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sábado, 17 de março de 2012

O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio - Charles Bukowski

O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio de Charles Bukowski. Lançado postumamente em 1998. Com ilustrações de Robert Crumb.Tradução de Bettina Gertum Becker. Porto Alegre. L&PM Pocket, 1999.


Charles Bukowski nasceu e 1920 na Alemanha, filho de um soldado americano e de uma jovem alemã, aos três anos de idade ele foi levado pelos seus pais para viver nos Estados Unidos. Ele cresceu e passou a maior parte de sua vida na cidade de Los Angeles, convivendo desde cedo com a pobreza e com os marginalizados. Dos primeiros anos de sua vida no novo continente, ficariam as marcas da violência doméstica protagonizada pelo seu pai e a exclusão experimentada na escola e nos outros meios sociais que frequentava. Uma doença, que lhe causava inflamações na pele, lhe deixara com o rosto todo deformado, o que dificultava ainda mais a sua aceitação nos círculos, com os quais ele tentava interagir. Bukowski começou a escrever poesias quando ainda era um adolescente, por volta dos 15 anos, porém o reconhecimento só viria bastante tempo depois, já na década de 50, quando ele já estava beirando a casa dos quarenta. O sucesso seria o atalho para uma vida desregrada de intermináveis bebedeiras, jogatinas e frequentes orgias sexuais...

A obra de Bukowski tem sido frequentemente associada ao movimento beat, no entanto ele fazia questão de negar veementemente tal associação, ele se manteve suficientemente afastado daqueles que foram os principais nomes daquela corrente artístico-literária: Jack Kerouac (autor do clássico On The Road) e Allen Ginsberg. Contudo, tanto ele quanto os beatniks se tornariam parte de algo muito maior que ainda estava em fase de germinação: a contra-cultura. Bukowski, o último "escritor maldito" seria um dos precursores do desbunde cultural que ganharia ainda mais força durante a década seguinte. A crítica social, o desapego, o ideal do amor livre e a subversão, aspectos recorrentes de sua obra, estavam em perfeita sintonia com a ebulição do cenário político e cultural de sua época e não é exagero nenhum dizer que ele é parte da geração que ajudou a mudar o mundo - ainda que esta mudança não tenha sido aquela com a qual boa parte de seus contemporâneos sonharam...


"Talvez haja um inferno, será? Se houver, lá estarei e sabem o que mais? Todos os petas estarão lá, lendo seus trabalhos e eu vou ter que ouvir. Serei afogado por sua elegante vaidade, por sua transbordante autoestima. Se houver um inferno, este será o meu: um poeta atrás do outro lendo sem parar..."

O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio reúne escritos do diário de Bukowski, que compreendem um período que vai de agosto de 1991 a fevereiro de 1993. Em cada um dos breves relatos de seu cotiano, ele expõe de forma seca e bem direta a sua frustração com a própria vida, o desgosto em relação ao mundo à sua volta, a sua birra com os demais artistas e intelectuais e a "marginalidade", que sempre lhe foi tão característica. De acordo com os relatos publicados, a vida do escritor, que fora tão agitada, se resumia agora em visitas diárias ao hipódromo de sua cidade durante o dia  (as apostas continuavam sendo um de seus vícios) e em escrever, como se aquele dia fosse o último, durante a noite. Os depoimentos deixam claro que o que ainda o mantinha vivo era a sua compulsão pela produção literária e a companhia da esposa Linda, que ele cita em quase todos os fragmentos.


"Ficar velho é muito estranho. A coisa principal é que você tem que ficar constantemente dizendo a si mesmo estou velho, estou velho. Você se vê no espelho quando desce no elevador, mas não olha diretamente para o espelho, dá uma olhada de lado, um sorriso amarelo... Você já deveria estar morto há 35 anos. isto é uma cena a mais, mais uma olhada no show de horror..."

Talvez este não seja a melhor obra para uma iniciação na literatura de Bukowski, contudo ele funciona perfeitamente como um caminho para a mente do escritor, onde se encontram todo o peso de uma intensa vida de excessos e imoralidades, que só então cobrava o seu alto preço... O aspecto que mais me chamou a atenção durante a leitura do livro, foi a forma com que o escritor abre algumas de suas feridas não cicatrizadas e mostra a nós leitores o sangue que escorre ainda fresco. Ele fala abertamente de sua senilidade e dos inúmeros problemas inerentes à ela, tais como a falta de destreza física, a perda progressiva da visão e até da incontinência urinária. "Buk" comenta ainda a sua falta de paciência com fãs e jornalistas e principalmente o seu desapontamento com o  sucesso conquistado, que fora para si uma espécie de "ouro de tolo". De cada um de seus relatos emanam raiva, angústia e ressentimento, sentimentos estes que ora se levantam contra o mundo, ora contra os outros escritores, ora contra ele mesmo...


