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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Separação

A Separação (Jodaeiye Nader az Simin) - 2011. Escrito, dirigido e produzido por Asghar Farhadi. Direção de Fotografia de Mahmoud Kalari. Música Original de Sattar Oraki. Asghar Farhadi / Irã.


Sempre defendi que na análise de um filme, ou de qualquer outra obra de arte, é preciso contextualizar, é necessário desvendar as condições nas quais ele foi produzido e de que forma ele interage com tais condições; é natural que não seja possível explorar com profundidade todos os vieses deste contexto em uma resenha crítica, no entanto eles são necessários para que a compreensão da obra analisada não seja em nenhum momento prejudicada. Quando analisamos um filme nacional, ou até mesmo o de alguns outros países do ocidente, alguns pontos contextuais podem ser subtraídos do texto uma vez que nós já conhecemos o contexto pela nossa própria vivência, por outro lado, quando se trata de um filme produzido em um país de contexto cultural diferente do nosso, tais pontos não devem ser omitidos.

Embora A Separação (2011) não seja um filme abertamente político, ele reflete claramente em seu roteiro a atual situação política e social do Irã, país no qual ele foi realizado. O longa estreou em janeiro do ano passado no Festival de Berlin, onde foi premiado com o Urso de Ouro, o prêmio máximo do festival e dois Ursos de Prata, um pelo desempenho do elenco masculino (Peyman Moadi, Babak Karimi e Ali Asghar), outro pelo elenco feminino (Sareh Bayat e Sarina Farhadi). Coincidência ou não, nesta mesma edição do festival, uma das cadeiras do juri estava vazia, era aquela que tinha sido reserva para o cineasta, também iraniano, Jafar Panahi, ele não compareceu pois tinha sido preso e proibido de filmar pelo regime ditatorial de Mahmoud Ahmadinejad, a cadeira estava vazia em sinal de protesto...


É este peso, vindo do contexto no qual foi produzido, que torna A Separação ainda mais opressivo e contundente, seu roteiro, muito bem escrito, expõe de forma quase velada (para não ser apontado como subversivo), a fragilidade do sistema judiciário do país, o abismo existente entre as classes sociais e a falta de expectativas em relação ao futuro, situações que levam alguns a sonhar em deixar o país. Tal como em A Canção dos Pardais (2008) de Majid Majidi, neste filme o diretor Asghar Farhadi entrega nas mãos das crianças e dos jovens o poder de sonhar e de acreditar que um mundo melhor seja possível, no filme as duas personagens não-adultas padecem frente à situação de suas respectivas famílias, elas sofrem sem reclamar, uma delas até se impõem uma condição de sofrimento para tentar salvar aquilo que valoriza, curiosamente são elas as únicas capazes de olhar para as tribulações de suas vidas sem alimentar rancores ou se renderem ao desespero. Toda a esperança que as duas simbolizam está condensada em uma sutil troca de olhares compassivos entre elas perto do final do filme (numa das cenas mais brilhantes do longa), nesta sequência é como se uma estivesse dizendo para outra “eu compreendo o que você está sentindo e isto talvez um dia possa ser mudado”...


A separação que dá o título ao filme é praticamente consumada na primeira sequência, Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moadi) estão diante de um juiz e esclarecem a ele o porquê de estarem ali. Simin teme a atual situação do país e quer mudar junto com a filha para o exterior, Nader se recusa a mudar por causa de seu pai senil, que tem Alzheimer e está incapacitado de viver sem o apoio de um familiar. Sem ver alternativa, a mulher pede o divórcio para assim poder deixar o Irã, o marido, também impassível em sua decisão, acaba cedendo a contra gosto e assina a papelada da separação. É então que surge o primeiro dos problemas subsequentes, a questão da guarda da filha de 11 anos, Termeh (Sarina Farhadi). A garota escolhe ficar provisoriamente com o pai e o avô doente até que seja dada uma decisão judicial definitiva. Após ser abandonado pela esposa, Nader se mete em uma série de graves problemas, nos quais estão envolvidos a empregada que ele contratou para cuidar de seu pai, Razieh (Sareh Bayat), o marido dela, Hodjat (Shahab Hosseini) e a filha deles de seis anos, Somayeh (Kimia Hosseini).


