O Lutador (The Wrestler) - 2008. Dirigido por Darren Aronofsky. Roteiro de Robert D. Siegel. Direção de Fotografia de Maryse Alberti. Música de Clint Mansell. Produzido por Darren Aronofsky e Scott Franklin. Fox Searchlight Pictures - Paris Filmes / EUA.
Tal como em outros filmes de Darrem Aronofsky, em o Lutador (2008) podemos aprender uma dura lição sobre a existência, mesmo estando longe de ser moralizante, o filme nos serve de alerta sobre os riscos de uma vida desregrada. É como se a história tivesse berrando para nós espectadores: “Tá vendo é isso que acontece quando não reconhecemos ou não aceitamos nossos próprios limites”. Se em Cisne Negro (2010) Aronofsky invade os bastidores de uma das expressões artísticas mais belas, o balé, neste, o sub-mundo a ser observado é o da luta livre, uma das expressões “artísticas” mais baixas e menos glamourosas. Entre estes dois filmes percebemos alguns temas que são recorrentes nas obras do diretor, dentre eles a dicotomia que define os objetivos que movem os seus personagens: são de um lado jovens que buscam a realização pessoal, e de outro, personagens mais maduros que lutam contra o ostracismo, ambos dispostos a pagar qualquer preço por aquilo que buscam. Esta mesma dicotomia também está presente em outro longa do cineasta, no ótimo Réquiem para um Sonho (2000).
Randy "The Ram" Robinson (Mickey Rourke), o personagem principal de O Lutador, fora um campeão de luta livre em meados dos anos 80, mas mais de 20 anos se passaram desde então, o tempo levou consigo a fama, o dinheiro e tudo que ele conquistou em sua melhor fase. Agora ele está velho e pobre, mas insiste em continuar lutando, pois somente nos ringues ele consegue encontrar um significado para a própria vida. Desde o início, o roteiro deixa claro que as lutas são armadas, já se sabe antes do combate quem vai ser o vencedor, no entanto isto não torna as apresentações menos violentas. Os lutadores se machucam e chegam a se mutilar para tornar o espetáculo mais verdadeiro e convincente (qualquer semelhança com Cisne Negro não é mera coincidência). The Ram vai muito além de seus limites, não mais para estar no topo, mas para simplesmente continuar sobrevivendo naquele universo.
Por incrível que pareça, os dramas vividos pelo lutador nos ringues são bem menos atormentadores do que aqueles que destroem sua vida pessoal e a metáfora que se constrói entre as duas realidades diz respeito mais à farsa, das lutas e de seus relacionamentos, do que às batalhas travadas. À medida que a trama de desenrola, percebemos que ele não é de todo um homem ruim ou egoísta, ele é respeitado e admirado pelos lutadores mais jovens e retribui este apreço incentivando-os. The Ram, tal como a Nina de Cisne Negro, não é um tipo de personagem maniqueísta, ele é apenas um homem que fez escolhas e tomou atitudes erradas e infelizmente terá que pagar muito caro por isso. Como a luta livre não garante mais seu sustento, Randy trabalha duro no depósito de um grande supermercado durante a semana e para esparecer ele frequenta uma boate de streptease à noite. Os sinais de que o corpo de Randy não aguenta mais a rotina, que ele lhe impõe, ficam claro quando ele sofre um infarto após uma violente luta. Ciente de seu estado de saúde, ele decide abandonar os ringues, desistindo de uma grande luta que já estava marcada, que seria contra o seu maior rival, o Aiatolá.
Randy tenta buscar sentido, que substitua o que as lutas lhe davam, em um relacionamento com a striper Cassidy (Marisa Tomei) e numa reaproximação com a filha Stephanie (Evan Rachel Wood), as duas tentativas são frustradas e ele não vê outra alternativa senão voltar para os ringues. Ao contrário de outros filmes sobre lutadores, cujo o foco é a superação que os personagens principais buscam, em O Lutador já não existe um ideal de superação a ser alcançado, o que sobra é apenas a busca por um sentido em um mundo que se desmorona. E se este sentido motivador não é encontrado, então não sobra mais nada. Em um diálogo, The Ram diz que a música boa era a dos anos 80 e que o culpado de os anos 90 terem sido um merda era o Kurt Cobain (vocalista do Nirvana). Curiosamente, uma frase da carta de despedida de Kurt, que suicidou em 1994, descreve bem o desfecho da trajetória do lutador: “é melhor arder, do que apagar aos poucos...”
O Lutador é um filme pesado, brutal, mas também de uma humanidade pungente, as sequências mais simples do filme, são também as mais tocantes. Ao assisti-lo, preste atenção na cena que mostra o primeiro dia de trabalho de Randy no balcão de frios do supermercado e em um diálogos onde surge uma referência ao filme Paixão de Cristo (2004), pois é em momentos como estes que se percebe o quanto o filme é denso e capaz de nos tocar com a realidade que nos é apresentada. Mickey Rourke está perfeito na pele do lutador, a precisão de sua atuação é de causar arrepios. Curiosamente, a trajetória do personagem se confunde com a do ator e o papel parece ter sido feito sobre medida, Rourke viveu na pele a decadência e o ostracismo, que atormenta Randy Robinson na trama. Marisa Tomei também está fantástica, ela, já quarentona, transborda beleza e sensualidade e Evan Rachel Wood faz bonito em cada cena que aparece, o que pra mim não é nenhuma surpresa. Vale também destacar aqui a ótima trilha sonora, composta por clássicos do Hard e do Heavy Rock oitentista (incluindo a arrasa quarteirão Balls to the Wall do Accept e uma canção do Bruce Springsteen, feita especialmente para o filme). O Lutador é uma obra prima de Aronofsky e uma ótimo exemplo daquilo de melhor que o cinema americano tem produzido nos últimos anos. Um dos melhores filmes da década, do tipo que realemente marca. Recomendo!
O Lutador ganhou o Leão de Ouro, prêmio máximo do Fstival de Veneza. Ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator em Filme Dramático (Mickey Rourke) e de Melhor Canção Original (The Wrestler, de Bruce Springsteen), tendo sido indicado ao prêmio também na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante (Marisa Tomei). O filme também recebeu duas indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Ator (Mickey Rourke), Melhor Atriz Coadjuvante (Marisa Tomei).
Assista ao trailer de O Lutador no You Tube, clique AQUI !
Confiram também aqui no Sublime Irrealidade, a resenha crítica de Cisne Negro !
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