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segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Deserto Vermelho

O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso) - 1964. Dirigido por Michelangelo Antonioni. Escrito por Michelangelo Antonioni e Tonino Guerra. Direção de Fotografia de Carlo Di Palma. Música Original de Giovanni Fusco e Vittorio Gelmetti. Produzido por Tonino Cervi. Film Duemila e Federiz  / Itália | França.


Michelangelo Antonioni fez parte de uma geração que revolucionou a forma de fazer e de pensar cinema nas décadas de 50 e 60, seus filmes possuem uma forte marca autoral e trazem consigo a profundidade das  reflexões filosóficas e sociológicas ensaiadas pelo cineasta. Em sua juventude, Antonioni já integrava os círculos intelectuais de onde sairiam nomes seminais da literatura italiana da segunda metade do século passado, o interesse dele pelas artes o levou a se aproximar do teatro e da crítica cinematográfica. À princípio, o teor de seus escritos, como crítico de cinema, e as abordagens de alguns de seus primeiros curta-metragens o aproximaram do movimento neorrealista, que tinha como principais nomes, Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, no entanto em sua maturidade artística Antonioni se distanciaria desta escola, ele direcionaria seu foco narrativo, não para as questões sociais, mas para para os dilemas e angústias pessoais enfrentados por cada indivíduo. O cunho marxista de sua obra se manifestaria não no embate entre as classes sociais, mas no posicionamento do indivíduo frente à sociedade capitalista industrial, que o tornava impotente e alheio à sua própria vida.

Em O Deserto Vermelho (1964), seu primeiro filme fotografado em cores, Antonioni retoma a temática que caracterizara seus três primeiros longas, que ficaram conhecidos como a "trilogia da incomunicabilidade", nele é abordada a angústia existencial e a solidão do indivíduo que não consegue se realizar como tal e acaba se perdendo em meio à desumanização propiciada pelo capitalismo. A trama do filme se desenvolve quase em sua totalidade em um distrito industrial da comuna de Ravenna  na Itália e no seu centro está a belíssima Giuliana (Monica Vitti), ela é a esposa de Ugo (Carlo Chionetti), o gerente de uma grande usina, e tem um filho ainda pequeno com ele. Apesar de ter uma vida aparentemente tranquila, Giuliana não se sente realizada, ela tem sérios problemas psicológicos, que são atenuados pelo isolamento social do qual ela é vítima. Ela, que acabara de sair de uma clínica, onde fora internada após um trauma, tenta se convencer que já está curada, todavia ela permanece visivelmente atormentada. Ugo se preocupa com ela e tenta ampará-la, mas existe um verdadeiro abismo entre eles.


Corrado Zeller (Richard Harris), um dos funcionários da usina, tenta se aproximar de Giuliana após ter sido apresentado a ela por Ugo, ele está apenas de passagem pela cidade, recrutando funcionários para trabalharem durante uma temporada na América do Sul. Lentamente ela começa a se abrir com ele, estabelecendo desta forma uma comunicação muito mais consistente do que aquela que ela mantém com o próprio marido. A relação que começa a se desenvolver entre eles é cheia de compreensão e cumplicidade e isso parece ajudar a ambos, mas ela vai se tornando perigosa por eles se aproximarem demais...


Corrado, ainda que em menor medida, também sente os efeitos de viver em uma sociedade tão desumanizada, mas diferente de Giuliana, ele aparenta ter encontrado algum tipo de equilíbrio. Ao ser questionado por ela acerca de sua posição política, ele responde: "É como perguntar em que se acredita, são palavras que pedem uma resposta precisa. Na verdade não se sabe bem no que se acredita. Acredita-se na humanidade e num certo sentido. Um pouco menos na justiça... um pouco no progresso. Acredita-se no socialismo talvez. O importante é agir do modo que se ache justo, justo para si e para os outros; para ter paz de consciência. A minha consciência está tranquila...". Durante o desenrolar da trama fica claro que a angústia existencial que Giuliana sente também é sentida por outros personagens que estão à volta dela, porém, somente ela a externa. 


