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domingo, 27 de março de 2011

Milk - A Voz da Igualdade

Milk - A voz da Igualdade (Milk) - 2009. Dirigido por Gus Van Sant. Roteiro de Dustin Lance Black. Fotografia de Harris Savides. Música de Danny Elfman. Produzido por Bruce Cohen & Dan Jinks. Focus Features / EUA.


Em meados do ano passado, no calor das eleições, o debate sobre a lei que propunha a criminalização da homofobia gerou polêmica, principalmente nas redes sociais, que se tornariam por ocasião o palco dos mais inflamados discursos. De um lado estavam aqueles que defendiam a bandeira do movimento gay como questão de direito civil e de outro estavam os que questionavam a lei partindo de pressupostos religiosos ou da premissa de que todos devem ser livres para expressar sua opinião, mesmo quando tal opinião fira a liberdade alheia. Eu não pretendo entrar neste artigo na polêmica que envolve este assunto, até porque a questão é muito mais complicada do que supõe aqueles que a debatem. O filme Milk – A Voz da Igualdade (2009), inspirado em fatos reais, retrata em um estilo quase documental a trajetória de Harvey Milk, aquele que foi o primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público nos Estados Unidos, ele se tornou nos anos setenta um porta voz do movimento e com sua postura ativista colocou assuntos semelhantes aos que citei acima na pauta dos debates políticos de então.

Harvey Milk viveu a maior parte de sua vida no “armário”, se escondendo pelo medo da reprovação de sua família e da sociedade, mas à medida em que percebe que a reclusão pode ser dolorosa, ele entra de cabeça no movimento que lutava por direitos básicos dos gays, como o de não ser demitido de um trabalho pela orientação sexual. A loja que abre em um bairro de São Francisco se torna um point e atrai homossexuais do mundo inteiro, que aparecem por lá em busca de prazer, liberdade ou fugindo da repressão familiar. Milk percebe então que o movimento ganharia mais força se contasse com representação política e mesmo sem acreditar na possibilidade de vitória ele lança sua candidatura para Supervisor (uma espécie de vereador) da cidade. O conservadorismo, que estava presente, mesmo numa cidade tida como liberal, o impediu de sair vencedor nas urnas por três vezes consecutivas. Sua perseverança, alimentada pelo apoio dos amigos, não o deixou desistir e na quarta tentativa conseguiu ser eleito para a câmara dos supervisores. A chegada do militante ao poder foi marcada por ameaças e reações adversas de seus inimigos políticos.


Aquela que talvez tenha sido a maior de todas as lutas de Milk, começou antes mesmo de ele ser eleito. Em 1977 alguns ativistas conseguiram fazer aprovar uma lei em Miame, que tornava ilegal a discriminação contra homossexuais, uma contra-reação a esta lei foi liderada pela cantora Anita Bryant, diretora do movimento chamado de “Salvem Nossas Crianças”. Bryant alegava que a lei lhe tirava o direito de ensinar a moralidade bíblica para seus filhos, numa tentativa de revogar esta lei, ela colheu mais de 64 mil assinaturas em todo o condado, seu intuito era levar o tema mais uma vez a plenário. Ela conseguiu, a lei foi anulada com uma esmagadora maioria de 70% dos votos. O Senador Estadual John Briggs, que pretendia lançar candidatura para governador da califórnia, viu uma grande oportunidade na campanha da cantora, ele começou então a defender os interesses dos cristãos fundamentalistas, pois acreditava que assim poderia trazer para si o apoio daquela maioria expressiva que compareceu às urnas para derrubar a lei.


