Distrito 9 (District 9) - 2009. Dirigido por Neill Blomkamp. Escrito por Neill Blomkamp e Terri Tatchell. Direção de Fotografia de Trent Opaloch. Trilha Sonora Original de Clinton Shorter. Produzido por Carolynne Cunningham e Peter Jackson. District 9, WingNut Films e Key Creatives / USA | Nova Zelandia | Canadá | África do Sul.
Há uma espécie de consenso no meio cinematográfico que diz que em determinados gêneros os filmes não precisam ser 'inteligentes' ou bem escritos para alcançar sucesso de público, basta que tenham um ritmo ágil e uma notável qualidade técnica. Muitos cineastas, principalmente os realizadores de filmes de ação, aparentam rezar por esta cartilha e isso elimina de suas obras qualquer valor artístico e estético que elas poderiam ter, restando apenas o estímulo visual, o resultado são produções de apelo meramente comercial, destituídas de um toque autoral e de uma maior profundidade dramática. No entanto de tempos em tempos, surgem cineastas que rasgam esta cartilha e ultrapassam as limitações criativas de tais tipos de filme, provando com isso que mesmo gêneros tidos como menores podem render excelentes obras.
O cineasta sul-africano Neill Blomkamp nos mostra em Distrito 9 (2009), seu primeiro longa-metragem, que um filme de ação pode ter ao mesmo tempo um bom ritmo, espetaculares efeitos especiais, relativa profundidade dramática e uma contundente crítica social. Seu trabalho não é uma obra prima, ele possui diversas arestas que poderiam ter sido melhor aparadas, mas ainda assim ele aponta para um caminho salutar, que tende a romper com algumas convenções e clichês (ainda que mantendo outros) e abrir espaço para um pouco de ousadia no que diz respeito à narrativa e ao roteiro... Distrito 9 nos remete à diversas outras obras que vão de Dança com Lobos (1990) a A Mosca (1996), não há como negar que alguns de seus elementos dramáticos não são nada originais, no entanto eles possuem algumas características que os tornam e ao o filme, se não originais, no mínimo diferenciados.
A história de Distrito 9, que se passa na cidade de Joanesburgo, começa de uma forma um tanto não convencional, através de um pseudo documentário nós espectadores somos apresentados ao personagem central - o patético Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley) - e à situação que servirá de mote para o desenvolvimento do roteiro. Há cerca de 20 anos uma nave alienígena apareceu sobre a cidade sul-africana, e permaneceu lá como se estivesse estacionada, após três meses uma missão militar a invadiu e descobriu em seu interior um contingente enorme de alienígenas moribundos que foram trazidos para a superfície. Os ETs, após terem suas armas confiscadas, se tornaram indefesos e relativamente inofensivos. Por não conseguirem deixar a Terra eles acabaram ficando em um gueto da cidade, o Distrito 9, que com o passar do tempo se tornaria uma grande favela.
Os constantes atritos entre humanos e alienígenas apontam para um problema grave e de difícil solução, o estado tinha perdido o controle sobre a região habitada pelos 'camarões' (apelido pejorativo dado aos extra-terrestres) e melícias de nigerianos exerciam sua influência sobre eles através da venda de comida de gatos,(que eles consumiam como se fosse uma espécie de droga causadora de forte dependência). A solução proposta pelas autoridades foi a de levar os alienígenas para uma espécie de campo de concentração, localizado em uma região mais distante da cidade. A empresa Multinational United (MNU), onde Wikus trabalha, é contratada pelo governo para realocar a população de alienígenas e ele é nomeado para chefiar a missão. Ele, que fora promovido graças a influência exercida pelo seu sogro, vê tudo aquilo que conquistou desmoronar após o fracasso da missão. Sua situação no entanto tende a se complicar ainda mais, pois durante a incursão no Distrito 9 ele foi contaminado por um estranho liquido, que deu início à uma série de reações em seu corpo.
