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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Na Estrada

Na Estrada (On the Road) - 2012. Dirigido por Walter Salles. Escrito por Jose Rivera, baseado no livro de Jack Kerouac. Direção de Fotografia de Eric Gautier. Música Original de Gustavo Santaolalla. Produzido por Charles Gillibert, Nathanaël Karmitz e Rebecca Yeldham. MK2 Productions e American Zoetrope /  França | USA | UK | Brasil.


Na Estrada (2012) é no mínimo um filme ousado, Walter Salles conseguiu levar adiante a ideia de adaptar um livro que já tinha sido considerado por diversas vezes uma obra inadaptável e o resultado final, por mais irregular que possa ser, merece ao menos ser conferido. Foi com esta certeza que comecei a assistir ao filme, que vem causando polêmica e dividindo opiniões desde a sua estreia na edição do Festival de Cannes deste ano. O longa possui uma belíssima fotografia, uma boa trilha sonora, nenhuma das atuações deixam a desejar e seu roteiro é fiel à obra que o deu origem, contudo, a impressão que eu tive ao assisti-lo foi a de que algo estava faltando, algo que fosse capaz de torná-lo tão impactante quanto os escritos de  Jack Kerouac. Demorei para perceber, mas ao seu final eu cheguei à conclusão de que o que lhe faltava era uma alma. Nele, onde abunda qualidade técnica falta sentimento.

Sempre defendi que toda adaptação deve buscar ser independente da obra que a originou, por isso não tenho o costume de cobrar fidelidade ou qualquer outra postura em relação ao original, no entanto para explicar a impressão que tive ao assistir o filme do Walter Salles, precisarei recorrer à obra de Kerouac. No livro, tal como no filme, o que predominam são as andanças dos personagens pelo território americano, o consumo de drogas lícitas e ilícitas e a prática amor livre, no entanto nele há algo a mais, há as motivações de cada um deles, há o contexto histórico e o vazio quase palpável de suas vidas, que eles transformam em desapego através de um processo que é também filosófico e reflexivo. No filme, as motivações, o contexto histórico e o vazio existencial praticamente desaparecem, dando lugar a algo que pode ser facilmente interpretado como mera rebelião e inconsequência juvenil. 


O grande problema é que o roteiro sem os elementos que citei acima perde aquilo que é a sua essência e se torna apenas mais uma história sobre jovens drogados vivendo de forma irresponsável. Walter Salles foi, como eu disse, ousado ao aceitar a árdua tarefa de dirigir a adaptação, no entanto ele cometeu o erro que outros cineastas evitaram cometer quando a recusaram. Ele aparentemente optou pelo caminho mais fácil, executou o roteiro medíocre escrito por Jose Rivera, filmou (muito bem filmado) o que era filmável, mas deixou de lado tudo o que não era tão simples de ser dito pela linguagem cinematográfica. Contudo, tenho que reconhecer que, mesmo sendo demasiadamente superficial, aquilo que vemos na tela não é de todo ruim, apesar de decepcionante. Diversos aspectos, em sua maioria técnicos, salvam o filme de ser um desastre completo e fazem dele uma obra digna de ser vista e apreciada. 


Em seu roteiro o longa adota os nomes fictícios atribuídos aos personagens na primeira edição do livro a ser publicada, o que é compreensível uma vez que esta é de longe a versão mais conhecida da obra, todavia, penso que o uso dos nomes reais poderia ter colaborado de forma positiva com a adaptação, que teve o Manuscrito Original como a base de seu roteiro, mas este é apenas um pequeno detalhe ao qual não pretendo me ater, vamos então à trama:

Sal Paradise (Sam Riley) é um aspirante a escritor que tenta superar a morte recente do pai, sua vida se transforma por completo depois que ele conhece Dean Moriarty (Garrett Hedlund), um delinquente juvenil que pregava o desapego e vivia uma vida desregrada. É Dean quem convence Sal a colocar o pé na estrada pela primeira vez. Na primeira viagem Paradise parte sozinho para se encontrar com o jovem poeta Carlo Marx (Tom Sturridge), com Moriarty e com a namorada deste, Marylou (Kristen Stewart), em Denver, no estado do Colorado.


Depois desta primeira viagem, a vida na estrada se torna uma compulsão para Sal e Dean, como se a liberdade proporcionada pela aventura tivesse se tornado para eles uma droga ainda mais forte e viciante que a benzedrina, estimulante derivado da anfetamina, que eles consumiam desenfreadamente. Os conflitos que permeiam a trama surge da amizade autodestrutiva de Sal e Dean e dos relacionamentos deste com Marylou e Camille (Kirsten Dunst), sua segunda esposa. Diversos outros personagens surgem e desaprecem durante a duração do filme, sem serem devidamente apresentados e sem terem tempo de mostrar a que vieram. O roteiro, numa evidente tentativa de ser fiel ao livro de Kerouac, acaba resultado em uma narrativa desconexa e episódica, onde tudo acontece muito rápido, sem deixar tempo para um melhor desenvolvimento de cada um dos conflitos.


