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terça-feira, 24 de abril de 2012

Pina

Pina - 2011. Escrito e Dirigido por Wim Wenders. Direção de Fotografia de Hélène Louvart. Música Original de Thom Hanreich. Produzido por Wim Wenders e Gian-Piero Ringel. Neue Road Movies / Alemanha | França | UK.


Meu primeiro contato com a obra de Pina Bausch foi através do filme Fale com Ela (2002) de Pedro Almodóvar, que mostra em uma de suas primeiras cenas um trecho da peça Café Müller. Apesar de curto, este recorte da encenação, que funciona no longa como prelúdio de desdobramentos do roteiro, me impactou fortemente. Em movimentos corporais aparentemente simples era possível identificar sentimentos e sensações tão pungentes, como dor, angústia e ânsia de libertação... Almodóvar soube escolher muito bem qual parte da montagem teatral usar em seu trabalho, primeiro porque este fragmento está fortemente relacionado com a história contada em seu filme e segundo porque, mesmo sendo breve, ele compila alguns dos elementos mais característicos do estilo da coreógrafa alemã. A opressão e a melancolia, associadas à dicotomia masculino versus feminino, que ficam tão evidentes na passagem reproduzida, foram as principais marcas da obra desta artista, que nasceu em Solingen em 27 de julho de 1940 e reiventou o teatro e a dança na década de 60.

O projeto de rodar um filme sobre a obra de Pina surgira anos atrás, antes da morte dela em 30 de junho de 2009. O cineasta Wim Wenders estava convencido de que seria capaz, com suporte tecnológico oferecido pelo 3D, de transportar para a tela a experiência artística única que suas montagens proporcionavam nos palcos. Quando ele lhe apresentou a ideia, ela gostou e decidiu acompanhar todo o processo criativo ao lado dele, que era seu amigo de longa data, contudo algo inesperado faria com que o projeto tomasse um outro rumo... Com a morte repentina de Pina (em decorrência de uma doença diagnosticada cinco dias antes), Wenders decidiu dar continuidade ao projeto transformando-o em uma belíssima homenagem póstuma, cujo o foco seria a imortalidade que ela alcançara através de sua arte. 


Implicitamente o documentário defende que a imortalidade artística, que seria uma condição suprema, fora alcançada por Pina e como prova disso ele aponta a riqueza daquilo que ela deixou como legado e o respeito quase surreal que seus amigos e discípulos devotavam a ela.

Dance, dance, otherwise we are lost”- esta citação de Pina é evocada enfaticamente por Wenders como um epitáfio e ao mesmo tempo como uma testificação de que ela, como artista, não estará "perdida", umas vez que sua memória será preservada pela dança, que era sua principal forma de expressão. 

A importância e grandiosidade da obra de Pina se manifesta no filme através da passionalidade de cada um dos depoimentos concedidos por dançarinos que trabalharam com ela e na reverência com que o cineasta estabelece o diálogo entre a arte dela (a dança) e a dele (o cinema).


"Há situações, é claro, que te deixam absolutamente sem palavras. Tudo o que você pode fazer é insinuar. As palavras, também, não podem fazer mais do que apenas evocar as coisas. É aí que vem a dança..."

O olhar de Wenders sobre a obra de Pina denota o enorme respeito dele em relação à ela, esta postura o impede de minimizar a complexidade de suas peças e até mesmo de arriscar interpretações reducionistas sobre cada uma delas e é justamente isso que torna o documentário tão especial e diferenciado dos demais. Quem está acostumado com o formato padrão do gênero (informações históricas + imagens marcantes/raras) certamente irá estranhá-lo, uma vez que ele foge completamente do estilo "jornalístico" (nele felizmente não somos expostos a informações do tipo que poderiam ser encontradas na wikipedia), podendo ser melhor definido como: uma conversão da experiência da apreciação artística em uma nova obra de arte, tão impactante e bela quanto a original... Os posicionamentos de câmera, os ângulos de cada tomada, a edição, todos estes aspectos parecem ter sido trabalhados com a pretensão de nos proporcionar uma experiência similar à de de ter assistido ao espetáculo em um teatro - provavelmente esta experiência chega ainda mais próxima do real no formato 3D - porém com a surrealidade que só o cinema poderia acrescentar, como o deslocamento das encenações do palco para as ruas e outros lugares insólitos...