Como eu disse acima, o filme não está livre de clichês, porém estes são explorados de uma forma diferenciada daquela a que estamos acostumados, o que corrobora a originalidade conferida pelo argumento. Um exemplo disso se dá na transformação que o personagem central vive durante o filme, no início do desenvolvimento da trama ele é egocêntrico e preconceituoso, no entanto o contato direto com a realidade dos 'camarões' implica forte mudanças na maneira que ele vê a eles e a organização na qual ele trabalha. Este processo é similar ao que acontece com os personagens de Kevin Costner no já citado Dança com Lobos (1990) e com o de Tom Cruise em O Último Samurai (2003), porém diferente do que acontece neste outros dois filmes, Wikus não revê seus conceitos por admiração ou respeito à cultura alheia, mas tão somente por falta de opção e por culpa, o que nos leva a crer que seu egoísmo e seu preconceito permanecem intocados.
O subúrbio povoado pelos 'camarões' é uma óbvia referência ao gueto de Soweto e a segregação entre humanos e ETs uma alegoria perfeita do regime de Apartheid, que vigorou da África do Sul de 1948 a 1994. Distrito 9 no entanto não fica só nas referências, ele também tece uma contundente crítica ao preconceito e à segregação. Na história, não é só brancos que defendem a supremacia humana, negros também são favoráveis à criação do campo de concentração, eles também deixam aflorar seu ódio contra os diferentes e o roteiro dá ênfase a isso. O filme nos conduz à conclusão de que independente de quem esteja de um lado ou de outro, numa situação de atrito étnico o ódio cego sempre aflorará contra os mais fracos, aqueles que não têm condições de se defenderem e estes, por serem diferentes, serão considerados indignos de terem os mesmos benefícios e direitos que os demais...
O ator Sharlto Copley está muito bem no filme, ele interpreta de forma convincente cada uma das transformações que seu personagem vive no decorrer da história e cada um dos sentimentos que ele experimenta, que vão do ódio à dor, da culpa à frustração... Os efeitos especiais foram muito bem trabalhados (Peter Jackson era um dos produtores do filme, não poderia ser diferente), o que confere ao filme um maior realismo. Todavia Distrito 9 peca em alguns aspectos, um deles é o excesso de didatismo, que fica evidente pelas diversas inclusões de elementos que servem para explicar aquilo que estamos vendo, em raros momentos estes elementos colaboram de fato com a trama ou com a alegoria criada por ela. Outro problema é a constante alternância entre a câmera diegética e a não diegética, sendo que a primeira é aquela que acompanha o personagem central e registra imagens para o pseudo documentário e a outra é a câmera que não está inserida na narrativa, ou seja a convencional, esta alternância, que chega a ser incômoda, poderia ter sido usada à favor da narrativa, mas isso não aconteceu.
Apesar de seus pequenos deslizes, Distrito 9 pode ser considerado uma grande estreia, o debut de um diretor que merece ser observado com bastante atenção, eu já aguardo ansioso pelo seu segundo filme, Elysium, que deverá chegar aos cinemas em 2013 e contará com Wagner Moura, Matt Damon, Jodie Foster e Alice Braga no elenco.
Concluo esta resenha, ressaltando o fato de que Distrito 9 é uma ficção científica cujo foco não está no ficcional, mas na forma com que se constrói os relacionamos com aqueles que consideramos diferentes ou inferiores a nós, justamente por isso ele se torna tão recomendável, tanto como bom entretenimento quanto pela capacidade de nos levar a reflexões que transcendem sua própria história. Assistam!
Distrito 9 foi indicado aos Oscar nas categorias de Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Edição e Efeitos Visuais.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
Boa noite, José Bruno.
ResponderExcluirTambém gostei bastante da pegada bem diferenciada e pouco convencional deste diretor iniciante.
Acho que o que mais gostei do filme foi a junção da crítica social com a ação quase ininterrupta e as sacadas, como o fato de Wicus pode usar as armas alienígenas.
