O Artista (The Artist) - 2011. Escrito e dirigido por Michel Hazanavicius. Direção de Fotografia de Guillaume Schiffman. Música Original de Ludovic Bource. Produzido por Thomas Langmann e Emmanuel Montamat. La Petite Reine, La Classe Américaine, JD Prod, France 3 Cinéma, Jouror Productions e uFilm / França|Bélgica.
Desde o advento do cinematógrafo, no final do século XIX, o cinema passou por diversas revoluções no que diz respeito á técnica e à narrativa. Uma das transformações mais radicais aconteceu na segunda metade dos anos 20 do século passado, com a chegada do som. Em 1929 praticamente todos os filmes rodados em Hollywood já eram falados, alguns poucos cineastas tentaram se manter de forma independente no antigo formato, como Charlie Chaplin que ainda lançaria os mudos Luzes da Cidade (1931) e Tempos Modernos (1936). Outros como Buster Keaton não se adaptaram e suas carreiras entraram em declínio a partir de então. Tal transição aconteceu durante um período extremamente duro, não só para cineastas e produtores, afinal eram tempos de crise (em 1929 acontecera o crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque), aqueles que não se rendessem à nova tecnologia estariam condenados à falência e ao ostracismo, afinal mais do que nunca a indústria não enxergava o talento ou a arte e sim o lucro que eles eram capazes de produzir. Se a moda era o som, os “mudos” que se adaptassem...
O Artista (2011), o elogiado longa de Michel Hazanavicious, resgata em sua trama a magia do cinema dos anos 20, retratando de forma simples e bela este período de transição tecnológica que também já foi abordado em obras primas como Crepúsculo dos Deuses (1950) e Cantando na Chuva (1952). Hazanavicious reverencia as produções e os artistas de outrora nesta que é a mais bela homenagem ao cinema clássico que assisto desde Cinema Paradiso (1988) de Tornatore e Os Sonhadores (2003) de Bertolucci, ele parece ter embarcado na mesma onda nostálgica que também inspirou recentemente Woody Allen e Martin Scorssese, porém, diferente dos outros filmes que já prestaram homenagem a esta ou a outra época e de outras películas “saudosistas”, em o O Artista a reverência ao passado não está apenas na temática, mas também na parte técnica do filme. Em plena era do 3D, do IMAX e do motion capture, Hazanavicious nos surpreende com um filme mudo e fotografado em preto e branco.
A ousadia estética de O Artista foi ovacionada pela crítica especializada e por alguns cinéfilos, no entanto parte do público não entendeu a proposta, alguns mais radicais chegaram a pedir o dinheiro de volta na bilheteria do cinema após descobrirem (!) que o filme estava em um formato tido como retrógrado. Apesar de ter uma história simples e cativante, eu não creio que o filme realmente seja de fácil assimilação por parte do grande público. Certamente amantes do cinema clássico e aqueles que já estão familiarizados com filmes neste formato irão se deleitar, afinal não é sempre que vemos uma homenagem tão sincera e tão bem feita a toda uma época. Por esta perspectiva, O Artista soa como um grande obrigado, um reconhecimento tardio, a tantos nomes e carreiras que foram desfeitos em nome da inovação... Se existe um fio de melancolia na trama, ele se dá quando enxergamos no drama do personagem principal a história real de tantos artistas fenomenais cuja obra não foi capaz de sobreviver diante das imposições da indústria do entretenimento...
Em O Artista, George Valentino (Jean Dujardin) é um ator de Hollywood que está no auge de sua carreira, ele é adorado pela crítica, pelos fãs e principalmente pelas mulheres (o nome do personagem é uma clara referência à Rodolfo Valentino, aquele que talvez tenha sido o maior galã do cinema americano nos anos 20). Porém o advento do cinema falado de uma hora para outra transforma Valentino e um símbolo do passado, ele passa a ser ignorado pelos produtores e sua carreira entra em declínio, ele tenta produzir filmes mudos de forma independente, porém sem nenhum sucesso. Paralelamente à sua decadência, o filme mostra a ascensão de Peppy Miller (Bérénice Bejo), uma jovem e bela atriz que George tinha ajudado a ingressar em Hollywood. Com um rostinho lindo e uma bela voz, Pappy parecia predestinada à fazer parte do novo, a brilhar no cinema falado, enquanto seu benfeitor amargava o ostracismo... No decorrer da trama, George terá que lutar contra seu orgulho para assim se redescobrir e provar para os magnatas da indústria cinematográfica que ainda tem talento e é capaz de inovar...