As belíssimas cenas de dança são intercaladas no documentário à declarações de dançarinos e de outras pessoas que atuaram ao lado da coreógrafa em sua companhia, a Tanztheater Wuppertal. É muito interessante a forma com que estes depoimentos são mostrados ao longo do filme, em nenhum momento vemos os entrevistados conversando, apenas ouvimos suas vozes em off, enquanto eles são filmados rapidamente em posições quase estáticas, que enfatizam apenas suas expressões faciais, em seguida eles são mostrados já em ação, ou seja dançando. Eu entendo a opção por tal tipo de edição como mais uma prova da reverência prestada pelo cineasta, é como se ele se recusasse a mostrar no filme qualquer movimento que não fosse as coreografias criadas por Pina. Outro aspecto interessante, é o fato de o cineasta permitir que cada entrevista fosse concedida na língua original do entrevistado, o que acentua a multietnicidade do elenco da companhia, aspecto este que era muito bem aproveitado por Pina em cada montagem, ela valorizava a individualidade e as experiências de cada membro de sua equipe. 


Somente após assistir Pina eu consegui compreender o nervosismo de algumas críticas negativas que ele recebeu e a sua relativa má recepção em algumas das principais premiações da última temporada, ele meio que repetiu o fenômeno provocado por A Árvore da Vida (2011) de Terrence Malick, ambos não conseguiram se fazer compreendidos pelo grande público, para quem a experiência artística/filosófica tem pouco valor. A escassa verbalidade da linguagem do filme de Win Wenders dificultou a sua digestão por aqueles que são incapazes de sentir a ebulição de sentimentos e sensações que cada uma de suas sequências evocam. A desculpa de que só quem gosta de dança contemporânea seria capaz de compreender e apreciar o filme simplesmente não cola, uma vez que cada uma de suas mensagens transcendem a sua linguagem por serem universais e compreensíveis a cada um que ainda tenha um mínimo de sensibilidade. Pina é uma obra prima cativante e emocionante, porém não ouso a recomendar para todos...


Pina foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário e ao BAFTA na categoria de Melhor Filme de Língua Não-inglesa.

Assistam ao trailer de Pina no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a resenha crítica de Asas do Desejo (1987), também dirigido por Wim Wenders.

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra, 


30 comentários:

  1. bruno,
    leio as tuas crónicas com grande atenção, porque elas centram-se naquilo que só o olhar minudente pode abranger e que tu, a meio da tua reflexão, sintetizaste na frase "a imortalidade que ela alcançara através de sua arte."
    não vi e conheço mal a obra de wenders, mas um filme que me convide a revisionamento é aquele que mais me toca. porque há sempre muito que se esconde do outro lado do olhar.

    um abraço!

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    1. Lhe recomendo Jorge, tanto a obra de Win Wenders (inclusive o maravilhoso "Asas do Desejo" que já resenhei aqui no Sublime), quanto a de Pina, pela qual eu já me apaixonei!

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  2. Não conheço os trabalhos de Pina e de Wenders, mas pude perceber o cuidado com que esta obra foi produzida.
    Uma forma de expressão cinematográfica que foge do comum está sempre sujeita a rejeição ou a permanecer em segundo plano.
    Mas é como você disse, filmes assim são feitos para pessoas com a capacidade de perceber os sentimentos fluindo além das palavras.

    Grande abraço e tenha uma boa semana.

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    1. Sim, é verdade, o documentário foi produzido com um esmero sobrenatural, como um último presente do cineasta para a sua amiga... de fato não é um filme comum e é isto que o torna tão maravilhoso!

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  3. Bruno,

    Te aplaudo de pé! Adoro Pina e estou na ansiedade para assistir esse filme. Adorei Arvore da Vida pelo caráter melancólico e filosófico. O que você descreveu sobre as cenas de dança já imaginava. Esse era o meu desejado para o oscar, apenas por Pina e por tantos outros motivos.

    Beijos.

    LU

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    1. Luciana, se você já é uma admiradora da obra de Pina, tenho então certeza de que você irá gostar muito do filme, ele é maravilhoso em todos os aspectos!

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  4. Que show, sempre quis assistir, dizem que é ótimo. Adorei a resenha, como sempre...Beijao, www.spiderwebs.tk

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  5. Ola Bruno,
    Excelente resenha que trata os pormenores da obra, facilitando a nossa compreensão e nos estimulando muitas vezes a ver o filme. Também não conheço as obras de Wender, fica então a oportunidade para conhecer.

    Valeu pelo link para o youtube, assim podemos ter um contato inicial!


    Abraços Flávio.
    --> Blog Telinha Crítica <--

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    1. Obrigado Flávio!
      Espero que você goste do trailer e que ele também lhe sirva como mais um atrativo para que você assista ao filme!

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      I hope to see you here more often!

      Hugs!

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  7. Bruno, tudo bem?
    Fico aqui imaginando essa mistura de Wenders e a Pina!
    Que espetáculo de imagens, cenas, tomadas inusitadas, cortes, enfim. Do Wenders me lembro mais do "Asas do Desejo", talvez o clássico dele, (pode ser, não?). Interessante mesmo e tua resenha tem detalhes que instigam a imaginação.
    Beijos e ótimos dias!

