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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Indomável Sonhadora

Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild) - 2012. Dirigido por Benh Zeitlin. Escrito por Benh Zeitlin e Lucy Alibar, baseado na peça de Lucy Alibar. Direção de Fotografia de Ben Richardson. Música Original de Dan Romer e Benh Zeitlin. Produzido por Michael Gottwald, Dan Janvey e Josh Penn. Cinereach, Court 13 Pictures e Journeyman Pictures / EUA.


Hollywood ainda tem muito a aprender com a produção independente do cinema americano. Ano após ano obras originadas fora do circuíto mainstrean têm ganhado projeção na temporada de premiações e chamado a atenção para uma verdadeira ebulição criativa que tem acontecido relativamente longe do olhar das grandes produtoras. Neste ano, o principal representante desta cena veio do estado da Louisiana, ele é Indomável Sonhadora (2012)trabalho de estreia de Benh Zeitlin, cineasta que chegou a afirmar que se sente um forasteiro na indústria cinematográfica. Trata-se de uma história com contornos realistas e fantásticos sobre a pobreza, a desigualdade social e a marginalidade. Sua trama, que é narrada pela perspectiva de uma criança, faz referência à passagem do furacão Katrina em 2005 e ao processo de derretimento da calota polar. O longa reúne elementos que dificilmente estariam presentes em uma grande produção, o que denota uma liberdade criativa bem maior, que é o que tem tornado a cena independente americana tão prolífera nos últimos anos.

Indomável Sonhadora retrata a realidade de pessoas que moram na 'Banheira', uma ilha fictícia localizada em uma região pantanosa da Louisiana, um lugar que corre o risco de ser inundado no caso de uma grande tormenta. Boa parte da população local se recusa a deixar a ilha, mesmo sabendo que o perigo é tão iminente, dentre estes está Wink (Dwight Henry), um homem que assim como os vizinhos, sobrevive da pesca e da agricultura de subsistência, ele passa a maior parte do tempo bêbado, o que curiosamente não é visto com maus olhos por nenhum dos outros habitantes. Ele se gaba de ser forte o suficiente para sobreviver a uma tempestade e de morar em um lugar onde pode viver em seu próprio ritmo, sem se preocupar com pressões impostas pela sociedade. Wink cria sozinho a filha de seis anos, Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), a quem ele ensina sobre a dureza e a crueldade da vida de uma maneira muito peculiar.


Dotada de uma fértil imaginação, Hushpuppy não compreende o quão dura é sua própria vida, para ela o mundo se resume à realidade da 'Banheira' e, devido às histórias contadas pelo pai, ela cria em seu imaginário uma visão negativa da realidade exterior a sua. Em seus devaneios, toda a ameaça vinda de fora é representada por um grande animal pré-histórico, saído de uma pintura rupestre tatuada na perna de sua professora. A grande besta é uma espécie de porco peludo e com chifres, que devora pais e mães e não poupa nem mesmo os bebês. Este monstro, tão assustador na imaginação dela, é uma metáfora da própria vida, com suas dores, perdas e sofrimento. Na mente inocente da garota, todos os eventos do cotidiano ganham projeções maiores e do exagero de seu olhar infantil surgem os contornos fantásticos que tornam o filme tão interessante (e que me remetem à trama de Onde vivem os Monstros, filme dirigido por Spike Jonze). 


A dureza da vida é o tema central da história, que retrata um cruel processo de desumanização vivenciado por aqueles que se encontram à margem. O roteiro nos faz questionar se as feras do sul selvagem, às quais o título original se refere, são de fato os monstros do imaginário da menina, ou se são na verdade ela e sua gente, que são comparados com bichos em diversos momentos da história. O interessante é que a narrativa não aponta a marginalização dos personagens como algo negativo, nos induzindo à uma reflexão sobre o direito que o indivíduo tem de se isolar da vida social convencional e criar seu próprio modelo de organização (o que remonta à própria situação na qual a produção do cinema independente americano se encontra atualmente e a opção do Benh Zeitlin de se manter distante do mainstrean). Em dados momentos a história nos leva a questionar se a inserção da população da 'Banheira' na sociedade seria de fato algo bom para ela ou não...