Briggs não chegaria a se candidatar para o posto de governador, mas recebeu grande apoio em um de seus projetos, a "Preposição 6", que ficaria conhecida como "Iniciativa Briggs", este projeto propunha a obrigatoriedade da demissão de professores de escolas particulares e públicas que defendesse o direito dos homossexuais. Devido em grande parte à luta de Milk, que chegou a convidar o senador para um debate ao vivo na TV, a projeto de lei foi recusado em votação, com uma diferença de mais de um milhão de votos, surpreendendo até mesmo os ativistas gays. Milk conseguiu também aprovar em São Francisco a lei que criminalizava o preconceito contra os Gays, aprovação esta que foi quase uma unanimidade entre os supervisores, apenas o supervisor Dan White votou contra. Pouco tempo depois White tentou aprovar um projeto de lei para aumentar o próprio salário de todos seus colegas, como não conseguiu de forma indireta (uma vez que não queria se queimar com o eleitorado) ele pediu demissão ao prefeito alegando que o salário que ganhava não era o suficiente para sustentar sua família. Logo em seguida White tentou voltar atrás, seu pedido de readmissão chegou a ser aceito pelo prefeito George Moscone, que também voltou atrás, convencido por Milk e por outros supervisores. Na manhã do dia 10 de novembro de 1978, White entrou na prefeitura por uma janela lateral e assassinou a tiros o prefeito Moscone e Milk, que se encontravam em suas respectivas salas.


Milk, mesmo tendo exercido apenas 10 meses de seus mandato, se tornaria um símbolo mundial da luta pelos direitos civis e um herói para o movimento gay. Pressentindo que poderia ser morto a qualquer momento, Milk gravou uma mensagem de despedida, que encerrava com a seguinte incitação: “E os jovens gays em Altoona, Pennsylvanias e em Richmond, Minnesotas que estão saindo saindo do armário e ouvindo Anita Bryant na televisão e sua história. A única coisa que eles têm pela frente é a esperança. E você tem que dar-lhes esperança. Esperança para um mundo melhor, esperança de um amanhã melhor, a esperança de um lugar melhor para ir se as pressões em casa são muito grandes. Espero que todos fiquem bem. Sem esperança, não só os gays, mas os negros, os idosos, os deficientes e os americanos vão desistir”. Milk de alguma forma conseguiu mostrar o homossexualismo era muito mais que uma simples questão moral ou religiosa. Seja para melhor (na visão de uns) ou para pior (no modo de ver de outros), ele conseguiu promover mudanças e a maior delas foi fazer com os gays deixassem de serem vistos como bandidos ou marginais.


Sean Penn está espetacular no papel de Milk, talvez seja este uma dos melhores atuações de toda sua carreira, do início ao final do filme ele mostra porque é um dos atores (e realizadores) mais respeitados do cinema contemporâneo, ele demonstra ter o absoluto controle de cada gesto e trejeito de seu personagem e sua aparência denota também o ótimo trabalho de maquiagem, que o tornou bem parecido com o Harvey Milk real (que aparece em fotos no final do filme). O elenco secundário formado por James Franco, Emile Hirsch, Diego Luna e Josh Brolin, também nos presenteia com ótimas atuações e ajudam a compor o explendor deste que é um dos melhores dramas biográficos produzidos por Hollywoody nos últimos tempos. Ah, e sobre a polêmica em torno do tema, preciso deixar claro que tenho mais admiração pela luta e perseverança dos militantes do que pelo ódio disseminado pelo seus opositores. Desconsidere a alcunha de “baseado em fatos reais”, desfaça-se de seus conceitos pré concebidos e assista, vale a pena!
 
Milk - A Voz da Igualdade ganhou os Oscars de Melhor Ator (Sean Penn) e Melhor Roteiro Original, tendo sido indicado também nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Ator Coadjuvante (Josh Brolin), Trilha Sonora Original, Figurino e Edição de Imagem.
 
O documentário The Times of Harvey Milk (1984), que foi uma das fontes de informação para o roteiro de Dustin Lance Black, ganhou em 1985 o Oscar de Melhor Documentário.
 
Assista ao trailer de Milk - A Voz da Igualdade no You Tube ! (clique no link)
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