N° de acessos:

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pi

Pi - 1998. Dirigido por Darren Aronofsky. Escrito por Darren Aronofsky, Sean Gullette e Eric Watson. Direção de Fotografia de Matthew Libatique. Música Original de Clint Mansell. Produzido por Eric Watson. Protozoa Pictures / EUA.


9:13. Anotação pessoal. Quando eu era criança, minha mãe disse para não olhar para o sol. Mas quando eu tinha seis anos, olhei. Os médicos não sabiam se eu voltaria a enxergar. Fiquei apavorado, sozinho naquela escuridão. Devagar, a luz do dia penetrou através das ataduras e consegui ver, mas algo mudara dentro de mim, naquele dia tive minha primeira dor de cabeça... 

Pi (1998) se inicia com a narração em off do texto acima, feita por Maximillian Cohen (Sean Gullette), o personagem central do filme, ele é um gênio da computação e da matemática que vive recluso da sociedade e imerso em suas pesquisas e experimentos. Ele dificilmente sai de seu minúsculo apartamento e raramente se relaciona com outras pessoas, em alguns momentos ele até tenta ser gentil com seus vizinhos, mas sem muito sucesso, sua compulsão pelo trabalho o torna paranoico e arredio e a pressão psicológica só faz aumentar a intensidade de suas constantes dores de cabeça.

Neste filme, seu longa de estreia, Darren Aronofsky explora a ideia de que é realmente tênue a linha que separa a genialidade da loucura. Esta, que talvez seja a mais autoral de suas obras, tem sua trama construída sobre a obsessão, temática que ele trabalharia em quase todos os seus filmes. Max Cohen trilha o mesmo caminho que seria percorrido pelos personagens centrais de Réquiem para um Sonho (2000), de O Lutador (2008) e de Cisne Negro (2010), sua compulsão o leva a um desempenho sobre-humano, mas também o conduz à autodegradação. Como uma doença, a ideia fixa que ele tem o contamina e o destrói pouco a pouco. Mesmo tendo exemplos à sua volta, ele não consegue aceitar a ideia de que seu trabalho o consumirá e se mantém em um ritmo visceral, sustentado pelo uso descontrolado de remédios e pelo consumo de drogas.


Quando escrevi a resenha crítica de Cisne Negro cheguei a tecer um paralelo entre a sua história e a do conto O Artista da Fome de Franz Kafka, pois ambos abordam de forma semelhante a angústia de indivíduos que se martirizam em nome de sua expressão artística. Não sei até que ponto a obra do escritor checo serviu de referência para Aronofsky, mas a verdade é que tal inflência, tenha sido ela direta ou indireta, está nitidamente presente também em Pi. Tal como Kafka, o cineasta construiu em suas produções um verdadeiro tratado sobre culpa, sofrimento e expiação, o que diferencia suas respectivas abordagens é apenas a percepção de cada um sobre a questão da culpa. Se em Kafka, tal sentimento está intrínseco nos personagens determinando suas atitudes, em Aronofsky ele não está tão explícito, funcionando mais como um elemento catártico, cujo o alvo somos nós expectadores e não os personagens.


Diferente de Kafka, para quem a simples existência e a culpa eram indissociáveis, o cineasta parece acreditar que o “pecado” está em ir além de suas próprias forças, em extrapolar seus limites em busca de um desempenho transcendente. Não é exagero dizer que os filmes de Darren Aronofsky são de certo modo moralizantes, de alguma forma eles estão nos dizendo: “cuidado, não enveredem por estes caminhos, ou também terão de pagar o mesmo preço”. Nos filmes do diretor, edição, fotografia e trilha sonora colaboram de uma forma incrível para que nós espectadores sejamos inseridos no drama e na realidade experimentada pelos personagens. Astuto, Aronofsky utiliza diversos artifícios para a construção da situação trágica que culmina com a catarse. Em Pi os mais evidentes destes artifícios são a edição e a fotografia, a primeira confere ao filme um ritmo rápido, onde a noção de tempo e realidade são postas em cheque, a segunda busca referência no Expressionismo Alemão para construir um clima angustiante e opressivo.


"12:45. Reitero minhas suposições: 1 - A matemática é a linguagem da natureza. 2 - Tudo pode ser representado e compreendido através de números. 3 - Ao fazer gráficos de números de qualquer sistema, surgem padrões. Portanto há padrões em tudo na natureza. Evidências: Ciclo das epidemias, o aumento e a diminuição da população de caribus, os ciclos das manchas solares, a cheia e a baixa do Nilo... E a Bolsa de Valores? O Universo de números que representa a economia global, milhões de pessoas trabalhando, bilhões de mentes, uma vasta rede pulsante e viva, um organismo, um organismo natural. Minha hipótese: Na Bolsa há um padrão!"

