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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Roma, Cidade Aberta

Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta) - 1945. Dirigido por Roberto Rossellini. Escrito por Sergio Amidei, Alberto Consiglio, Federico Fellini e Roberto Rossellini. Direção de Fotografia de Ubaldo Arata. Música Original de Renzo Rossellini. Produzido por Giuseppe Amato, Ferruccio De Martino, Rod E. Geiger e Roberto Rossellini. Excelsa Film / Itália.


O lançamento de Roma, Cidade Aberta em 1945 é considerado o marco inicial do neorrealismo italiano. Este movimento cinematográfico, que está diretamente ligado ao contexto político e econômico da Itália do pós-guerra, serviu de contraponto ao estilo de filmes que era produzido no país durante o governo fascista de Mussolini. Por mais de duas décadas toda a produção cultural do país esteve submissa à estética romântica e positivista imposta pelo regime, os filmes rodados neste período camuflava a realidade dura experimentada pela população e buscava reforçar a influência e o domínio fascista. Ao contrário destes, os neorrealistas não estavam interessados em esconder a real situação do país, pelo contrário, o propósito deles era captar a angústia, a miséria e a dor vivenciada pela parcela mais pobre e oprimida da população.

O neorrealismo começa a ganhar expressão com o fim da ocupação alemã no país. A Itália começava então a se ver livre do julgo fascista, no entanto estava completamente devastada, as desigualdades sociais tinham ganhado uma proporção inimaginável e o desemprego batia recordes, este contexto fatalista e opressivo teria sido propício ao levante de cineastas que queriam levar as câmeras paras ruas, que propunham uma revolução não só estética, mas também política, no cinema. O neorrealismo italiano bebeu da fonte de Jean Renoir, Jacques Prévert e outros nomes do realismo poético francês e influenciou direta ou indiretamente grande parte do que foi produzido na sétima arte a partir de então, é possível perceber ecos deste movimento na Nouvelle Vague francesa, no Cinema Novo brasileiro e até em clássicos hollywoodianos como Sindicato de Ladrões (1954) de Elia Kazan.


Roma, Cidade Aberta traz consigo características marcantes que estariam presentes em outras películas clássicos do movimento, como o excelente Ladrões de Bicicleta (1948) de Vittorio De Sica, lá estão as longas tomadas externas, que ilustram a situação do país, a desigualdade social, a opressão, o povo castigado, o fatalismo e a mescla de cenas reais à imagens fictícias. No entanto, ao menos ao meu modo de ver, o filme não é de todo realista, mesmo quando parece tentar ser verossimilhante o roteiro acaba caindo no melodrama, isso não diminui em nada a qualidade da obra, mas ajuda a quebrar um pouco da aura que o filme traz consigo. Alguns diálogos, principalmente um protagonizado por oficiais nazistas, me pareceram forçados demais e algumas situações chegam a ser simplórias, tamanha a improbabilidade de acontecerem.


Roma, Cidade Aberta foi rodado clandestinamente e com um orçamento bem reduzido, no entanto seu impacto naqueles que o assistiram foi devastador, penso que o que provocou tal impacto, não foi tão somente sua trama, que ao meu ver não é nem de longe seu melhor aspecto, credito tal efeito à situação na qual ele fora produzido, que é a mesma que ele almejava reproduzir. Ele é realista não por ser uma recriação perfeita de sua época, mas por ser, dentre os seus contemporâneos e antecessores, um dos poucos cuja história conferia ao espectador ao menos uma noção superficial de estar se vendo na tela. Seu maior triunfo é o fato de que ele é um filme sobre a guerra e suas consequências sem ser um filme de época, ele foi filmado, não em estúdios, mas em locações reais, com pessoas reais que vivenciaram a realidade que bem ou mal ele retrata.


"A vida é uma coisa feia, suja. Eu conheço a miséria e ela me dá medo..."

No centro da trama está Giorgio Manfredi (Marcello Pagliero), conhecido como “o engenheiro”, ele é um militante comunista que lidera ações de resistência à ocupação Alemã. Após ser descoberto pela Gestapo, ele se refugia na casa do camarada Francesco (Francesco Grandjacquet), neste meio tempo ele planeja uma forma de entregar uma grande quantia em dinheiro para outros militantes, para o financiamento de ações do comitê e para a subsistência. Francesco, o anfitrião, está de casamento marcado com a viúva Pina (Anna Magnani, memorável), que espera um filho seu, ela é corajosa e ousada e está tão envolvida com a militância quanto o noivo, seu filho Piccolo Marcello (Vito Annichiarico) personifica o lado lúdico e utópico da resistência, ele, que é apenas uma criança, já tem plantada em seu coração a semente da luta pela liberdade, tal semente representa um fio de esperança de que um futuro melhor seja possível. Don Pietro Pellegrini (Aldo Fabrizi, em uma excelente atuação), um padre simpatizante do comunismo, é quem deverá entregar o dinheiro trazido por Manfredi, pois dentre os rebeldes ele é o que menos levantaria suspeita.