A pressa da narrativa não permite que o filme trabalhe as motivações dos personagens centrais, há relativamente pouco tempo para os diálogos mais profundos e para os momentos de reflexão, que constituem uma parte essencial na obra literária. Uma das passagens de maior importância para a trama, que é aquela na qual ficamos conhecendo melhor o caráter e os fantasmas interiores de Dean Moriarty, foi simplesmente subtraída e isto afeta diretamente na percepção que se tem do personagem ao ver o filme, ele que era originalmente complexo, repulsivo e ao mesmo tempo cativante, é transformado em um babaca qualquer, incapaz de justificar a paixão com que o Sal Paradise, como narrador, comenta sobre ele e as experiências que viveram juntos. Ao prejudicar este que é o personagem mais importante na trama, o roteiro acaba comprometendo o filme como um todo e isso explica a relativa dificuldade que temos de nos identificarmos com o drama e com o desejo de liberdade experimentado pelos protagonistas. 


A direção de Walter Salles até que é eficiente, apesar de ele ter sua plena potencialidade de criação castrada ao se submeter ao roteiro, que se atém apenas aos fatos 'filmáveis'. Apesar da irregularidade do filme, resultante dos aspectos que comentei acima, o cineasta ainda merece o reconhecimento por ter tocado o projeto adiante e por ter conseguido reunir um time de atores de primeira, alguns deles para aparecem apenas em pontas, como é o caso de Steve Buscemi, Viggo Mortensen, Elisabeth Moss, Alice Braga e Terrence Howard. A verdade é que as atuações constituem o aspecto artístico de maior destaque no filme. Sam Riley e Kirsten Dunst estão muito bem, mas são Tom Sturridge e Kristen Stewart quem roubam a cena; ele expressa de forma excelente toda a insanidade e impulsividade de Dean, já ela nos passa a impressão de simplesmente desaparecer para dar lugar à sua personagem, o que fica evidente na formidável cena em que ela e Sturridge dançam um bebop frenético. 


Ao final de sua duração, Na Estrada deixa uma em nós espectadores uma leve sensação de vazio, não aquele vazio existencial semelhante ao experimentado pelos personagens no livro, mas sim uma sensação de ausência de conteúdo, de superficialidade, o que atribuo à ausência de sentimentos que predomina durante o desenvolvimento de sua trama. Quando os créditos finais surgem na tela é que temos a noção de quanta coisa nos foi omitida. Ele não nos revela, por exemplo, o caminho percorrido pelos jovens em suas andanças, nem quanto tempo durou cada uma de suas três viagens (os mais desatentos sequer perceberão que foram três, afinal fica fácil se perder diante de tantas idas e vindas, que parecem nunca sair nem chegar de lugar nenhum). No fim das contas, o que sobra do filme, além de sua qualidade técnica e das boas atuações, é apenas uma efêmera ebulição de sensações, que se perde poucos minutos depois do fim dos créditos... Mas, apesar dos pesares, ainda o recomendo! 


Assista ao trailer de Na Estrada no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.


Confiram também, aqui no Sublime Irrealidade, a resenha crítica do livro On the Road de Jack Kerouac, clique AQUI !

7 comentários:

  1. Oi Brunão, tudo beleza aí?
    Rapaz, como vc consegue falar tanto e com tanto conhecimento sobre os filmes que assite? Hahahahahaha, eu nunca consigo falar mais do que dez linhas, hahahahahaha. Olha depois no meu blog o que eu falei sobre o filme A ilha do Tesouro, hahahahaha, dá até vergonha se comparado as suas resenhas!

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  2. Adoro os filmes de Walter Salles. Central do Brasil é o meu filme preferido. Mas confesso que gostava mais dele, antes dele começar a fazer co-produções com outros países, mesmo que latinos.

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  3. Ola,excelente a resenha sobre o filme, que ainda não vi,mas agora é um compromisso.Meu grande abraço.SU.

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  4. Olá, José Bruno.
    Ainda não li o livro (li o início, mas ele foi apagado em uma das muitas vezes que tive de reinstalar o Windows), mas vou ver se consigo achá-lo de novo, daí se eu gostar, eu assisto o filme.
    E eu ainda continuo detestando a Crepúscula visceralmente.
    Abraço, José Bruno.

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  5. Estou muito curiosa para assistir esse filme. Há umas semanas, tenho tentado encontrá-lo, mas está complicado. Levarei em consideração suas críticas, quando assisti-lo. Também não li o livro, mas me interessei pelo que você relatou. Se eu apreciar o filme, comprarei o livro, para compará-los.

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  6. O melhor do filme é Garrett Hedlund. Ele tem futuro.

    O Falcão Maltês

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  7. Bruninho, tudo bem?
    Ainda em off no blog, mas me atualizando nas leituras essenciais, como tuas resenhas. Não comentarei, necessariamente, mas sempre por aqui, tá bom?
    Beijos e ótimo feriado!

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