Em O Deserto Vermelho (1964) as imagens, suas tonalidades de cores e enquadramentos, dizem muito mais que as palavras - esta é na verdade uma das características mais marcantes da obra de Antonioni - o uso deste tipo de narrativa tende a afastar a parte do público que tem dificuldade de decodificar tal tipo de mensagem, para estes o filme aparentará ser lento e sua trama fará pouco sentido. No entanto, aqueles que se dispuserem a apreciar o filme em sua totalidade, como uma obra de arte e não como entretenimento perceberá o quão profunda a história contada é. A preocupação com as cores do filme se refletiu até na escolha de seu nome, à principio ele deveria se chamar "Celeste e Verde", porém, depois de uma conversa com Jean-Luc Godard, Antonioni decidiu mudar, pois de acordo com o cineasta francês este não era um título "suficientemente viril"... O deserto vermelho, ao qual o nome definitivo se refere, não é uma referência às locações onde a fita foi rodada, mas ao estado psicológico da personagem principal.


Antonioni, assim como Ingmar Bergamn (que curiosamente morreria na mesma data que ele), permaneceu adepto do cinema em preto e branco bastante tempo depois do advento do cinema em cores, para ele o uso da tecnologia não poderia ser tido como um mero avanço técnico, ele precisava se tornar parte da linguagem fílmica, para assim ser justificado. É precisamente isso o que acontece em O Deserto Vermelho, no filme a cromatização serve como forma de salientar aquilo que os personagens sentem e também para ilustrar a forma com que o avanço das indústrias e do capitalismo destrói tudo que é vivo e belo, descolorindo e entristecendo cada paisagem... O trabalho de Carlo Di Palma, o diretor de fotografia, é simplesmente fantástico, é sublime a forma com que ele ora satura determinadas cores, ora descolore todo o quadro, demarcando apenas o vazio; os enquadramento que ele utiliza, que reforçam a pequenez do homem diante da grandiosidade das máquinas, também são esteticamente maravilhosos. 


Monica Vitti está muito bem no filme, seu desempenho justifica o fato de ela ter sido a grande musa do cineasta italiano, ela consegue expressar os sentimentos de sua personagem através de seus gestos e expressões faciais, nós espectadores percebemos o tormento que ela sente mesmo sem ela dizer qualquer palavra. O restante do elenco também entrega boas interpretações, mas a verdade é que no que tange este aspecto, o filme pertence à Monica e ao Richard Harris, eles conseguem desenvolver uma boa química nos momentos em que contracenam, o que faz com que as melhores passagens do filme sejam protagonizadas por eles...


É assustadora a forma com que esta obra permanece atual e contundente mesmo depois de quase cinquenta anos de seu lançamento, este é um dos aspectos que, somados aos outros já citados, o elevam á condição de clássico e de referência não só no tocante à linguagem, mas também pela reflexão que ele propõe acerca da solidão e da alienação do homem moderno.  

O Deserto Vermelho é sem dúvidas uma obra prima, mas isso não quer dizer que ele seja uma produção de fácil assimilação, ele é um filme pesado, indigesto e angustiante pela sua temática e por apontar problemas que só se agravariam com o passar dos anos e com a evolução do capitalismo para um outro estágio. Todavia não há dúvidas de que ele seja uma das obras mais importantes da história da sétima arte. Ultra Recomendado!


O Deserto Vermelho ganhou o Prêmio FIPRESCI e o Leão de Ouro (equivalente ao prêmio de Melhor Filme) no Festival de Veneza.

Assistam ao trailer de O Deserto Vermelho no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra,

21 comentários:

  1. Bruno, grande Post.Eu nunca tinha ouvido falar desse filme (sou bem leigo em filmes Europeus) mas lendo seu texto, percebe-se que se trata de um ótimo filme, é um estilo que eu gosto.Vou procurar assisti-lo.
    Valeu pela dica. Ótima Publicação

    Grande abraço

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    1. "O Deserto Vermelho" é uma ótima pedida para começar a conhecer a filmografia do Michelangelo Antonioni, que é sublime, não deixe de assisti-lo!