Curiosa, foi a forma com que acabei me identificando com boa parte de seus escritos. Eu enxerguei a minha atual realidade em seus relatos sobre a vida que já não era mais vivida, os dias que eram tão somente "empurrados" e a angustiante repetição da rotina. Em alguns momentos da leitura eu me via, tal como ele, como um velho rabugento que não suporta mais o peso de sua própria existência... No entanto após um pouco de reflexão percebi, que o sentimento emanado de seus depoimentos, não eram assim tão exclusivos da dita "melhor idade", mas sim algo passível de ser experimentado por todos que são obrigados pelas circunstâncias a se enquadrarem em uma vida mesquinha, que parece não ter sido feita para eles... 


O Capitão Saiu para o Almoço e os Marinheiros Tomaram Conta do Navio foi publicado quase quatro anos após a morte de Charles Bukowski, os fragmentos foram selecionados por ele mesmo pouco tempo antes de sua morte.

A edição do livro conta ainda com diversas ilustrações de Robert Crumb, que intentam retratar algumas das passagens contadas pelo escritor (vide imagem acima). 

O livro o é uma obra prima literária, mas ainda assim merece ser lido, creio que principalmente por aqueles que já estão familiarizados  com a obra do "velho safado" e que queiram embarcar nesta viagem pela sua mente atormentada e em constante ebulição!

Post dedicado à amiga Joicy Sorcière, pois foi por causa do artigo "Bukowski... cheio de estilo!", publicado por ela em seu blog, o Umas e Outras, que eu decidi comprar o livro... 


27 comentários:

  1. Que maravilha de post, J. Bruninho! Achei muito bacana vc falar que Buk não concordava com a associação de seu nome ao movimento Beat. Pra falar a verdade, eu só ouvi sobre esse movimento, depois da minha postagem, quando o Jaiminho me deu uma aula, falando isso qeu vc bem nos apresentou, que o véio negava essa ligação com o movimento.

    Esse livro é gostosinho de ler. Mas, há outros que gosto mais.

    Adoreiiii a dedicatória! Vc é um foooofo!

    bjks

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    1. Ainda pretendo me aventurar pelos outros livros dele, este me deixou muito curioso em relação aos romances...

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    1. Esta foi a minha iniciação na literatura dele, ainda pretendo conhecer melhor sua obra e talvez ele venha depois disso a se tornar um de meus favoritos também...

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  3. Fala, Bruno!

    Sou suspeito para falar do sr.Chinaski, afinal sou fã do velho safado - até mesmo dos livros considerados "fracos", como "Pulp". ( escracho puro dos chamados "romances policiais")

    Em "O capitão saiu para o almoço..." temos o canto do cisne do velho, com suas reflexões inclusive sobre literatura e é por esses momentos que eu gosto tanto desta obra. São pequenas e perdidas pérolas ao longo do livro como esta: [sobre o escritor]"Há apenas um juiz para o que foi escrito: o escritor.Quando é influenciado pelos críticos, editores, leitores, está acabado". É por isso que o velho, apesar das influências de Henry Miller e Celine, era tão autêntico: escrevia o que bem queria e tivesse vontade. Era fiel a si mesmo. Ponto pro sr. Chinaski!

    E é neste ponto também que o sr.Chinaski afasta dos beats. Como já escrevi lá no blog da Joicy, os beats eram um tanto pretensiosos. Bukowski achava Ginsberg e Kerouac uns caras legais, já saíram pra beber e tudo...mas nunca quis embarcar na viagem destes caras. Negócio dele era beber, apostar nos cavalos, escrever o que desse na telha e deixar a "canonização" para os beats, que fizessem bom proveito!

    "O Capitão..." é um livro mais pra ler quando se está familiarizado com a obra do Bukowski. Daí é melhor começar com "Factótum" ou "Misto Quente"; pra quem gosta de cinema - e para quem não é fã, como eu rsrsrs - pula para "Hollywood". Aí vai atrás dos contos do "Fabulário..." e etc.

    Valeu, Bruno! Um abraço!