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    1. Cissa, o filme é lindo, muito mais do que eu já tinha imaginado, o casamento entre a obra de Pina e de Wenders é fantástico!

      Eu também considero "Asas do Desejo" a grande obra prima dele!

      Beijos!

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  8. Gostei bastante do filme de Win Wenders. É apenas uma pena que muitos não tiveram a oportunidade de vê-lo em 3D por desleixo da distribuidora que o restringiu às grandes cidades.

    O filme é visualmente mágico e mesmo quem não gosta de dança não tem como não se render às composições artísticas de Pina.

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    1. Infelizmente faço parte desta grande parcela que não a oportunidade de assisti-lo em 3D, acho que com a profundidade de campo, que dizem que Wenders explorou muito bem, ele se torna ainda mais belo!

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  9. Oi Bruno
    Como eu já disse no outro comentário, eu aprendi muito com vc, desde que te conheci, e pela resposta, vi que vc ainda é humilde, que bom, isso é uma virtude. Não sou culta como a minha querida amiga xará Lú, então se não fosse por vc nem sabia quem era Pina (kkkk), valeu a dica, por que gosto de arte, e graças a vc e a galera eu estou saindo da mesmice americanizada, estou ficando culta (kkkkk).
    Bjão Brunão. e um ótimo feriado.
    http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br/

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    1. Eu também conhecia muito pouco dela antes de visto o documentário Luciana, somente de ter lido algumas matérias sobre ela e outras que a relacionavam à época na qual despontou... Isto faz com que o filme se torne ainda mais recomendável, ele é uma excelente forma de se mergulhar na obra dela!

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  10. Bruno,
    coloquei teu blog na minha lista de recomendados. Já deveria ter feito isso, foi uma desatenção minha.
    Grande abraço e ótima sexta-feira!

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    1. É uma honra para mim ter o Sublime entre seus indicados Cissa!

      O seu já está adicionado à minha!

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  11. Li ótimas críticas desse filme. Parece ser muito bom.

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  12. O melhor documentário do ano passado. Fascinante.

    O Falcão Maltês

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    1. Ainda não vi os outros que foram indicados também na temporada de premiações, mas acho difícil algum deles superar este!

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  13. Grande trabalho de Wim Wenders. PINA é fenomenal e gostaria que tivesse ganho o Oscar. A cena de Café Müller mostrada em "Fale Com Ela" é fantástica e irresistível e você contextualizou este trecho no filme muito bem. É de encher os olhos as coreografias criadas por esta lenda dos palcos. Bausch também merecia um longa metragem. Seria ótimo.

    Abs.

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  14. Menino, que resenha boa heim?? Do filme eu ja ouvi boas coisas e Pina é um ícone, mas confesso que nunca me interesso muito pelo diretor...Wim Wenders, confesso que nao conheço, pois sempre vejo filmes(e nao sou cinéfila) pelo artista e pela história e raramente olho quem seja o diretor. Pode ser uma tremenda falta de cultura, mas nunca me dei conta da importáncia deles (sei que são sim, so estou dizendo que nunca me dei conta disso),aliás poucos diretores tem peso na minha escolha de filme para assistir.
    Massssssss Pina está na minha lista, e agora subiu pro topo, depois da sua resenha tão intimista, tão cheia de detalhes que bolinam nossa imaginação.
    Beijokas doces.

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    1. Este foco nos atores e na história é muito comum, tendo-se em vista que temos mais contato com o cinema americano, no qual o peso da produção é na maioria das vezes maior que o da direção... Mas diretores Marly, como o Wenders que imprimem uma marca autoral aos seus filmes, tal como um pintor ou escultor que empresta bastante de si à sua arte...

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  15. Vi Pina em 3D. Vou contar-lhe: a experiência é INCRÍVEL. Depois de Hugo, o filme que melhor sabe aproveitar a tecnologia. Nos sentimentos realmente imersos na obra. Sobre o filme em si, é realmente maravilhoso. Interessante como, mesmo sendo documentário, é uma obra bem sensorial, que evoca sentimentos fortes através das danças. E, claro, uma grande e bela homenagem à essa grande artista que Pina foi. Gostei muito das sua reflexões acerca do longa! Só faço uma ressalva: por depender muito da subjetividade, Pina possui alguns buracos em sua narrativa. Felizmente, isso não atrapalha a maravilhosa experiência proporcionada pelo mesmo.

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    1. Eu lamento imensamente por não poder ter visto ele em 3D, e olha que eu não sou um entusiasta desta tecnologia, imagino que o impacto provocado por ele seja imensamente superior neste formato!

      Discordo em relação aos buracos, está tudo nas entrelinhas, nos movimentos ora sutis, ora violentos, dos bailarinos...

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