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sábado, 29 de dezembro de 2012

Ferrugem e Osso

Ferrugem e Osso (De rouille et d'os) - 2012. Dirigido por Jacques Audiard. Escrito por Jacques Audiard e Thomas Bidegain, adaptado da obra de Craig Davidson. Direção de Fotografia de Stéphane Fontaine. Música Original de Alexandre Desplat.  Produzido por Jacques Audiard, Martine Cassinelli e Pascal Caucheteux. Why Not Productions, Page 114, France 2 Cinéma, Les Films du Fleuve, Radio Télévision Belge Francophone (RTBF), Lumière e Lunanime / França | Bélgica. 


É natural que sentimentos experimentados pela coletividade ganhem expressões, intencionais ou não, nas mais diversas expressões artísticas e com o cinema não é diferente. Uma sociedade que passa por um período obscuro tende a produzir obras obscuras e exemplos disso são os filmes associados a escolas cinematográficas como o expressionismo alemão e o neorrealismo italiano. Este fenômeno pode ser notado e com considerável intensidade na produção cinematográfica contemporânea, diversas obras recentes, como por exemplo Tiranossauro (2011) e Cosmópolis (2012), têm sofrido a influência do atual cenário de recessão econômica, que tem afetado boa parte do mundo globalizado. Ferrugem e Osso (2012) de Jacques Audiard é mais um fruto deste mesmo cenário, nele a influência do período de crise é evidente e provavelmente foi proposital, em sua trama a luta dos personagens para sobreviverem em meio a situações tão adversas não é tão diferente da luta que tem sido travada por cada uma das vítimas das medidas de austeridade, às quais diversos países têm recorrido para superarem a crise. 

Em Ferrugem e Osso, Ali (Matthias Schoenaerts) é um ex-lutador de boxe que se viu obrigado a abandonar os ringues depois de uma lesão, ele está desempregado e cria sozinho o filho de cinco anos. Sem ter sequer o que dar de comer para o garoto, ele pede a ajuda de Anna (Corinne Masiero), sua irmã, e ela oferece abrigo para ele e o menino em sua casa. Apesar do altruísmo do gesto de Anna, fica evidente que há algum conflito não resolvido entre eles, a impressão que se tem é a de que ambos são pessoas sofridas, que carregam consigo feridas provocadas pela vida dura que levam. Anna também possui uma situação financeira instável e batalha com dificuldade para conseguir o sustento de sua casa, por isso ela cobra do irmão uma atitude rápida, que possa torná-lo novamente independente. Já na relação de Ali com o filho fica perceptível, ainda no início do filme, um aspecto marcante de sua personalidade, a enorme dificuldade que ele tem de demonstrar afeto. 


Depois de instalado na casa da irmã, Ali consegue um emprego de segurança em uma boate e é lá que ele conhece Stephanie (Marion Cotillard), uma bela encantadora de baleias. A moça acaba se metendo em uma briga e Ali a socorre e a  leva para casa. Percebemos que ele se sentiu atraído por ela, mas ele mal consegue demonstrar isso. Ao invés de ser afetuoso, ele a repreende e faz acusações mesquinhas acerca do seu comportamento e modo de se vestir. Passado algum tempo Stephanie sofre um acidente em um tanque com baleias e acaba tendo as duas pernas amputadas, o sentimento de incapacidade que ela experimenta a conduz a uma profunda depressão, no entanto, com garra ela tenta continuar tocando a vida e lentamente ela começa a se reerguer. O destino faz com que seu caminho novamente se cruze com o do ex-boxeador, porém desta vez eles estão mais parecidos do que podem imaginar, a diferença é que ela, ao contrário dele, ainda não foi totalmente embrutecida pelas restrições que lhe foram impostas pela vida. Desta vez eles se permitem aproximar mais um do outro e uma improvável cumplicidade surge entre eles...