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  2. Olá Bruno, não conheço esse filme, e a principio não me atrai muito, mas valeu pela excelência do seu conteúdo, e da sua pesquisa, parabéns! Abraços

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  3. Michelangelo Antonioni é obrigatório para qualquer cinéfilo...

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  4. Porra, boa resenhou curiosidade. a. Olha, 1964 eu já torci um pouco o nariz. Mas a tua resenha me despertou curiosidade. Principalmente nesse final: "O Deserto Vermelho é sem dúvidas uma obra prima, mas isso não quer dizer que ele seja uma produção de fácil assimilação, ele é um filme PESADO, INDIGESTO E ANGUSTIANTE pela sua temática e por apontar problemas que só se agravariam com o passar dos anos e com a evolução do capitalismo para um outro estágio.

    Vou ver se eu acho pra baixar. De repente vejo hoje à noite.

    Depois deixo minha pequena opinião.

    Abss!


    ----
    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com

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    1. Jim, ele foi lançado em uma coleção da Revista Veja que trouxe alguns clássicos do cinema europeu, creio que seja relativamente fácil achar ele em bancas de revista...

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    2. Correção: Esta coleção foi lançada pelo Folha de São Paulo, e não pela Veja!

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  5. Caramba Brunão que resenha é essa hein! Me empolguei com a história e com a história da história! Muito bomm mesmo!
    Posso te pedir uma coisa?
    Bom vou pedir assim mmesmo. Tem como você fazer a resenha do filme "Ladrão de bicicletas"? É um filme italiano gravado pós segunda guerra e eu sou apaixonado por ele. Lógicamente que você só poderá fazer se já tiver visto o filme, mas se não viu eu recomendo pra você que é um mestre nessas críticas tão bem feitas!

    Parabens meu amigo, e tenha uma linda semana!

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    1. Já o coloquei na pauta, posso atrasar um pouco por causa da falta tempo, mas em breve ele estará aqui no Sublime Irrealidade, vou lembrar de dedicar a postagem a ti amigo!

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  6. Ola Bruno,
    Não vi este filme, mas o tema me interessa sim, pois segundo o que disse, trata das consequências proporcionadas pelo capitalismo, através da desumanização da sociedade.

    Ficarei de olho!


    Abraços, Flávio.
    --> Blog Telinha Crítica <--

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    1. Ele é excelente Flávio e ele continua bem atual devido a sua temática!

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  7. Oi Bruno,

    Boa noite! Meu pai era um amante de Michelangelo Antonioni. Lembro do filme e da cultura européia de forma transversal no contexto. Não lembrava detalhes, mas sim da forma e roteiro com pontadas de surrealismo. Excelente crítica, mas não sei se consigo acesso a essa obra, pois faz muito tempo que me pai me apresentou.

    Beijos.

    Lu

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    1. Luciana, como eu disse acima para o Jim, "O Deserto Vermelho" foi relançado na coleção da Folha de São Paulo de Cinema Europeu, acho que deve ser fácil achá-lo em livrarias e bancas de revista...

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  8. Nesse post vc foi fundo, nos trouxe um verdadeiro clássico do cinema, confesso nunca ter ouvido falar nele, mas gostei do enredo, e com certeza deve ser um filme fabuloso.

    Parabéns Bruno, mais uma bela postagem.

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  9. As cores deste filme são tão existencialistas quanto ele... como pode?!

    Realmente é um filme incômodo, mas, genial!

    ;D

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    1. Concordo Karla, a genialidade dele está em cada aspecto do filme!

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  10. esse Deserto parece ser bem interessante...Marcos Punch

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  11. Mais um filme com a "marca Antonioni". Pouca coisa (aparentemente) acontece, ritmo lento, longas cenas sem quaisquer diálogos, técnica aprimorada no som e na imagem. E nós, os que temos mente aberta e que gostamos verdadeiramente de cinema, adoramos tudo o que vemos no filme. Excelente atuação de Monica Vitti.

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