Cisne Negro (Black Swan) - 2010. Dirigido por Darren Aronofsky e escrito por Mark Heyman; Andres Heinz e John McLaughlin. Fotografia de Matthew Libatique. Música de Clint Mansell. Produzido por Scott Franklin; Mike Medavoy; Arnold Messer e Brian Oliver. Fox Searchlight Pictures / EUA.
Pode ter sido mais um de meus incontáveis devaneios, mas Cisne Negro (2010) me fez lembrar o conto Um Artista da Fome de Franz Kafka. Neste conto, Kafka narra a história de um tipo curioso de artista, um jejuador, este se apresentava em praça pública enclausurado em uma jaula, e chamava a atenção do povo comum pelo tempo que conseguia ficar sem comer e pela forma com que definhava dia após dia. O jejuador de Kafka percebe que não vive mais seus melhores dias, seu público vai se tornando cada vez mais escasso e sua notoriedade se esvai junto com sua vida. A efemeridade do sucesso, tema recorrente nos estudos sobre a indústria cultural e a pós-modernidade, já tinha sido abordada neste texto de 1922. Na história o artista perde a atenção que o público lhe devota à medida que deixa de ser uma novidade. Depois de definhar sozinho até a morte, ele é substituído em sua jaula por um pantera, que ao contrário dele exibia vitalidade e vigor.
O conto de Kafka pode ser interpretado como uma metáfora sobre as condições impostas pelo meio artístico e a deterioração e posterior descarte que o artista sofre, quando não mais satisfaz o desejo pungente de seu público. Ao perder a áurea da novidade e o vigor da juventude, o artista passa a conviver com a possibilidade de ser substituído por outro, que detenha estas tão desejadas qualidades. Alguns dias atrás na resenha que fiz de A Malvada (1950), cheguei a estabelecer, meio às cegas, um paralelo entre este filme e Cisne Negro. Mesmo ainda não tendo assistido o longa de Darren Aronofsky, no dia em que escrevi o texto, o paralelo se mostrou mais consistente do que eu imaginava. Ambos relatam o meio artístico, a forma com que as estrelas decadentes são descartadas e a ascensão, a qualquer custo, de uma nova que venha para preencher o vazio, que a anterior foi obrigada a deixar. Cisne Negro mostra que o preço desta acensão e da glória pode ser muito alto.
Nina Sayers (Natalie Portman) é dançarina de uma companhia de balé clássico, uma das mais respeitadas de Nova Iorque, ela se dedica com afinco para conseguir uma papel de destaque e com isso reduz a sua vida a ensaios e preparações físicas no intento de alcançar uma perfeição artística. Nina mora com a mãe, Erica (Barbara Hershey), uma bailarina aposentada e, ao que parece, frustrada pelo próprio passado. Erica é super protetora, trata a filha como uma criança, mas a incentiva em sua ambição. Thomas Leroy (Vincent Cassel), o diretor da companhia de balé, deseja fazer uma remontagem mais ousada de O Lago dos Cisnes e descarta a veterana Beth MacIntyre (Winona Ryder), por acreditar que ela está velha demais para o papel principal. Beth é forçada a se aposentar e Nina tem a sua primeira chance como protagonista, ela terá que representar o Cisne Branco e a sua irmã gêmea má, o Cisne Negro, que aparece no terceiro ato da encenação.
Nina valoriza a perfeição do aspecto técnico da dança e se dá bem ao interpretar o Cisne Branco, mas se vê diante de um grande obstáculo ao tentar incorporar a malícia do Cisne Negro. Thomas se mostra muito exigente e quer, a qualquer custo, extrair da bailarina toda sensualidade e maldade, que ela esconde por trás de seu jeito meigo de menina inocente. O medo de não conseguir a performance que o diretor exige, deixa Nina em uma situação de extrema tensão e ansiedade. O seu estado psicológico se agrava, quando passa a ver em Lily (Mila Kunis), a mais nova bailarina da companhia, uma concorrente em potencial. Lily, ao contrário de Nina, é rebelde e impulsiva e sua interpretação do Cisne Negro deixa Thomas impressionado. O estado psicológico de Nina, agravado pela suposta concorrência e pelas paixões que já não consegue controlar, a mergulha em devaneios e visões assustadoras. E à medida que a história avança, fica cada vez mais difícil para ela, e para nós espectadores, distinguir o que é real e o que não passa de fantasia de sua mente angustiada.