O ritmo de O Artista e a sua qualidade técnica o distancia dos filmes produzidos na época a qual ele se propõe a homenagear, ele também não tem a “áurea” característica das produções de outrora, mas isso não o impede de cumprir sua proposta. Ele consegue ser nostálgico sem com isso deixar de ser atual. Talvez a maior contradição atrelada à sua produção seja a de que ele foi considerado inovador por resgatar algo que há mais de 80 anos foi tido como retrógrado, mas isso não é tão difícil de ser compreendido, uma vez que no filme uma fórmula antiga é desconstruída para ganhar assim uma nova roupagem. Hazanavicious parece brincar o tempo todo com a idéia de que este é um filme mudo; preste atenção na primeira sequência, que mostra um personagem de um filme dentro do filme sendo torturado para falar (é uma alegoria da trama que se desenrolará a seguir), e também na última... Em diversos momentos parece que o som irá simplesmente escapar das palmas, dos objetos cenográficos ou da boca dos personagens, é desta forma que o cineasta nos lembra que estamos diante de um filme alegórico e do quanto estamos condicionados ao formato ao qual nos acostumados.
O Artista tem uma excelente trilha sonora, que preenche os “vazios” deixados pela ausência dos diálogos e ainda evoca as produções dos anos 20, cujas músicas eram interpretadas ao vivo dentro das salas de exibição. A direção de arte, a cenografia e os figurinos são sublimes, eles tornam a reconstrução de época quase irrepreensível. Contudo, são as atuações o aspecto que mais se destaca, o elenco secundário faz bonito, dando uma aula de interpretação corporal; Jean Dujardin e Bérénice Bejo simplesmente brilham, ambos merecem aplausos de pé por suas respectivas interpretações, eles transitam com agilidade por situações cômicas e dramáticas, emprestando aos seus personagens sensações e sentimentos que dificilmente uma fala seria capaz de proporcionar... E eles ainda dançam! O cachorrinho, inseparável do personagem de Dujardin no filme, fornece à história o elemento lúdico que remete à inocência do cinema antigo, apesar de eu não concordar com o uso de animais no cinema, tenho que reconhecer que algumas das cenas que ele protagoniza são ótimas. O Artista é um filme indispensável, principalmente para os verdadeiros amantes do cinema! Ultra recomendado!
O Artista está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original, Ator (Jean Dujardin), Atriz Coadjuvante (Berenice Bejo), Trilha Sonora Original, Fotografia, Figurino, Direção de Arte e Montagem. No Globo de Ouro o filme venceu nas categorias de Melhor Filme – Comédia ou Musical, Ator de Comédia (Jean Dujardin) e Música Original, tendo sido indicado ainda nas categorias de Melhor Diretor, Atriz Coadjuvante (Berenice Bejo), Roteiro e Trilha Sonora. O Artista ainda ganhou o prêmio de Melhor Ator (Jean Dujardin) em sua estreia no Festival de Cannes!
Oi Bruno,
ResponderExcluirMaravilha a crítica, pois o que percebi é a postura preconceituosa sobre a modalidade de filme. Penso como você e acho que a magia está em reconhecer as falas que se interpõem no contexto. Acho que por ser francês, fica difícil levar a estatueta de melhor filme. Acho que a academia tem que premiar o caráter inovador do filme.
Beijos.
Ps: Assisti Descendentes e achei muito dramático, mas com falas e fotografia interessante. Assim, entendo que não é um filme para ganhar como melhor filme. A atuação do Cloney é divina, mas Nào acho novidade.
Lu
Ainda não assisti nem "Os Descendentes", nem "Hugo", então por enquanto estou torcendo para "O Artista" levar a estatueta de Melhor Filme (ainda que meu favorito seja de fato, "A Árvore da Vida")... Se ele ganhar, não será de todo uma surpresa...
ExcluirBruno, tudo bem?
ResponderExcluirMuito interessante teu texto.
O filme me parece bem inovador, eu diria com um tanto de referenciais, mas explorando novas possibilidades. Fiquei interessada para ver, até para estabelecer meu próprio juízo, que pode até não ser muito diferente do teu :)
Grande abraço e ótimo domingo!
Assista ele sim Cecília, é uma história simples, porém muito bonita e bem interpretada!
ExcluirOi José Bruno, gostei muito do texto, ainda não assisti oa filme mas a história me lembrou um pouco "Cantando na Chuva" que também fala dessa transição do cinema mudo pro cinema falado, só que de uma forma cômica...Já estava curiosa em relação ao filme e como sempre, com seu texto fiquei com mais vontade de ver! Beijo.
ResponderExcluirA abordagem de "O Artista" também não deixa de ser cômica, apesar de lidar com um contexto dramático. "O Artista" é de fato apaixonante, as atuações são sublimes e ele ainda consegue evocar em nós a nostalgia por um dos períodos mais belos do cinema...
ExcluirBem, fica a dica para assistir, se bem que é um gÊnero que não curto muito. Comparando com alguns outros, acredito que não leva o de filme estrangeiro.De qualquer maneira,ja tem um Cannes, então não passa batido.
ResponderExcluirDeia uma chance para ele Victor, ele é um excelente filme! Na verdade ele é um dos favoritos ao Oscar e acho que tem grandes chances de ganhar em quase todas as categorias que está indicado!
