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segunda-feira, 28 de março de 2011

Bravura Indômita

Bravura Indômita (True Grit) - 2010. Escrito e dirigido por Joel & Ethan Coen, baseado na obra homônima de Charles Portis. Fotografia de Roger Deakins. Música de Cartel Burwell. Produzido por Joel Coen, Ethan Coen & Scott Rudin.  Paramount Pictures / EUA.


Poucos cineastas parecem conseguir alcançar uma notável maturidade quando se trata e filmes autorais. Não que suas obras sejam em si imaturas, o que quero dizer é que quando se trabalha um tipo de linguagem diferenciada, o experimentalismo pode gerar erros e acertos e a maioria continua apenas criando sua própria antítese, sem chegar a uma síntese consistente, feito que pouquíssimos conseguem realizar. Joel e Ethan Coen o conseguiram e não é atoa que nos últimos 4 anos tiveram 3 filmes concorrendo ao prêmio máximo da Academia. Os meus favoritos da dupla continuam sendo Fargo (1996) e Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), mas são seus últimos trabalhos a prova definitiva de que detêm hoje o total domínio da máquina cinematográfica. Eles desenvolveram uma linguagem própria, que apesar de geralmente não agradar ao grande público, os permitiram inovar e continuar experimentando sem perder a identidade e o padrão de qualidade daquelas que são consideradas suas obras primas.
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Bravura Indômita (2010) é o exemplo perfeito da genialidade da dupla. É espetacular a forma com que o ritmo deste filme sofre oscilações durante todo o tempo, passando por momentos de lentidão contemplativa e de reflexão, até chegar à mais angustiante tensão que se encerra em um desfecho de predominância dramática. Não é simples evocar dentro de um curto espaço de tempo reações tão adversas, quem trabalha com comunicação sabe bem do que estou falando. A reação dos espectadores diante do filme está diretamente relacionada à sua capacidade de apreender e reagir a cada um dos estímulos que a mensagem fílmica provoca. Diante de tantos códigos e da densidade de significação de algumas mensagens, alguns se perdem pela falta de compreensão. Quem está acostumado com filmes que segue o mesmo ritmo do início ao fim pode até estranhar e tirar conclusões equivocadas como, por exemplo, a de que o filme é bom só da metade para o final.


Geralmente a densidade característica dos filmes dos irmãos Coen não está no roteiro e sim no significado implícito de uma cena ou de uma determinada reação de algum dos personagens num dado momento da história. É preciso ler nas entrelinhas. No caso específico de Bravura Indômita, a história é bem simples. Se trata da segunda adaptação da obra homônima de Charles Portis (a primeira versão é de 1969 e rendeu a John Wayne o Oscar de Melhor Ator). Na trama, Hailee Steinfeld (Mattie Ross), de apenas 14 anos, teve o pai morto por Tom Chaney (Josh Brolin), um de seus funcionários, que se aproveitou da confiança que em si era depositada. O bandido impiedoso não passa de um bêbado, após assassinar o patrão ele fugiu levando duas jóias de ouro e uma mula. Hailee assume os negócios do pai, e movida pelo anseio de vingança, contrata o agente federal Reuben "Rooster" Cogburn (Jeff Bridges) para acompanha-la na caça ao bandido. Rooster também não passa de um velho bêbado, que aparenta não ter muito o que oferecer além de bravura.


Seguindo a trilha do assassino, Hailee e Rooster se encontram com o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon – gordo e bigodudo), que também está a procura de Chaney - na verdade, enteressado numa recompensa que é oferecida pela captura do bandido em seu estado de origem. A medida que o relacionamento entre a menina e os dois homens se desenvolve, percebemos que a bravura da qual tanto se gabam, não é tão sólida, e que ela se constrói principalmente sobre a reputação e os títulos que detêm. É o velho mito do herói do oeste sendo desconstruído (para depois ser remontado outra vez). A determinação da garota em cumprir aquilo a que se propôs é o mais próximo que consegue-se chegar no filme de um exemplo de honra e coragem, o que neste caso pode facilmente ser apontado como resultado da raiva cega, quem sente pelo algoz do pai, e de sua imaturidade.


