mas quero assistir.
Mudando de assunto, como vc está!? Anda tão sumidinho... estou sentindo sua falta. Aliás, olha quem fala. Eu demorei quase uma semana para atualizar o Umas e outras. Caramba, tem horas que sinto uma saudade da minha infância. Do tempo em que a única responsabilidade que eu tinha era ir para a escola e fazer os deveres de casa. rsrsrs
bjks JoicySorciere => Blog Umas e outras...
Pois é, andei sumido sim, mas foi por canta da falta de tempo, estou aproveitando este fim de semana para colocar algumas coisas em dia, mas continuo à beira de um ataque de nervos...
ExcluirQuanto ao filme, eu lhe recomendo demais! A transição da linguagem teatral para a cinematográfica se dá de uma forma bem legal e a crítica social que o filme faz com um humor ácido o torna uma grande pedida...
Bom demais a construção do texto, você sabe mesmo percorrer a obra e proporciona uma análise íntima sobre o filme. Eu gostei demais, acho que é um bom trabalho, mas é claro que perde feio pra o outro semelhante - mas não tanto parecido, rs - QUEM TEM MEDO...
ResponderExcluirÉ uma bela direção e atuações precisas! E ri muito em vários momentos com Winslet e Foster! abraço
Eu gostei de "Quem tem Medo de Virginia Woolf", mas tirando as excelentes atuações eu não o considero uma obra tão impecável, apenas um grande filme, mas não um a obra prima...
ExcluirPassando pra te desejar uma noite tranquila!!
ResponderExcluirDevo assistir esse filme!!
Bjs no core!!Soninha!
Obrigado Soninha!!!
ExcluirAdorava quando o celular do Waltz tocava... rs
ResponderExcluirParabéns pela análise Bruno!
Polanski voltou com tudo com esta obra fascinante.
Adoro filmes teatrais. Quando são chamativos, claro.
Um elenco de primeira também. Impressionante como conseguiu me prender sem piscar muito os olhos.
Abraço.
O ritmo ágil do filme consegue nos prender à ele do início ao fim!
ExcluirGostei desse filme. Tem momentos maravihosos e boas atuações que energizam o espectador a interagir com a obra. Bom momento do mestre Polanski. Abs!
ResponderExcluirÓtimo momento, acho que se não fosse a direção precisa dele, ainda que tivesse as excelentes atuações, o filme não renderia o mesmo resultado...
ExcluirEu gostei do filme, achei os personagens muito sincronizados, os atores em harmonia, mesmo que a situação requeira conflito extremamente desconfortável e desarmonioso. Gosto especialmente de Jodie Foster, que está perfeita!
ResponderExcluirA Jodie e a Kate estão sublimes!
ExcluirGostei muito. Roteiro afinado e excelentes atuações.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Justo!
ExcluirParece bom o filme hein Brunão!
ResponderExcluirO elenco, o diretor e a sua resenha. Com certesa vou assistir. Depois se for ruim eu te chingo, hahahahahahahahahahahaha.
kkkkkkkkkkkkkkkk
ExcluirE olha que eu já fui quase agredido por conta de uma de minhas recomendações, uma amiga quase me bateu por eu tê-la deixado ver "Bastardos Inglórios"...
Oiee Bruno, vim curiosa demais pra saber mais sobre esse filme aqui no teu blog, porque ainda não chegou em minha cidade Ribeirão Preto. E pretendo assistir, e depois vir aqui comentar com vc, ok ?
ResponderExcluirTeu blog é muito bom, gostei!
Beijinhos da Lu...
Assista sim e não deixe de voltar para comentar!
ExcluirFico muito feliz que você tenha gostado do Blog!
Beijão!
esse filme eu quero ver mais por causa do elenco que tem atores bem consagrados.adorei a postagem e pela opinião quero ver o filme!
ResponderExcluirassista sim Alysson, acho que você vai gostar bastante!
ExcluirMuitos vem falando maravilhas de Carnage, ao passo que alguns não gostam do tom teatral do filme. Entretanto, estou extremamente ansioso para assistir, por ser um fã assumido do Polanski - vi quase tudo dele. Meu grande amigo e integrante do Lumi7 Caetano Barsoteli disse que Carnage ainda dialoga um pouco com a trilogia do apartamento, do Polanski. Mas sabe como sou, né?! Só cinema!
ResponderExcluirSe em minha cidade tivesse ao menos uma sala de exibição eu suportaria esperar para conferir os filmes na tela grande, como não tem acabo me rendendo aos meios alternativos...
ExcluirJá estou imaginando que você vai gostar bastante dele!
estou fazendo um trabalho de filosofia baseado nesse filme, com relação a linguagem, e queria saber se,por algum motivo, voce conseguiria me explicar em qual contexto social está inserido as cenas finais mais precisamente a do hamster e dos garotos juntos; creio que n]ao consegui compreender totalmente essas colocações cinematográficas.
ResponderExcluirOlá,
ExcluirJá tem mais de cinco anos que assisti ao filme, não consigo lembrar de detalhes desta sequencia. Se eu conseguir revê-lo neste final de semana, eu volto aqui e posto minha interpretação.
Abraços!
Ohhhh, Bruno. "Se você conseguir revê-lo no próximo final de semana"... Não seja tão leviano conosco! Tome para si a responsabilidade da crítica!
ResponderExcluir"A mesma intolerância e egocentrismo que gera o conflito entre os personagens, é também aquela tem gerado conflitos de proporções e conseqüências bem maiores desde os primórdios da história da humanidade."
Eis o Deus da Carnificina.
Olá, genial a sua crítica! Também gostei muito desse filme, é divertido e ao mesmo tempo reflete a natureza obscura e assustadora do ser humano.
ResponderExcluirDá uma passadinha no meu blog: https://consideracoessobrefilmes.blogspot.com.br/