Argo - 2012. Dirigido por Ben Affleck. Escrito por Chris Terrio, baseado no artigo de Joshuah Bearman e no livro de Antonio J. Mendez. Direção de Fotografia de Rodrigo Prieto. Música Original de Alexandre Desplat. Produzido por Ben Affleck, George Clooney e Grant Heslov. Warner Bros. Pictures, GK Films e Smoke House / EUA.
Atração Perigosa (2010), o segundo filme dirigido pelo Ben Affleck, me proporcionou uma agravável surpresa, confesso que eu não tinha criado expectativas tão boas em relação a ele e ao assisti-lo me deparei com algumas grandes atuações e uma direção coesa, enxuta e ciente de sua própria importância. Cheguei a defender na resenha que escrevi, que foi a direção que salvou o longa de ser uma obra facilmente descartável, uma vez que ele possuía um problema difícil de ser contornado: um roteiro raso e repleto de clichês. Ontem, quando assisti Argo (2012), eu não tive a mesma surpresa, pois minhas expectativas já eram bem superiores, em parte devido às inúmeras críticas positivas que o filme recebeu, mas principalmente porque eu já imaginava que desempenho do Ben Affleck, como diretor, ganharia evidência em uma obra cujo roteiro conseguisse escapar dos lugares comuns, felizmente foi isso que aconteceu. Este seu novo trabalho não chega a abandonar por completo as velhas fórmulas, mas possui um roteiro muito mais maduro e consistente.
A trama de Argo gira em torno do seguinte fato histórico: Em 1979, uma crise internacional começou com a recusa dos Estados Unidos de deportar para o país de origem o Xá Reza Pahlevi, um tirano iraniano, a quem tinham concedido asilo político. A população do país árabe clamava pelo direito de executar o ditador, que fora deposto pelo aiatolá Khomeine. Enfurecido, um grupo de militantes invadiu a embaixada americana no país e fez reféns mais de cinquenta funcionários, eles acreditavam que o lugar estava sendo usado como base por espiões da CIA, que estariam infiltrados entre os diplomatas. O que eles não sabiam é que durantes a invasão seis pessoas conseguiram fugir do prédio, escapando pela porta dos fundos, estes foram acolhidos, secretamente, pelo embaixador do Canadá, Ken Taylor (vivido na trama por Victor Garber), que os manteve escondidos em sua residência. A resistência dos Estados Unidos em deportar o Xá, que estava sendo submetido a tratamentos médicos em Nova Iorque, aumentou a tensão entre os dois países e desencadeou uma onda de ódio contra os americanos no Irã.
A situação tornou quase impossível a saída dos seis refugiados do país. Para conseguir tirá-los de lá, a CIA decidiu colocar em prática um plano audacioso, arquitetado pelo agente Tony Mendez (interpretado no filme pelo próprio Ben Affleck). O agente entraria no Irã se passando por um produtor de cinema canadense em busca de locações exóticas para um filme e sairia de lá junto com os refugiados, como se eles fizessem parte de sua equipe. Para dar credibilidade à ideia, foi criado todo um aparato de marketing para o falso filme, que seria uma ficção científica nos moldes de Guerra nas Estrelas. A pre-produção de faixada envolveu o artista de maquiagem John Chambers (vivido por John Goodman), que ganhara o Oscar por seu trabalho em Planeta dos Macacos (1968), ele, que era conhecido de Mendez, participou da divulgação do filme e ainda criou um escritório para centralizar as operações relacionadas a ele. Na trama ainda é adicionado um personagem fictício (que pode ter sido inspirada em um real), o produtor Lester Siegel (Alan Arkin), que trabalha ao lado de Chambers e faz a mediação junto à imprensa.
Este evento histórico era o mote perfeito para um roteiro cinematográfico, afinal de contas era uma história tão absurda que só o cinema poderia ter contado com tanta propriedade. O problema é que nas mãos erradas a trama poderia se tornar uma exaltação da política externa dos Estados Unidos e uma satanização dos árabes. Mas, apesar de ter em seu centro um herói americano, o roteiro escrito por Chris Terrio conseguiu escapar do risco de ser excessivamente tendencioso e ufanista. Já na sequência inicial do longa, que faz uma breve contextualização histórica usando a narração em off e imagens de storyboards, fica evidente que a culpa dos Estados Unidos no conflito não será amenizada, neste ponto já somos informados de que o Tio Sam ajudou a colocar o sanguinário Reza Pahlevi no poder e que ainda lhe deu asilo político após sua deposição, mesmo seus atos, que incluem perseguição e tortura, sendo tão condenáveis.
