A Felicidade Não Se Compra (It's a Wonderful Life) - 1946. Produzido e Dirigido por Frank Capra. Escrito por Fabiana Frank Capra, Frances Goodrich e Albert Hackett. Direção de Fotografia de Joseph F. Biroc, Joseph Walker e Victor Milner. Música Original de Dimitri Tiomkin. Liberty Films (II). / EUA.
A Felicidade Não Se Compra (1946) de Frank Capra é na minha humilde opinião o melhor filme de natal de todos tempos, não porque ele tenha sido inovador ou revolucionário, mas por ter captado como nenhum outro, com uma delicadeza suprema, cada um dos clichês que convencionalmente chamamos de espírito natalino. Neste caso específico, quando falo de clichês, falo da maneira mais positiva possível, afinal não tem como falar de natal sem se render a uma boa dose deles. É nesta época do ano que geralmente abaixamos a nossa guarda, que nos permitimos emocionar com mais facilidade e que tentamos nos enganar nos convencendo de que estamos vivendo ao menos um pouquinho melhor que o personagem de Um Conto de Natal de Charles Dickens. Profissionais da área de psicologia já falam de uma espécie de depressão de natal, que seria um sentimento de vazio que acomete algumas pessoas no período antecedente e posterior à data, de fato as pessoas ficam aparentemente mais sensíveis, no entanto isto tem pouco a ver com humanitarismo ou altruísmo, em algumas das vezes se deve a um sentimento de perda ou de culpa motivados pelo que fizemos ou deixamos de fazer no ano que chega ao fim.
Este excesso de sensibilidade ajuda a explicar em partes o sucesso que este filme conquistou com o passar dos tempos. A Felicidade Não Se Compra não chegou nem perto do retorno financeiro esperado pelos seus realizadores, o que quase levou sua pequena produtora à falência, o insucesso das bilheterias pesou negativamente e foi determinante para que o filme não tivesse os direitos de sua exibição comprados por nenhum dos grandes estúdios da época, o resultado disso é que com pouco tempo a obra já tinha se tornado de domínio público. Nos anos que se seguiram a exibição do filme na TV aberta americana, na noite de natal, se tornaria quase uma tradição, foi então que ele começou a conquistar e cativar seu público. A admiração por ele só se fez aumentar, ao ponto de ele passar a figurar em boa parte das listas de melhores filmes de todos os tempos. A minha teoria para explicar tal fenômeno é simples, o filme só não conseguiu sucesso imediato porque seus espectadores não estavam prontos para ele. Desassociado do contexto natalino a obra chaga a soar inocente e ingênua demais, só mesmo em um contexto de sensibilidade já aflorada ele é capaz de funcionar em sua plenitude.
George Bailey (James Stewart) é o personagem central de A Felicidade Não Se Compra, desde jovem seu sonho foi fazer uma boa faculdade e viajar mundo afora colhendo experiências, ele acreditava não ter vocação para passar o resto de sua vida em uma cidade provinciana como aquela onde nascera, no entanto no decorrer de sua vida ele vai abrindo mão de cada um de seus sonhos em favor daqueles que estão à sua volta. Após a morte de seu pai ele decide cumprir a vontade do velho e assumir sua função em um pequeno banco que realiza empréstimos e financiamentos imobiliários. Seguindo os mesmos princípios do pai, George conduz o banco de uma forma que poderia ser apontada até como irresponsável, ele se preocupa mais em realizar o sonho da gente simples de sua cidade do que em enriquecer com seu negócio, ele assume um alto risco de crédito confiando apenas no caráter das pessoas para quem empresta altas quantias em dinheiro. George, através do banco, ajuda a tornar os pobres menos dependentes e a tirá-los do aluguel e isso começa a desagradar Henry F. Potter (Lionel Barrymore), um desonesto banqueiro e locatário de imóveis, que praticamente domina a economia da cidade.
O filme, que tem pouco mais de duas horas de duração, pode ser dividido em duas partes, a primeira acompanha George desde sua infância e mostra como suas escolhas definiram a vida adulta que ele tem, a segunda parte está ambientada em apenas uma noite, a véspera do natal, naquele dia uma enorme quantia em dinheiro desaparecera do banco gerenciado por George, ele tomado pelo desespero de ser difamado, de cair em desgraça e até ser preso não vê outra saída a não ser ir para um bar e encher a cara, mas antes de ir ele faz uma oração pedindo a Deus que lhe valesse e lhe apontasse o caminho diante daquela situação, sua esposa, a bela e gentil Mary (Donna Reed) e seus quatro filhos vendo o desespero dele também se põem a orar, os seus clamores são ouvidos no céu... Deus sabia que George pretendia se matar naquela noite, se jogando de uma ponte, para salvá-lo Ele envia Clarence (Henry Travers), um anjo atrapalhado de segunda classe que está em missão para conseguir suas asas e assim ser promovido á primeira classe. Após impedir o suicídio, Clarence convida George para ver como seria sua cidade se ele não tivesse nascido (recentemente o humorístico da Globo A Grande Família fez uma paródia desta passagem do filme) é então que começa a parte mais marcante e tocante do longa, é quase impossível não se emocionar...
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A Felicidade Não Se Compra é reconfortante pois ele nos conduz á uma espécie de catarse que nos ajuda a lidar com com nossos próprios medos e problemas, seu roteiro nos induz à identificação com o personagem principal e com sua trajetória. De repente as dores causadas pelas nossas frustrações são amenizadas, nos convencemos de que se também pudéssemos ver como seria o mundo sem a nossa presença, teríamos o mesmo tipo de reação de George. Como disse no início do texto, nossa sensibilidade se aflora mais pois questões egoístas do que altruístas, o filme então nos consola dizendo que, mesmo quando nos considerarmos fracassados, nós somos de alguma forma importantes e que o mundo poderia ser pior sem nossa presença. Podemos então questionar: Por que não acontece o efeito oposto? Não correríamos o risco de imaginar que o mundo poderia melhor sem a nossa presença? Eu acredito que a probabilidade de isso acontecer diminui simplesmente por ser natal, por estamos buscando não a dor, mas algum tipo de conforto e algo que nos deia um significado maior para tudo que fizemos durante o ano que ora finda.
