O Último Imperador (The Last Emperor) - 1987. Dirigido por Bernardo Bertolucci. Escrito por Mark Peploe / Bernardo Bertolucci, baseado no livro autobiográfico de Aisin-Gioro Pu Yi. Direção de Fotografia de Vittorio Storaro. Música de David Byrne, Ryûichi Sakamoto e Cong Su. Produzido por Jeremy Thomas. Columbia Pictures / UK|Itália|França|China.
O Último Imperador (1987) pode ser considerado, na minha opinião, a obra mais “acessível” de Bernardo Bertolucci e isso explica em parte o sucesso de público e crítica deste grandioso épico. Na trama o cineasta pincela alguns dos temas que também estavam presentes no roteiro de alguns de seus clássicos, como O Conformista e O Último Tango em Paris. A politização e o erotismo (desta vez mais velado) estão presentes na obra, que assim como nos dois outros filmes citados, parte da visão de indivíduos e dos microcosmos habitados por eles para retratar a realidade social na qual estão inseridos. Se a beleza estética já era estonteante em seus primeiros filmes, neste, que contou com grande apoio de uma grande produtora, não podia ser diferente. Bertolucci corria o risco de fazer um filme nos moldes do cinema mainstream e assim acabar perdendo qualidade no roteiro, mas felizmente isso não aconteceu, sob a batuta deste verdeiro gênio, tal tipo de risco se tornou quase nulo.
O Último Imperador conta a história de Aisin-Gioro Pu Yi, o último representante da dinastia Qing, coroado aos 3 anos de idade, em 1908 na China. Pu Yi conservou o título de imperador mesmo depois da proclamação da república no país, ele continuou reinando, mas só do lado de dentro da Cidade Proibida, uma grande fortaleza situada no centro de Pequim, que o servia de palácio. A Cidade Proibida funcionava como uma espécie de prisão de luxo, onde o menino imperador era cuidado e mimado, porém sem o mínimo de liberdade. Em 1917 houve uma tentativa de reedificar a monarquia e então Pu Yi foi novamente colocado no trono, até que em 1924 as tropas do partido Kuomintang ocuparam Pequim e tomaram o controle da Cidade Proibida, expulsando o imperador seus servos.
Desde que foi expulso de seu palácio, Pu Yi contou com o apoio da embaixada japonesa e do imperador daquele país. Em 1931, o Japão invadiu a região da Manchúria, ao norte da China e Pu Yi foi novamente nomeado imperador em 1934. Durante 11 anos ele reinou mas não governou, ficando conhecido como o imperador-fantoche dos japoneses. Com o fim da segunda guerra mundial, a manchúria foi reanexada ao território chinês e Pu Yi foi capturado e deportado pelos soviéticos que invadiram o país. Em 1949 ele foi entregue aos comunistas, que haviam tomado o poder na China naquele ano, foi então acusado de crime de guerra e internado em um campo de reeducação política e ideológica, onde permaneceu 10 anos, até que o regime o considerasse “convertido” e apto a voltar a viver em liberdade. Pu Yi foi libertado em 1959 e se tornou jardineiro, passando a levar uma vida comum em Pequim. Já no fim de sua vida, ele foi encorajado a escrever uma autobiografia, que inspiraria o filme de Bertolucci.
O cineasta italiano foi o primeiro a conseguir autorização da República Popular da China para filmar no interior da Cidade Proibida, o que comprova o prestígio que ele tinha entre os comunistas. O Último Imperador se tornaria um ícone do contexto histórico no qual foi produzido, o do fim da guerra fria e da revisão da bipolaridade do mundo político. A simpatia de Bertolucci pelo comunismo é claramente perceptível em suas obras, seus melhores filmes podem ser vistos como odes á ideologia libertária e ao engajamento político do homem comum. No entanto neste filme fica claro que sua posição não vem de uma postura cega, o cineasta direciona o foco da trama para a falta de autonomia e manipulação do imperador, que ora é mostrado como vítima, ora como produto dos sistemas políticos que se sucedem no poder na China. Eu entendo tal angulação como uma forma de defesa da liberdade antes de qualquer outra coisa, liberdade esta que deveria se sobrepor a qualquer instituição política ou ideológica. Pu Yi consegue sobreviver a cada alternância de poder, mas sem experimentar uma real liberdade.
O Último Imperador não é na minha opinião o melhor, nem o mais clássico dentre os trabalhos de Bertolucci, mas sem sombra de dúvidas é um ótimo filme que merece ser assistido. Cada um dos atores, mesmo as crianças, estão realmente convincentes em seus respectivos personagens, o que confere uma maior credibilidade à trama, que é tida como altamente fiel á história real que a inspirou. A parte técnica do filme realmente merece aplausos de pé, o belíssimo conjunto formado pela direção de arte, fotografia, edição e figurino conferem ao filme o status de obra de arte, o que não é nenhuma novidade em se tratatando de um filme de Bertolucci. Apesar de parecer um pouco demorado demais, o longa vale por cada um de seus 160 minutos (existe um versão estendida com 218 minutos), ele vai muito além do mero entretenimento. É um filme para ser refletido e apreciado em cada um de seus detalhes. Altamente indicado!
O Último Imperador ganhou cada um dos Oscars para os quais foi indicado, nove no total. O longa recebeu a estatueta de: Melhor Filme, Diretor, Fotografia, Direção de Arte, Figurino, Edição, Trilha Sonora, Edição de Som e Roteiro Adaptado.
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Confiram também, aqui no SUBLIME IRREALIDADE, as resenhas de
dois clássicos absolutos de Bernardo Bertolucci!
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Infelizmente eu nunca cheguei a ver o filme inteiro, apenas trechos, e quando era pequena demais para compreender. Também não conhecia a trajetória completa do imperador, sabia somente que ele havia sido removido do trono. Mas não tinha ideia de todos os estágios de manipulação a que foi submetido. Você tem razão: o filme é sobre liberdade, que se sobrepõe a qualquer partido ou regime. Simplesmente um caso concreto ilustrando um conceito abstrato, porém essencial: é fácil que os outros nos enfantochem, e assim ocorre até que descubramos de que flores devemos cuidar, quando então nos tornamos jardineiros fiéis a nós mesmos. Beijos e bons filmes!
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