Em uma das cenas, uma mulher, a quem Hushpuppy acabara de conhecer, lhe aconselha a não olhar para o futuro de uma forma tão positiva, pois ela precisaria estar forte e preparada para enfrentar as perdas que seriam inevitáveis. À primeira vista este conselho nos parece ser excessivamente duro para ser dado a uma criança tão pequena, todavia, a própria trama se encarrega de nos convencer do contrário. O processo de desumanização, que se encontra em curso durante todo o desenvolvimento do filme, faz com que a menina amadureça precocemente. Ainda que não tenha plena ciência de tudo que acontece à sua volta, ela se vê obrigada a entrar no mundo adulto sem ter o devido preparo para tal e é então que percebemos o quanto o conselho que lhe fora dado pela estranha foi realmente pertinente, ainda que difícil de ser assimilado como algo benéfico. 


Todo o elenco, que é composto por atores não profissionais, oriundos da região onde o filme foi rodado, entrega atuações de uma impressionante intensidade dramática. A garota Quvenzhané Wallis está realmente soberba no papel, o que desmente a acusação de que sua indicação ao Oscar seria tão somente uma tentativa da Academia de fazer justiça social e racial. Desde Lua de Papel (1973), que rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante à Tatum O’Neal, eu não via uma interpretação infantil tão consistente e poderosa. Dwight Henry também está muito bem, ele cria um daqueles personagens controversos, que não sabemos se odiamos, ou se defendemos, sua interpretação consegue deixar evidente o cuidado e o amor que ele tem pela filha, mesmo que isto esteja tão subliminar em seu comportamento já tão embrutecido. 


As tomadas feitas com uma câmera de mão instável, que parece ser tão selvagem, quanto a realidade que ela captura, salientam a crueza e o naturalismo do ambiente retratado. A opção por uma fotografia que valoriza a luz natural, sem tantos efeitos de iluminação, também reforça o tom quase documental que o filme tem, o que por sua vez torna a trama ainda mais impactante e gera um contraste interessante com a fantasia, que nos salta aos olhos em algumas das passagens. A trilha sonora também é excelente, ela ajuda a compor o viés fantástico do filme, dando sonoridade à poesia que transborda da tela... Indomável Sonhadora foi sem dúvidas uma grande estreia. Ainda que ele não seja o grande merecedor de todos os prêmios aos quais foi indicado, eu fico muito feliz em ver cada uma de suas nomeações, elas me dão a esperança de que a Academia pouco a pouco está mudando e comprovam que o monopólio das grandes produtoras já não é mais tão forte, quanto foi no passado... Ultra recomendado! 


Indomável Sonhadora ganhou no Festival de Cannes o prêmio Câmera de Ouro (direcionado a diretores estreantes) e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Atriz (Quvenzhane Wallis) e Roteiro Adaptado.

Assistam ao trailer de Indomável Sonhadora no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.


5 comentários:

  1. Já estava há muito ansiosa para ver este filme, depois da sua resenha o quadro só piorou!rs. Ótimo texto e a abordagem sobre as produções independentes foi super pertinente, a Academia já dá sinais de que a indústria cinematográfica não ficará imune às transformações do mercado em geral. Beijos

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  2. As críticas sobre este filme são só elogios. De fato, o cinema independente tem muito a ensinar a Hollywood!
    Abraços!

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  3. Ótima resenha, J. Bruno. Assisti esse filme recentemente e ainda vou escrever sobre ele. Concordo tudo sobre o que vc escreveu. Sem dúvida, Indomável Sonhadora é um grande momento do cinema independente americano. Abração!

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  4. Bruno,

    Excelente crítica! Essa garota foi indicada ao oscar e percebo luz dos roteiros, além de Hollywood. Percebo nesse longa, a história de famílias que vivem em situação de risco permanente, seja nas encostas e favelas. Talvez a nossa banheira seja já um mar sem fim. E a ideia de que não se deve esperar um futuro seja o contraponto frente as ilusões de autoajuda.

    Beijos.

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  5. Muito boa a resenha, ótimo contexto, conseguiu captar as emoçoes e ideias do diretor, ou pelo menos, é o que parecem.

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