Na história, Max está obcecado com a ideia de encontrar um padrão numérico que explique a criação, natureza e tudo o mais que existe, o número pi seria a chave deste segredo. Na matemática o Pi  é uma proporção numérica originada da relação entre as grandezas do perímetro de uma circunferência e seu diâmetro e equivale a aproximadamente 3,14. A progressão decimal do número se estende até o infinito, sem que já tenha sido observado nela nenhum tipo de padrão de repetição. É este padrão que Max tenta incansavelmente descobrir, para tal ele usa um super computador e uma teia de circuitos capazes de processar cálculos astronômicos.


A pesquisa de Max acaba despertando o interesse de gente muito poderosa e o coloca em perigo. Capangas armados de Wall Street começam a persegui-lo em todos os lugares para onde ele vai, eles lhe oferecem incentivos para trabalhar em parceria com eles, mas ele se recusa a se desviar de seu foco principal. Membros de uma corrente mística do judaísmo também passam a assediá-lo, eles acreditam que o padrão numérico que ele está prestes a descobrir seria uma espécie de tradução da linguagem divina, que se manifesta na criação do universo e nas escrituras sagradas. Um dos judeus, que se torna amigo de Max, o convence que cada sequência numérica representaria uma palavra na Torá, citando exemplos curiosos. O padrão buscado no Pi seria então a revelação do segredo e da natureza divina, que de alguma forma Deus queria revelar ao seu povo escolhido. Com tanta gente em seu encalço, Max se torna cada vez mais perturbado pela sua fixação. A realidade então se torna cada vez mais confusa, tanto para ele quanto para nós expectadores e surgem então os questionamentos acerca da veracidade de tudo que ele vivencia, no entanto são apenas perguntas que não necessariamente serão respondidas... 


O final aberto, característico dos filmes do diretor, associado à complexidade das questões levantadas e à estética simplicista do filme pode afastar e causar reações negativas no público médio, que não está acostumado à fragmentação e à dualidade deste tipo de produção. Mas quem valoriza obras instigantes e avessas aos moldes do mainstrean irá se deleitar com este filme. Pi foi uma das melhores estreias de um diretor na década de 90, ele foi o prenúncio do surgimento de uma das maiores mentes do cinema americano contemporâneo. Aronofsky conseguiu realizar a façanha de se inserir no mercado cinematográfico sem precisar se enquadrar nos padrões pré-estabelecidos pela indústria de Hollywood, o cunho autoral de suas obras é a prova mais concreta desta afirmação. Ao assistir Pi preste atenção nos enquadramentos e em algumas sequencias que parecem se repetir em outros dos filmes do diretor (como o caso de uma cena em um metrô que seria recriada em Cisne Negro). Pode não ser fácil encontrar o filme em DVD, portanto se você tiver a chance de assisti-lo não a desperdice! Ultra recomendado!

Conforme divulgado em meados deste ano, Darren Aronofsky está empenhado em realizar um de seus antigos projetos, rodar um épico sobre a história bíblica do patriarca Noé. Conhecendo o estilo do diretor, pode-se esperar que esta seja uma produção no mínimo "não convencional"...


Assista ao trailer de Pi no You Tube, clique AQUI !

Não deixe de conferir também aqui no Sublime Irrealidade,
as resenhas críticas de Cisne Negro e de O Lutador !


4 comentários:

  1. Eu assisti este filme sem pegar qualquer sinopse ou crítica... Não imaginava o que estava me esperando... Amo a fotografia! Adoro o ritmo da direção! É confuso num bom sentido.

    ;D

    ResponderExcluir
  2. Otimo texto! Pi é um filme contudente mesmo, que tem até umas historia de bastidores. Aronofsky tinha ganho 10 mil em um concurso na universidade e usou para fazer Pi, mas o dinheiro não foi suficiente e no meio do projeto ele reuniu sua familia e disse q quem investisse algum dinheiro no filme receberia o q colocou em dobro. O filme teve uma bilheteria razoavel e rendeu um bom negocio para os familiares. Alem de alguns deles participarem como atores, o pai do protagonista senão me engano é tio de Aronofsky, o unico ator profissional é Sean Gullete. Essa historia do Noe será q rende? Só vendo. Abração!

    ResponderExcluir
  3. Lembro da primeira vez que vi esse filme, ainda no cinema... Muito interessante... Aronofsky chegou dizendo que veio para ficar.

    O Falcão Maltês

    ResponderExcluir
  4. Para mim que faço direção é importante este tipo de filme, que até o presente momento nunca me foi indicado, parabens pela sinopse bem feita e pela comparação analitica não subjetiva e muito bem colocada no texto !

    ResponderExcluir