A Felicidade Não Se Compra é pura magia, ele é sublime em sua simplicidade e ingenuidade. Ele funciona tão bem, mesmo depois de 65 anos, porque no fundo tal simplicidade é o que sempre procuramos, constantemente buscamos algo que nos convença de que nossos dilemas e problemas do cotidiano são simples e não complexos e de que a vida vale a pena ser vivida, simplesmente por ela ser maravilhosa tal como ela é, mesmo com todas as suas dores e frustrações... Além do belíssimo roteiro, ainda merecem destaque a atuação brilhante de James Stewart e a edição, que confere ao filme um ritmo que não permite que ele se torne cansativo em nenhum momento. Ao assisti-lo deixe de lado o repúdio aos clichês e se renda ao espírito de natal, desta forma você dificilmente estará imune aos maravilhosos efeitos que ele é capaz de provocar... assista-o antes que o espírito de natal desapareça e deia lugar egoísmo não poético do cotidiano... Ultra recomendado!
A Felicidade Não Se Compra ganhou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Diretor. No Oscar, o filme foi indicado nas categorias de Melhor Filme, Ator (James Stewart), Diretor, Edição e Som.
Bruno, belissimo texto, engoliu o meu em abrangência...hehehe...FELICIDADE NÃO SE COMPRA é um filme mágico mesmo e uma bela pedida para o Natal. Uma inocência q parece fazer falta nos dias de hoje. Grande Abraço!
ResponderExcluirAssisti esse filme há muiiiiiiiiitos anos. Depois de ler a resenha do Celo e agora a sua, me bateu uma vontade de rever!!
ResponderExcluirbeijossss JoicySorciere - Blog Umas e outras...
Muito bom o texto, Bruno! Não tinha ideia dos bastidores da circulação dele... mais um clássico relido e louvado na posteridade...
ResponderExcluirSabe, embora o eixo da ação se concentre no Natal fatídico natal do protagonista, não o vejo como um filme natalino. Adoro-o porque acho-o uma das grandes comédias dramáticas do cinema, com a construção de um lindo par romântico e com um anjo torto que cria para o homem perdido a mágica que lhe mostra que ele é necessário - e não é isso que no fundo todos nós queremos, nos sabermos necessários? E, além do mais, o protagonista é o meu James Stewart. Não quero mais nada...
Bjs e inté logo
Dani
Bruno, Parabéns pelo ótimo texto,rico em informações e com ótima e detalhista sinopse. Eu não tinha conhecimento do "Não Sucesso" que o filme fez em sua época de lançamento, quanto mais da quase falência do Liberty Films. Ao ler essas suas informações conclui que; você já percebeu que "os considerados melhores filmes de todos os tempos" em sua época de lançamento não fizeram sucesso (Tanto com Público, Quanto com Crítica?) Como exemplo além desse que falamos, tem ainda, Rastros de Ódio, Cidadão Kane, (Quase Todos de Hitchcock) etc. Será que o público/Crítica de antes não sabiam apreciar as jóias que tinham ou nós que por não termos NADA hoje em dia valorizamos muito o que foi feito no passado? mas enfim.....
ResponderExcluirGrande abraço....
Boa análise desse filme atemporal que, a meu ver, é muito melhor porque nos permite investir tempo na trajetória emocional de George Bailey. E quem nunca deixou seus sonhos para trás para ajudar a sua família ou os amigos?
ResponderExcluirComo filme natalino, é insuperável!
Decidido... voltei pra dizer que já estou baixando para assistir nooooovamente! Aproveitar para rever essa obra prima, já que estou de férias, né!?
ResponderExcluirBeijinhosJoicySorciere - Blog Umas e outras...
Prometi e cumpri: revi dia 25 de dezembro. Cada ano que se passa gosto mais e mais, me toca de forma mais pessoa e forte. A Felicidade Não Se Compra me impulsiona a fazer o bem para os outros, amar e ser amado, ser feliz e propagar a felicidade. É mágico, é único, é natalino. E não poderia ser diferente, diante daquele sorriso, que transmite sinceridade, de James Stewart - um dos meus atores favoritos - ao receber todas as visitas e ajudas financeiras, começo a chorar como um bebê recém-nascido.
ResponderExcluirOutra coisa que não é frequentemente comentada, mas é fundamental para a trama, são os alívios cômicos. Os diálogos/narrações dos anjos são bastante engraçados, assim como o anjo da guarda de George Bailey, deixando o clima ainda mais leve e fácil de embarcar.
Acho que recomendei este filme para quase todos amigos e colegas de trabalho nos últimos dias ainda estou sob o efeito dele...
ResponderExcluirPois é Júlio eu deveria ter comentado esta veia Cômica que é muito forte no filme e que se expressa tão bem através do personagem Clarence, o anjo... ele é um dos personagens que mais me comove, acho belíssimo quando no início do filme é dada a descrição dele: "ele tem um Q.I. de um coelho, mas tem um coração de uma criança"... vem dele também a melhor lição que se pode tirar do filme: "Lembre-se que nenhum homem com amigos é um fracasso..." definitivo...
Sensacional, uma aula de cinema de Frank Capra, que utiliza sensibilidade e emoção na medida certa.
ResponderExcluirAbraço