Na primeira parte do filme fica evidente o contraste entre a situação instável do país e a euforia das pessoas que cercam os personagens principais, eles não estão felizes, mas demonstram uma força sobre-humana diante das circunstâncias desfavoráveis, no entanto uma tragédia muda tudo e anuncia o clima angustiante da segunda parte. O título do filme seria uma espécie de ironia à situação caótica da cidade, em tempos de guerra, o termo "aberta" era usado para qualificar regiões que não estavam tomadas pelo exército, aquelas que não tinham se transformado em campos de batalha, o que conforme mostrado no filme não era a situação de Roma. Além da degradação econômica e política, Roberto Rossellini enfatiza ainda o risco da degradação moral, durante toda a segunda parte, os personagens centrais são imersos em ponderações éticas sobre a própria conduta, a escolha feita por eles é tida como uma espécie de afirmação da coragem e perseverança daqueles que lutaram para se libertar do domínio alemão.


É inegável que Roberto Rossellini tenha sido um dos nomes seminais não só do neorrealismo italiano, mas de todo o cinema moderno, a revolução política, proposta pelo movimento do qual ele fez parte, pode ter sido relegada ao ostracismo, mas a estética permanece viva até hoje e tem servido de influência e referência para alguns dos melhores realizadores da atualidade. Hoje questiona-se a postura política do cineasta que passou de entusiasta de Mussolini a militante comunista em um relativamente curto espaço de tempo, no entanto o que não se pode negar é que ele foi no mínimo ousado por retratar a Itália daquele período sob esta ótica totalmente subversiva, se ele conseguiu alcançar de fato uma redenção, esta se deve em grande parte a este filme. Confesso que Roma, Cidade Aberta ficou um pouquinho aquém de minhas expectativas, mas ele é um clássico obrigatório para qualquer um que se proponha a compreender de forma mais ampla o cinema com expressão de arte. Recomendado!


Roma, Cidade Aberta foi o vencedor do Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes em 1946 e ainda recebeu uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro.

Assista a um trecho de Roma, Cidade Aberta no You Tube,  clique AQUI !


7 comentários:

  1. J. Bruno, não assisti esse filme, mas tenho uma colega que trabalhava comigo, há alguns anos, que me falou muito sobre ele! Na verdade falávamos sobre outra obra cinematográfica, aí, por algum motivo chegamos a esse.

    Dica anotada... essas férias prometem, pois vc e o Celo tem deixado dicas muito interessantes em seus blogs. Bloquinho tá ficando carregado de dicas de filmes e livros. rs

    bjinho JoicySorciere - Blog Umas e outras...

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  2. Bacana, preciso dar um jeito de assistir, vou procurar na biblioteca da facul, ai volto para comentar.

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  3. Tenho amigos (como o próprio Wilson Antonio, do Lumi7) que tem esse filme como um dos favoritos. Eu não vi ainda, mas pretendo, ainda mais porque tenho a versão dele da Folha de São Paulo. Morro de vergonha, porque ele é pai do Glauber Rocha, um gênio.

    É interessante ver uma opinião diferente da do resto, pra todo caso ;)

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  4. É o tipo de filme que PRECISA ser visto, de fato como eu disse a trama ficou aquém de minhas expectativas, mas esteticamente ele é sublime...

    O meu favorito do neorrealismo italiano é "Ladrões de Bicicleta", este é para mim perfeito em todos os aspectos, atuações, locações, história...

    A cópia que assisti é esta da coleção "Cine Europeu" da Folha de São Paulo, ele ainda deve ser encontrado em algumas bancas...

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  5. eu vi esses dias um filme de contos do Fellini (se não me engano) sacanagem pura. Acho que de 1975 por aí.

    O interessante dessa explanação toda e desse magnífico apanhado histórico tanto do cinema durante o fascismo como pós-fascista é que a arte quando é podada, se transforma em uma bazófia reacionária. Uma piada de mau gosto. A arte deve ser livre de castrações e gênios são esses que mesmo com sua arte censurada, conseguiam dar o recado entrelinhas.

    Enfim...

    Abss!

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    “The Tramp Mind”
    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com

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  6. Bruno, não assisti esse filme, alias, tenho q começar a me interar com a filmografia de Rosselini, um dos grandes! Não sei se começarei por esse, mas boas opções não vão faltar. Grande Abraço e perdão por não poder vir comentar antes.

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  7. post indicado para melhores da semana.
    http://blogsdecinemaclassico.blogspot.com/2011/12/links-da-semana-12-18-de-dezembro.html

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