A relação entre Hailee e Rooster acaba sendo o foco principal do filme (não sei se acontece da mesma forma na versão de 1969, que ainda não assisti) e nela podemos perceber como o roteiro trabalha de forma singular cada uma das diferenças entre os dois personagens, podemos também ver o embate que se forma entre os universos a que cada um deles pertence. Ela uma garota, adolescente, que ainda acredita na honra e na luta por aquilo que valoriza e ele um velho beberrão e desiludido. A disparidade entre os valores éticos de cada um deles também é perceptível em diversas cenas. Em uma passagem ela não se conforma em não poder enterrar um homem, que pediu para não se tornar comida de lobos depois de morto, em outra ela sente pena do cavalo que atinge seu limite depois de percorrer uma longa distância. Já ele, em sua ética pessoal, se justifica por ter assaltado um banco no passado e chega a confessar, noutra passagem, que já matou até crianças indefesas.


Bravura Indômita, que pode ser classificado como um western desconstrutivista, transita também pelo drama e pela comédia de humor negro (especialidade de Ethan e Joel). Os toques de absurdo, que os irmãos parecem adorar, também estão presentes porém em menor quantidade e com maior sutileza. O ar cômico se expressa nas fraquezas e debilidades dos personagens principais e em algumas poucas sequências, como aquela em que um velho curandeiro, vestindo uma pele de urso, surge montado em um cavalo e oferece para Hailee e Rooster alguns de seus produtos e serviços. Apesar de manter a estranheza das produções anteriores, os irmãos Coen desta vez produziram aquela que talvez seja a obra mais racional e aparentemente “normal” de toda suas carreiras. Sem precisar com isso se descaracterizarem e apelar para recursos saturados, como já disse, eles parecem ter desenvolvido ao longo dos anos o completo domínio de linguagem e ferramentas da sétima arte. Pela segunda vez (a primeiro foi com Onde os Fracos Não Têm Vez, um western velado) eles eles nos provam que o velho oeste não é mais como era antigamente e que os territórios áridos ainda podem ser o palco para novas visões sobre antigas abordagens.



Mesmo para quem não tem muita afinidade com o estilo, ou que já sentiu a estranha sensação de não ter compreendido “algo” em algum dos filmes anteriores da dupla, este longa é indicado. Vale a pena pelas brilhantes interpretações de Mattie Ross (verdadeiro prodígio), Jeff Bridges, Matt Damon e Josh Brolin (este dá um show nas poucas cenas em que aparece) e pela qualidade técnica, expressa em uma ótima fotografia e numa marcante sonoplastia. Recomendo e mal posso esperar para assistir a primeira adaptação da obra, que pode ter se tornado clássica por motivos bem distintos dos que citei aqui.

Bravura Indomita foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Ator (Jeff Bridges), Atriz Coadjuvante (Hailee Steinfeld), Direção de Arte, Fotografia, Figurino, Mixagem de Som e Edição de Som.

De Joel e Ethan Coen, indico tembém: Fargo, Onde os Fracos Não Têm Vez, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, Queime Depois de Ler e Barton Fink - Delírios de Hollywood.

Assista ao trailer de Bravura Indômita no You Tube ! (clique no link)

Confiram aqui no Blog SUBLIME IRREALIDADE a resenha de outros longas que concorreram ao Oscar de Melhor Filme em 2011:

O Discurso do Rei (The King`s Speech) - Vencedor
A Rede Social (The Social Network) - Indicado
Minhas Mães e Meu Pai (The Kids are All Right) - Indicado
O Inverno da Alma (Winter`s Bone) - Indicado
Cisne Negro (Black Swan) - Indicado
O Vencedor (The Fighter) - Indicado
A Origem (Inception) - Indicado
127 Horas (127 Hour`s) - Indicado
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