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    1. Pois é Jaime, eu gostei muito deste estilo libertário e anárquico da literatura dele, acabei comprando este livro quase que por acaso, quando o vi na prateleira eu me lembrei do post da Joicy e o comprei sem ao menos ler sua sinopse, talvez não tenha sido a melhor forma de iniciação na obra do velho Buk, mas ainda assim gostei muito do livro e pretendo conferir os outros, principalmente os que você citou em breve...

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  4. PS: e como esquecer das geniais ilustrações do mestre Crumb?

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  5. Oi Bruno
    Consegui passar por aqui. Maravilhoso texto! Confesso que quando vi sobre esse autor no blog da Joicy fiquei "boiando", agora vc me esclareceu muito sobre o assunto. Valeu! Como disse a Joicy, e eu sempre digo que vc é um fofo!
    Bjão. Bom final de domingo.

    ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br

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    1. Obrigado Luciana!!!
      Você é uma linda, uma amiga que adoro muito!!!

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  6. Olá J.Bruno!
    Ótimo e completo post,ficou uma maravilha...Parabéns!
    Um Abraço.

    Bruno
    http://oexploradorcultural.blogspot.com

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  7. Pois é cara, esse livro já peguei umas 10 vezes na mão mas nunca comprei. Li alguns trechos e não me atraiu. Legal a resenha. E se você recomenda, vale a pena pensar novamente.

    Eu não gosto muito dos contos do Buk, mas sou fã demais dos romance e dos poemas. Os poemas são muito foda!

    Mandou bem. Se der, leia o escritor cubano Pedro Juan Gutierrez, recomendo pra todo mundo. Sua literatura é movida a rum, salsa e sexo. É meu escritor favorito!

    Abração

    ----
    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com

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    1. Ainda não tinha ouvido falar de Pedro Juan Gutierrez, mas a recomendação já está anotada, vou procurar segunda na biblioteca do CCBB...

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  8. Mais um excelente post Bruno!
    Ainda não li esse livro, mas agora também fiquei com vontade de ler!
    Abraço e boa semana!

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    1. Leia sim Rui!
      Mas talvez seja melhor seguir os conselhos que o Jaime deu acima e começar pelos romances (que pretendo ler em breve)

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  9. Oi sou Ricardo do Blog of terror: http://www.ofterror.com.br.tc/ Gostei muito do seu Blog e estou seguindo. da uma olhada no meu se curti segue.

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  10. Oi Bruno,

    Tudo bem? Como passou o aniversário? Relato riquíssimo e ao mesmo tempo verdadeiro no tempo. Você é brilhante nas correlações e entendo os seus questionamento sobre o que você no momento. Tenho 15 anos a mais que você e agora nesse momento joguei ao vento pedras que me sufocavam. É preciso coragem, mas é a forma de não se olhar e ver um velho rabugento no tempo. Confie na sua intuição e no sussurro do seu coração e continue nadando como o Nemo. Deus contigo!

    Beijos.

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    1. Ainda preciso de coragem para me libertas de algumas das pedras que têm me sufocado, penso que são nestes momentos que mais aprendemos e que passamos a nos conhecer mais a fundo, eu estou disposto a mudar mudar muita coisa em minha vida, em praticamente todas as áreas, ainda n~]ao sei se terei coragem suficiente mas estou disposto a tentar...

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  11. Gostei do texto, me deu vontade de ler o livro, não li muitos livros dele, mas esse com certeza eu lerei.
    :)

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    1. Leia sim Michael, mas faça como o Jaime (um especialista na obra do velho Buk) disse, comece pelos romances e talvez este livro lhe cause um impacto ainda maior do que o que causou em mim!

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  12. Hum muito interessante o texto, acho que vou ler o livro, para ver se gosto, um ótimo post, se cuida e uma ótima semana pra ti!

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  13. Bukwoski é assim... rasgado no que acredita, sem palavras pela metade, sem conceitos vagos, sem sentimentos meros... Fica difícil não se identificar com este lado mais duro da vida que ele apresenta.

    Ótima dica!

    ;D

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    1. Penso Karla, que às vezes esta visão de mundo seca e angustiada é até necessária, ao contrário do que se tem pregado por ai, às vezes é necessário estar com os pés no chão e ciente de que a vida pode ser por vezes sem brilho e cruel...

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  14. Livraço!!!. Não consigo parar de ler Bukowski. E esse é um dos mais profundos. Parabéns pelo blog...

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