Quase toda a trama se desenrola em um tribunal de Teerã, a falta de perdão agrava ainda mais a situação trágica na qual os personagens se meteram. Apesar do comportamento reprovável de alguns deles, não tem como apontar quem são os “bons” e quem são os “maus”, pois são todos humanos, são todos dotados de imperfeições, que, mesmo não sendo justificadas, são ao menos explicadas pelo contexto duro em que vivem. Os personagens evocam em nós expectadores mais compaixão que reprovação, eles parecem estar cegos em relação ao sofrimento alheio e por isso se tornam egoístas e individualistas, contudo não podem ser julgados como pessoas de má índole, pois cometeram apenas erros banais que os levaram, a contra gosto, a erros bem maiores... A falta de diálogo e de compreensão os torna ainda mais arredios e distantes, eles são incapazes de perdoar, pois em algum momento eles também não receberam o perdão...


Ambas as famílias começam a ser destruídas pela sequência de acontecimentos trágicos na qual estão envolvidas, elas recorrem à lei para terem assegurados os seus direitos e seus problemas resolvidos, no entanto o judiciário se mostra cada vez mais incapaz de lhes oferecer uma solução plausível e adequada às duas partes, em um dos momentos um dos personagens conclui: “A lei não pondera!”, de fato ela é desumanizada e arbitrária por estar concentrada apenas nas mãos de um único homem, que decide e sentencia baseado em frágeis informações, como os depoimentos contraditórios dados por ambas as partes... Mas não é só o poder judiciário do país que tem sua fragilidade apontada pelo filme; na trama, a instituição familiar também se mostra incapaz de se sustentar e resolver seus próprios dilemas. A religiosidade exercida por uma das personagens é baseada em aconselhamentos e orientações superficiais, dadas até mesmo por telefone (em determinada passagem ela consulta em um call center para saber se uma atitude sua seria ou não um pecado), o que denota também a inconsistência das instituições religiosas.


A Separação é, sem nenhuma sombra de dúvida, um dos melhores filmes de 2011, seu excelente roteiro consegue manter um clima de tensão durante quase todo o desenrolar da trama, sem para isso precisar se valer dos mesmos clichês e artifícios usados pelos hollywoodianos. Neste filme não tem espetáculo, nem entretenimento, tão pouco efeitos especiais, seu principal atrativo é a visão perspicaz que ele nos proporciona sobre uma realidade tão diferente da nossa em alguns pontos e tão semelhante em outros. A Separação impacta não por mostrar um “outro mundo”, mas sim pelo seu humanismo, que nos prova que independente da cultura, as nossas fraquezas e limitações são as mesmas, pois, tal como os personagens, nós também caminhamos como sociedade à palpadelas, em direção de algo que acreditamos ser o melhor e neste caminho erros serão inevitáveis e nem sempre nós saberemos lidar com eles... Ao assistir ao filme, preste atenção nas atuações, na forma com que cada ator parece realmente viver o drama de seus personagens; preste atenção também nos closes, pois eles dizem muito sobre a complexa ebulição de sentimentos que filme explora e também proporciona... Ultra Recomendado!


Além dos prêmios citados acima no texto, ganhos no Festival de Berlin, A Separação ainda ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Roteiro Original.

Assistam ao trailer de  A Separação  no You Tube, clique AQUI !


27 comentários:

  1. Sei que é radicalismo, mas não tenho paciência para esses filmes iranianos.

    O Falcão Maltês

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    1. O curioso é que o ritmo de "A Separação" é bem diferente de outros filmes iranianos que eu já tinha visto, inclusive do "Canção dos Pardais" que citei no texto, a agilidade do roteiro o torna bem mais próximos do ritmo a que estamos acostumados e ele, apesar de ter um sub-texto nas entrelinhas, não é um filme de todo metafórico, ele é bem direto e de um realismo seco...

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  2. Ouvi falarem maravilha do filme. E seu texto já valeu a pena pelas suas primeiras palavras:
    "Sempre defendi que na análise de um filme, ou de qualquer outra obra de arte, é preciso contextualizar, é necessário desvendar as condições nas quais ele foi produzido e de que forma ele interage com tais condições; é natural que não seja possível explorar com profundidade todos os vieses deste contexto em uma resenha crítica, no entanto eles são necessários para que a compreensão da obra analisada não seja em nenhum momento prejudicada."