Ali começa a participar de lutas clandestinas para ganhar um dinheiro extra e sua motivação para encarar os desafios vem justamente da determinação demonstrada por Stephanie, que passa a acompanhar-lo nas disputas. Todavia, o egoísmo dele dificulta a relação que começa a surgir entre eles e é então que percebemos que a superação que ambos buscam não se concretizará se eles não reconhecerem que são eles mesmos os maiores obstáculos de suas próprias vidas... A verdade é que Ferrugem e Osso não é tão duro quanto parece ser, ele é um filme seco, principalmente por ter uma narrativa onde aparentemente só há sofrimento, no entanto, mesmo retratando a brutalidade de um mundo assolado pela crise econômica e pelas dores individuais, ainda há lugar nele para a sensibilidade, que emana nos momentos em que menos esperamos. Sua trama não explora a condição dos personagens para nos comover ou chocar, ela não é em nenhum momento apelativa e isso a torna ainda mais contundente.


A verossimilhança da história é reforçada pelo contexto no qual ela se desenvolve e daí surge uma reflexão bastante pertinente: O comportamento de cada um é determinado ou determinante em relação ao meio em que se está inserido? O filme não entrega uma resposta clara para esta pergunta, mas nos induz a uma refleção sobre ela, dando-nos a prerrogativa de tirarmos nossa própria conclusão, nele a interação entre os personagem e suas respectivas realidades ganham um significado ainda mais amplo quando analisada como uma alegoria do atual cenário econômico, conforme mencionei no início deste texto. Tanto a lesão de Ali, quanto o acidente de Stephanie, podem ser associados à condição de tantas pessoas que tiveram suas condições de trabalho tiradas de si. O comportamento agressivo (demonstrado por ele) e o melancólico (expressado por ela) não nos são de todo estranhos, pois são similares aos observados na manifestações populares contra a crise e nos depoimentos daqueles que perderam tudo o que tinham.  


Como já era de se esperar, a Marion Cotillard entrega uma atuação forte, cheia de realismo e com nuances que só uma grande atriz poderia explorar; percebemos a intensidade da angústia que sua personagem sente em seu olhar e em sua expressão facial que externam uma gama de sensações, como raiva, amargura, desespero e dor; ouso dizer que esta é sua melhor atuação desde Piaf - Um Hino ao Amor (2007). Matthias Schoenaerts também convence fácil com um desempenho igualmente consistente, ele consegue dar vida a um personagem que é ambíguo na maior parte do tempo, que hora nos convence de que é uma boa pessoa, pra dentro de instantes se comportar como uma grande idiota. É uma atuação bastante complicada, uma vez que a percepção que temos do personagem muda em diversos momentos do filme, nas mão de um ator inexperiente esta interpretação poderia resultar fragmentada e superficial. 


Na fotografia predominam tonalidades neutras, que nos remetem à falta de vitalidade e esperança da realidade retratada. A trilha sonora, a montagem, a direção de arte e os outros diversos aspectos técnicos são muito bem trabalhados e eficientes na função de complementar e dar suporte à narrativa. Tecnicamente o filme não deixa nada a desejar e ainda surpreende pela excelente construção de algumas sequências, que certamente permanecerão por bastante tempo em nossa memória, como por exemplo a passagem presente no último ato do filme na qual Ali literalmente quebra o gelo, que é sem dúvidas uma das melhores do ano... Ferrugem e Osso é um filme denso e complexo, doloroso justamente por ser sensível. Não é uma obra de fácil digestão, principalmente para aqueles que estão acostumados com personagens rasos e maniqueístas,  contudo, ele merece ser visto por todos... Ultra recomendado! 


Assistam ao trailer de Ferrugem e Osso no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

5 comentários:

  1. Adorei o filme em si, do estilo que eu gosto. Também quero muito ver Cosmópolis.

    Beijão, Sabrina. (www.spiderwebs.com.br) ♥

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  2. Ainda não tive oportunidade de assistir.

    Abraço

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  3. Querendo muito assistir esse filme, parece ser bem interessante.

    Feliz ano novo, Bruno!!!

    http://monteolimpoblog.blogspot.com.br/

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  4. Brunão! Gostei! Achei muito interessante. Sua resenha ajudou muito. Vou até procurar!


    Um abraço meu amigo, fica com Deus e tenha um lindo ano novo!
    Obrigado pelas parcerias e visitas em 2013, e conte comigo no ano que vem!

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  5. Olá, José Bruno.
    Ainda não havia lido nada sobre este filme.
    Valeu pela dica.
    Abraço.

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