ExcluirP.S. Ele realmente não leva o Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", rsrsrs sua indicação é na categoria de "Melhor Filme"
O filme é corajoso "em tempos do 3D" Bruno!
ResponderExcluirÓtimo texto, curioso você relatar a reação de algumas pessoas, insatisfeitas. Realmente "O Artista" é um filme que nasceu cult, será adorando por uma parcela de admiradores da sétima arte e não é um filme fácil.
Realmente não reparei na falta de ritmo e distanciamento que a fita tem com relação as antigas fitas que ele faz homenagem. Na verdade preciso rever o filme, baixei, não resisti, mas vou com certeza ver no cinema. Quando o conheci através do trailer fiquei curioso, um pouco apaixonado. Adoro o cinema mudo.
Atuação envolvente de Jean Dujardin e Bejo.
Ótimo você ter apontado Chaplin, ele é como The Artist e se manteve fiel com sua genial pantomima em tempos modernos.
Abraço.
Olá Rodrigo, é sempre bom receber sua visita por aqui meu caro!
ExcluirNa verdade, não acho que o filme sofra com a "falta de ritmo", pelo contrário, ele apenas se desenvolve em um ritmo diferente de filmes produzidos na época do cinema mudo, nele os cortes são mais ágeis e a montagem mais trabalhada, o que torna o ritmo do filme mais rápido, isso o aproxima mais das produções atuais do que das clássicas... Filmes de Buster Keaton e Charplin também tinha cenas desenvolvidas em ritmo acelerado, porem o desenrolar da trama era mais lento e a montagem mais simples e rústica...
Jean Dujardin ficou ótimo nesse papel, sem contar que me adoro história aonde envolvem laços afetivos com animais. Adorei a crítica e ótima recomendação :]
ResponderExcluirwww.spiderwebs.tk
Estou torcendo por ele no Oscar, seu desempenho no filme foi fantástico!
ExcluirOi, Bruno!
ResponderExcluirCaramba, tô vendo que esse filme virou cult antes de ser lançado no Brasil. Aliás, como você o viu?
Vou esperar até vê-lo para ler sua crítica, e aí a comento.
Bjs
Dani
Olá Danielle, não resisti e fiz o download, felizmente a cópia estava perfeita, com exceção da inscrição que aparecia umas 3 vezes durante o filme por alguns segundos no topo da tela dizendo que aquele DVD era para apreciação da Academia Francesa de Cinema...
Excluir[Não conte para ninguém, afinal o FBI pode me prender rsrsr]
Boa crítica, Bruno. Realmente é um dos grandes filmes do ano.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Obrigado Antonio!
ExcluirQue mico pensei que ele era francês...!!!
ResponderExcluirSorry, mas sou sincero, quando digo que não gosto do gÊnero nem a sinapse eu leio.
Mico nada, ele é francês sim, no entanto o filme selecionado pela Academia Francesa de Cinema para concorrer a uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro foi "La Guerre Est Declaree"...
ExcluirBruno, agora sim li o texto. Dá pra perceber que você gostou demais do filme e também, faz uma resenha muito boa, sustentando seus pontos de vista. Como um dos colegas de cima, também me apaixonei por ele quando vi o trailer pela primeira vez, no começo de setembro passado. Fiquei na expectativa pela sua chegada; esperei-o até aparecer no cinema, mas durante a projeção minha paixão deu lugar ao distanciamento crítico. Achei-o bom, mas nada genial (ele não me pegou com força como o fez "A Separação" ou "Melancolia"), e, como já lhe disse, fiquei incomodada com toda a citação de citação de obras e mais obras clássicas que ele fazia a cada dois minutos. Há muitos filmes mudos melhores que ele (é duro confessar isso, porque eu queria muito amá-lo).
ResponderExcluirBjs
Olá Danielle,
ExcluirEu queria ter percebido como você cada uma destas referências, mas infelizmente comparado ao seu, o meu conhecimento sobre as produções dos anos 20 é quase insignificante... Tentarei assisti a alguns dos filmes que Hazanavicious reverência em "O Artista" e então veremos de que forma se dará o meu segundo contato com ele...
Bjss
Oi, Bruno!
ResponderExcluirO Hazanavicius se disse influenciado por "Aurora" e "The Crowd" - duas maravilhas, diga-se de passagem, que trabalham bem a forma e dão densidade psicológica às personagens. Nenhum deles aparece nem de passagem no "Artista", que prefere tipificar seus personagens principais (para se fazer compreender pelas plateias de hoje, eu acho). A maior parte das referências dele é mesmo de "Cantando na chuva" e "Nasce uma estrela". Veja o making off de "O Artista", que é colorido - perceba que o cenário e o figurino são iguaizinhos aos de "Cantando...", o que o transforma mais numa referência a "Cantando..." que numa remissão ao cinema dos anos 20, que aparece estereotipado no filme.
Bjo
Dani
Vou ver os dois primeiros filmes que você citou, "Aurora" eu tenho, mas ainda não assisti... J´acho que vou concordar com você depois de assisti-los...
Excluir