    Cara, essas suas palavras são perfeitas! Independente da arte, ela tem que ser analisada dessa maneira. Achei excelente essa colocação.

    Porém antes desse filme quero assistir o do Almodovar que postou recentemente, e esse entrou nas minhas prioridades para 2012.

    Abração

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    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com

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    1. Assista aos 2 Jim, pois ambos são exemplos do que de melhor o cinema tem produzido atualmente!

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  3. Oi Bruno,

    Tinha lido a crítica desse filme e verifiquei o viés do preconceito contra o país. Gosto particularmente desse estilo de filme e a sua crítica me deixou mais fascinada para assistir esse filme. Amanhã vou assitir Descendentes e Millenium por desencargo de consciência e depois troco ideia sobre a minha impressão.

    Beijos.

    Lu

    http://lucianasantarita.blogspot.com

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    1. Pois é Lucina, um dos pontos mais interessantes do filme é que ele ajuda de fato a desfazer diversos preconceitos que temos, como eu disse na resenha o "outro mundo" que o filme nos apresenta é ao mesmo tempo tão distante e tão perto do nosso... o humanismo de sua trama o torna universal...

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  4. Bruno, tudo bem?
    Fiquei um tanto curiosa com este filme, e gostei bastante da tua sinopse. Este, ao contrário daquele do Almodovar, eu não tinha lido nem visto nada sobre ele até então, o que de certa forma me despertou mais curiosidade ainda, tendo em vista que as únicas informações que tenho são aqui do teu post! Responsabilidade! rsrs

    Grande abraço!

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    1. kkkk
      Nossa, responsabilidade mesmo, espero suas expectativas, que ajudei a criar, sejam correspondidas, na verdade estou quase certo de que vão ser, afinal o filme é fantástico!

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  5. Ah faltou eu dizer que acho muito foda filmes de outros países, ainda mais quando agrega uma veia meio cult ou trash.

    :D

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    1. Concordo Jim, pois no tocante à arte toda subversão e consequente diferenciação do modelo convencional vale a pena ser conferida!

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  6. de outros países que eu disse, é fora do eixo americano.

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  7. quando os filmes se transformam na comprometedora realidade... quanto de nós é feito e preconceito?...
    abraço!

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    1. A arte, como tal, nos passa a visão do artista, que nos proporciona o choco com o "outro cultural", este choque é muito importante na desconstrução de ideias preconcebidas, no entanto temos que ter em mente que a perspectiva do artista é tão somente uma das possíveis visões...

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  8. Não vi ainda, mas gosto quando o filme faz questão de traçar todo este contexto político... Acho tão sem pretexto julgar todo um país e sua arte através de olhos preconceituosos... mas, acontece.

    Adorei a indicação!

    ;D

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    1. No filme é tudo muito sutil Karla, a fragilidade das instituição (o que não é uma exclusividade do Irã) é denunciada de uma forma quase velada, acredito que por causa da censura... O filme vale muito a pena, não deixe de assisti-lo!

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  9. Nossa obrigado pela sua visita lá no meu blog, é sempre um prazer ler suas opiniões sempre tão verdadeiras e sinceras. Sobre o filme, adoro filmes assim, impactantes que nos remetem conhecimentos de outras culturas, obg pela ótima dica :B

    www.spiderwebs.tk

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    1. Teu blog é ótimo Sabrina e é um prazer imenso lhe receber por aqui também! Quanto ao filme, não deixe de vê-lo por nada!

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  10. Sou fã desse filme. É impressionante ver como o cinema iraniano está evoluindo e rendendo filmes melhores que o nosso cinema nacional. A Separação é um ótimo exemplo.

    Parabéns pelo blog, já estou seguindo.

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    1. Quanto mais filmes assisto fora do circuíto hollydiano, me convenço de que nossa época será lembrada como um fértil período de produção e criação... uma pena que nem sempre estamos atentos a isso!

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  11. Eu assistir mas não entendi o final, porque não mostrou a decisão da filha?

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  12. Também não entendi o final.

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  13. Este comentário foi removido pelo autor.

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  14. Alguém por favor explica o final desse filme?????

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  15. Não entendi o final, Alguém aí para explicar?

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