Tal como o artista da fome de Kafka, Nina se definha, porém psicologicamente, diante do desejo de conseguir um desempenho transcendente. O medo de não corresponder às expectativas e de ter um final parecido com o de Beth, ou com o de sua mãe, levam a menina frágil a muito além de seus limites. O rito de passagem vivido pela bailarina incluirá experiências de sexo (em cenas que deixarão os mais conservadores com o cabelo em pé) e drogas das mais pesadas. A pena pelos excessos, que nos remete a outros filmes do mesmo diretor, como Réquiem para um Sonho (2000), não será barata e nós espectadores a pagamos junto com a personagem. Diferente do modelo comercial que elimina os conflitos no fim trama, Cisne Negro, pela dubiedade de seu roteiro, nos deixa com uma estranha sensação de desconforto ao sair do cinema. Se A Rede Social (2010) é o retrato da glória superficial da geração Y , este filme é a mais pura representação das consequências do modo de vida e da mentalidade desta geração, que no afã de conquistar a perfeição imediatista, pode dar saltos maiores que as pernas e conquistar com isso apenas a decadência física e mental.
Natalie Portman dá muito mais que um show de atuação no papel de Nina, eu que já tinha um carinho todo especial pela atriz por sua atuação em filmes como V de Vingança (2005) e Closer (2004), reafirmei e aumentei toda minha admiração por ela, que com certeza é uma das melhores atrizes da atualidade. Tropeço no clichê para dizer que ela está em seu melhor momento. Preste atenção não só nas danças (ela é bailarina desde os 4 anos), mas em cada pequeno detalhe da expressão facial e corporal da atriz, é a conquista da perfeição artística que sua personagem almejava. As outras atuações não ficam para trás, e ajudam a compor o todo que faz deste um dos melhores filmes dos últimos anos. A fotografia também é surpreendente, a câmera que percorre freneticamente cada movimento de Nina em ação produz algumas sequências memoráveis, como a da dança nos primeiros minutos do filme, captada magistralmente pela câmera que parece girar em torno da atriz.
Natalie Portman - rito de passagem e agonia artística em Cisne Negro
Nina Sayers (Natalie Portman) é dançarina de uma companhia de balé clássico, uma das mais respeitadas de Nova Iorque, ela se dedica com afinco para conseguir uma papel de destaque e com isso reduz a sua vida a ensaios e preparações físicas no intento de alcançar uma perfeição artística. Nina mora com a mãe, Erica (Barbara Hershey), uma bailarina aposentada e, ao que parece, frustrada pelo próprio passado. Erica é super protetora, trata a filha como uma criança, mas a incentiva em sua ambição. Thomas Leroy (Vincent Cassel), o diretor da companhia de balé, deseja fazer uma remontagem mais ousada de O Lago dos Cisnes e descarta a veterana Beth MacIntyre (Winona Ryder), por acreditar que ela está velha demais para o papel principal. Beth é forçada a se aposentar e Nina tem a sua primeira chance como protagonista, ela terá que representar o Cisne Branco e a sua irmã gêmea má, o Cisne Negro, que aparece no terceiro ato da encenação.
Jogos de espelho ajudam a compor o contexto visual de alucinações e fantasias.