Um dado curioso sobre este filme é que, inicialmente, Neil Blomkamp estava filmando Halo, que foi cancelado e substituído por Distrito 9.
Estou ansioso por Elysium, que possui um elenco bem tarimbado e uma temática interessante.
Abraço, José Bruno.
Também estou ansioso por 'Elysium' Jacques, principalmente para conferir a atuação do Wagner Moura!
ExcluirGrande Bruno, iai blza?
ResponderExcluirCara, desculpe o sumiço, ando muito atarefado com a Universidade, e essas semanas mesmo em férias estou com diversos trabalhos... enfim...
Quando esse filme estreou nos cinemas de minha cidade eu fiquei louco para ver só por levar o nome de Peter Jackson no cartaz. Infelizmente naquela ocasião não consegui ver e depois que o mesmo saiu de cartaz caiu em meu esquecimento e até hoje não assisti. Gosto muito de filmes nessa temática. Após ler seu ótimo texto, mais uma vez confesso despertou minha vontade em assisti-lo.
Grande abraço
Não se preocupe Jefferson, eu também diminuí um pouco o ritmo por conta das responsabilidades inerentes ao trabalho, é normal...
ExcluirFico feliz que eu tenha conseguido despertar sua curiosidade em relação ao filme. Assista na primeira oportunidade que você tiver! Forte abraço cara!
Oi José Bruno, achei o texto excelente, concordo com o que vc relatou sobre o filme, achei bem interessante e diferente. Estou aguardando a sequência, que soube que terá...
ResponderExcluirBeijo!
Lembro de ter lido mesmo sobre uma sequência, mas já tinha até esquecido... O fato de ser diferente, não convencional, é o um dos grandes atrativos do filme!
ExcluirOlá!Boa noite!
ResponderExcluirTudo bem, Bruno?
seu texto foi bom...
...do filme : não gostei dos muitos efeitos especiais e nos demais elementos Hollywoodianos, (como você disse, com P.Jackson não poderia ser diferente) que deveria ser ferramenta para fazer um roteiro se tornar interessante...mas não me convenceu... AQUELA alternância de CÂMERA , realmente, me incomodou ...ah... o clichê básico se repetiu "O protagonista que odeia seus inimigos, até se ver do outro lado."e finalmente, opinião minha, sai com aquela sensação de que já vi essa história antes...Guerra do Iraque, Dança com Lobos, Último Samurai, Soweto... etc...
Vamos ver Elysium...
Boa semana!
Abraços
Na verdade achei os efeitos um dos melhores aspectos do filme Felisberto, principalmente por eles estarem sendo usados a favor da trama e não para camuflar a qualidade dela como frequentemente acontece, foi isso o que eu quis dizer quando comentei que com o Peter Jackson não poderia ser diferente, ao contrário do James Cameron, por exemplo, que abusa dos efeitos para dissimular uma trama medíocre, ele os usa como devem ser usados...
ExcluirOlha, eu adoro filmes de ficção cientifica, depois do terror-suspense, este é meu preferido, vou dar uma olhada no trailer e ver como eu fico, eu andei ontem no site da Filmow procurando algo pra assistir, mais nenhum me chamou a atenção, vou ver se essa dica sua é boa mesmo... ontem assisti ao um filme cristão ou sei lá o que, parece que são igrejas dos EUA que fazem filmes para ajudar as pessoas se aproximarem das igrejas e de DEUS, confesso que fiquei meio assim ¬¬ pro filme, mais me emocionou muito, fiquei realmente tocada com a historia, o nome é "O Toque"... sei lá, acho que vc tbm pode nunca ter visto um filmes desses, então quem sabe vc não dá uma olhadinha... rsrsrsrs... Abraços e de olho nos filmes hein!!
ResponderExcluirhttp://www.artesdosanjos.com.br/
Ainda não assisti "O Toque" Jane, mas já vi filmes do gênero como "Desafiando Gigantes" e uns outros dois da mesma produtora, acho legal a proposta e em alguns casos a mensagem do filme, mas confesso que vejo pouco valor artístico neles...