Na excelente angulação adotada pela narrativa, a questão nacionalista perde o foco para dar lugar ao humanismo, o que favorece a construção de personagens não tão maniqueístas, o que não é comum em filmes que abordam este tipo de questão. Em Argo até os soldados e radicais islâmicos são retratados de uma forma menos tendenciosa, o que fica evidente na passagem em que militares ficam deslumbrados com os storyboards do falso filme e em outra que mostra a explosão de ódio de um homem contra os americanos, o que é logo justificado pela recente perda de seu filho, supostamente morto pelo Xá com uma arma americana. Esta abordagem confere ao filme um realismo maior, o que é reforçado também pelas atuações, a maior parte delas contidas, e pela excelente reconstrução de época que o filme faz, que pode ser notada nos figurinos, na escolha das locações e na direção de arte. [Prestem atenção na parte dos créditos finais que mostra lado a lado fotos reais do conflito e da mesma situação depois de recriada no filme].
Chris Terrio, o roteirista, ainda acha espaço para incluir uma boa dose de ironia no filme, o que pode ser percebido em diversos diálogos que fazem referência à própria indústria cinematográfica, um exemplo acontece na cena em que Tony Mendez vai até John Chambers para lhe pedir ajuda, o agente da CIA diz: "preciso que me ajude a fazer um filme falso", o artista de maquiagem então lhe responde de forma sarcástica: "você está no lugar certo". Na mesma passagem Mendez interroga: "já ensinaram alguém a ser diretor em um dia?", seu interlocutor então responde: "ensinaram um macaco-rhesus". Hipocrisia ou não, a decisão de manter no roteiro este tipo de piada aponta para a coragem de Ben Affleck de fazer graça com o próprio meio onde atua, o que pode ser visto ao mesmo tempo como protesto e como autocrítica.
O desempenho de Affleck como ator, que sempre foi alvo de críticas, passou por um significativo amadurecimento. Ele constrói seu personagem de forma sóbria e o resultado é uma interpretação realista (apesar de alguns poucos clichês associados ao próprio personagem) e coerente com o tipo de abordagem adotado pelo filme, seu Tony Mendez é no fim das contas um herói plausivelmente real e não mais um estereótipo construído para alimentar o ego dos americanos e justificar as mazelas da política externa do país. John Goodman e Alan Arkin também entregam ótimas atuações, a maior parte das sequências protagonizadas por eles conferem ao filme um tom mais leve, que contrasta com a tensão da realidade no Irã e com claustrofobia da casa onde os seis funcionários da embaixada estão refugiados. O elenco secundário, constituído em boa parte por nomes oriundos da TV americana, como Bryan Cranston, Tate Donovan, Zeljko Ivanek e Clea DuVall, mantém o bom nível de qualidade das atuações.
A fotografia e a trilha sonora do filme também merecem ser destacadas, afinal ambas são fundamentais para o resultado final do longa. Rodrigo Prieto consegue dar ao filme um visual retrô, que nos remete à época na qual ele se passa e ainda trabalhar de forma diferenciada a iluminação em cada um dos ambientes nos quais ele se passa, ressaltando assim o tipo de sensação experimentada pelos personagens em cada um desses lugares. Alexandre Desplat, que conseguiu sua quinta indicação ao Oscar com a trilha deste filme, também realiza mais um excelente trabalho, elogiá-lo é chover no molhado, para Argo ele compôs uma trilha que toca nos momentos certos, sem apelos emocionais, mas com um grande poder de reforçar o sentimento de urgência que toma conta do filme em seus últimos atos, é interessante perceber os elementos da música árabe que ele inclui em suas canções, que funcionam perfeitamente no universo do filme.
Não posso afirmar que Ben Affleck realizou uma obra-prima, mas Argo é de fato merecedor de cada um dos elogios que vem recebendo, trata-se de um filme competente em cada um de seus aspectos, que nos mostra um pouco daquilo de melhor que a velha Hollywood ainda tem para oferecer. Recomendo!
Argo ganhou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Diretor e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Ator Coadjuvante (Alan Arkin), Trilha Sonora Original, Montagem, Edição de Som e Mixagem de Som.
A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.
Gostei da resenha. Não poderia ter sido melhor escrita! Quero muito ver esse filme, embora esteja torcendo pelo Lincoln. Mas eu acho que o Ben Affleck conseguirá um òscar por esse filme, nem que seja o de Roteiro Adaptado, ou até, Edição de Som. Vamos ver.. e torcer!..dia 24.02.2013 tá chegando).
ResponderExcluirParabéns pelo excelente documentário!
Lu Janis, Facebook.
Baixei ontem...verei hoje e digo o que achei amanhã. kkkk.
ResponderExcluirabraços
Gostei do enredo, não sabia que ele estava concorrendo ao Oscar, mas com certeza, Linconl deve faturar a estatueta de melhor filme.
ResponderExcluirAbração pra ti Bruno.
Olá, José Bruno.
ResponderExcluirAcho o Ben Affleck limitadíssimo como ator e ainda não vi nenhum filme dirigido por ele, e acredito que esse filme seja realmente merecedor de todos os elogios associados a ele.
Abraço.
Para quem gosta do estilo político esse filme realmente é um prato cheio!! Sem dúvidas o candidato mais forte para o Oscar desse ano!
ResponderExcluirParabéns pelo post e pelo texto muito bem escrito Bruno!
Grande Abraço!