Nina valoriza a perfeição do aspecto técnico da dança e se dá bem ao interpretar o Cisne Branco, mas se vê diante de um grande obstáculo ao tentar incorporar a malícia do Cisne Negro. Thomas se mostra muito exigente e quer, a qualquer custo, extrair da bailarina toda sensualidade e maldade, que ela esconde por trás de seu jeito meigo de menina inocente. O medo de não conseguir a performance que o diretor exige, deixa Nina em uma situação de extrema tensão e ansiedade. O seu estado psicológico se agrava, quando passa a ver em Lily (Mila Kunis), a mais nova bailarina da companhia, uma concorrente em potencial. Lily, ao contrário de Nina, é rebelde e impulsiva e sua interpretação do Cisne Negro deixa Thomas impressionado. O estado psicológico de Nina, agravado pela suposta concorrência e pelas paixões que já não consegue controlar, a mergulha em devaneios e visões assustadoras. E à medida que a história avança, fica cada vez mais difícil para ela, e para nós espectadores, distinguir o que é real e o que não passa de fantasia de sua mente angustiada.
Tal como o artista da fome de Kafka, Nina se definha, porém psicologicamente, diante do desejo de conseguir um desempenho transcendente. O medo de não corresponder às expectativas e de ter um final parecido com o de Beth, ou com o de sua mãe, levam a menina frágil a muito além de seus limites. O rito de passagem vivido pela bailarina incluirá experiências de sexo (em cenas que deixarão os mais conservadores com o cabelo em pé) e drogas das mais pesadas. A pena pelos excessos, que nos remete a outros filmes do mesmo diretor, como Réquiem para um Sonho (2000), não será barata e nós espectadores a pagamos junto com a personagem. Diferente do modelo comercial que elimina os conflitos no fim trama, Cisne Negro, pela dubiedade de seu roteiro, nos deixa com uma estranha sensação de desconforto ao sair do cinema. Se A Rede Social (2010) é o retrato da glória superficial da geração Y , este filme é a mais pura representação das consequências do modo de vida e da mentalidade desta geração, que no afã de conquistar a perfeição imediatista, pode dar saltos maiores que as pernas e conquistar com isso apenas a decadência física e mental.
Natalie Portman dá muito mais que um show de atuação no papel de Nina, eu que já tinha um carinho todo especial pela atriz por sua atuação em filmes como V de Vingança (2005) e Closer (2004), reafirmei e aumentei toda minha admiração por ela, que com certeza é uma das melhores atrizes da atualidade. Tropeço no clichê para dizer que ela está em seu melhor momento. Preste atenção não só nas danças (ela é bailarina desde os 4 anos), mas em cada pequeno detalhe da expressão facial e corporal da atriz, é a conquista da perfeição artística que sua personagem almejava. As outras atuações não ficam para trás, e ajudam a compor o todo que faz deste um dos melhores filmes dos últimos anos. A fotografia também é surpreendente, a câmera que percorre freneticamente cada movimento de Nina em ação produz algumas sequências memoráveis, como a da dança nos primeiros minutos do filme, captada magistralmente pela câmera que parece girar em torno da atriz.
Cisne Negro ainda está em cartaz nos cinemas, corra para assistir! Se você sabe reconhecer uma obra prima, com certeza não se arrependerá!
Cisne Negro está indicado aos Oscars de Melhor Filme, Direação, Atriz (Natalie Portman), Fotografia e Edição (confiram hoje a entrega dos prêmios). Natalie Portman recebeu o Globo de Ouro na categora de Melhor Atriz, tendo o filme sido indicado também ao prêmio Melhor Filme, Direção e Atriz Coadjuvante (Mila Kunis).
Do diretor Darren Aronofsky, recomendo também: Réquiem para um Sonho (2000)
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Natalie Portman ganhou o Oscar de Melhor Atriz por sua majestosa atuação em Cisne Negro.
ResponderExcluirÓtima análise!
ResponderExcluir"Cisne Negro" é o amadurecimento máximo de seu diretor =)
E Nina é espetacular, um ser completamente perdido na própria personalidade e no tempo psicológico, bela personagem!
Outro que está um minha lista dos que devo assistir! A sua dedução me levou a lembrar-me de um conto de Machado de Assis que eu aprecio muito: Um Homem Célebre que tem a mesma temática! Beijocas!
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