ExcluirSempre ouvi falar desse filme, mas como é ação e alienigenas, nem me interessei. Parece legal. Bela resenha!
ResponderExcluirBeijão, Sabrina. (www.spiderwebs.com.br) ♥
Ele é bom sim Sabrina e ele vai bem além de um filme de um filme de ação com alienígenas, se você tiver oportunidade assista!
ExcluirO gênero da ficção científica surgiu não para impressionar os olhos ou mostrar a criatividade dos realizadores em prever o futuro, mas da necessidade de se promover alegorias da nossa sociedade. Isto Distrito 9 faz muito bem.
ResponderExcluirConcordo plenamente Márcio, uma pena que este viés do gênero seja tão pouco explorada em outras produções...
ExcluirMe lembro de que eu o vi e até achei interessante, mas hoje nem me lembro do filme!
ResponderExcluirAcho que isso é natural, dependo das circunstâncias, e não indica necessariamente que o filme seja ruim. Esquecemos com mais facilidade, por exemplo, de filmes sobre os quais poucos falamos e discutimos e "Distrito 9" não é um filme que tenha estado tão presente em rodinhas de cinéfilos...
ExcluirMas essa hstória aí é meio maluca hein Brunão! Hahahahahahahaha, talvez eu assista só porque você mandou! Hahahahahaha, mas eu não gosto muuuuito de ficção científica ou coisas assim com ets, hahahahaha.
ResponderExcluirvaleu amigo!
Então André, mas isso que é o legal do filme, o fato dela transitar por tais gêneros e temáticas, mas com uma abordagem distinta... o foco dele são os relacionamentos humanos e o preconceito.
ExcluirOi Bruno
ResponderExcluirConfesso que tenho a mesmo opinião do André, não fui assiti-lo, nunca aluguei-o, e até nem o assiti quando passou na sky, mas agora com sua indicação eu vou me aventurar a assití-lo, porque vc sempre manda bem nas indicações.
Bjão. querido. Fique com Deus.
Assista sim Luciana, como eu disse ao André, o filme é bem mais que um longa de ação com alienígenas, acho que você vai gostar...
ExcluirMuito bom a resenha Zé! Eu quando vi fiquei com aquele pé atras, com medo dos Clichês e tal, mas quando vi que fizeram uma "versão Favelada" dos ET's achei massa! E sua resenha ta foda como todas!! ^^
ResponderExcluirValeu cara, fico feliz que você gostou!
ExcluirParece meio trash, não?
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Ele é estranho, principalmente pelo não convencionalismo da trama, o que vejo como um aspecto positivo, mas eu não classificaria ele como 'trash'...
ExcluirOi Bruno,
ResponderExcluirTudo bem? O filme já pode ser considerado clássico na temática e considero um filme inteligente porque não usou apenas tecnologia e parábolas, tipicas do gênero. Não sou fã do gênero, até por ceticismo, mas vejo-o como longa para reflexão.
Beijos.
Lu
Justamente Luciana, foi o mesmo que disse em algumas das respostas aos comentários acima. "Distrito 9" não deve ser visto tão somente como uma ficção científica!
ExcluirAssisti esse filme há um tempo e gostei dele. Mas não me lembro de muita coisa desse filme.
ResponderExcluirÓtima Crítica!
Obrigado Mateus!
ExcluirOpa, tudo bem? Gostei bastante da sua análise e concordo com tudo o que disse. Eu fui assistir já meio pessimista, pois estava esperando algo clichê e bastante batido, mas saí da sala de cinema muito satisfeito.
ResponderExcluirSó um detalhe: ali no trecho "há cerca de 20 uma" eu fiquei um pouco confuso. Fiquei me perguntando "ué, será que ele quis dizer vinte e uma?", mas aí percebi que você pulou o "anos". Então estou dando um toque, pois sempre fico alegre quando me avisam de algo do tipo nos meus blogs. E olha que direto faço isso também! hahaha
Abraço