O Último Tango em Paris (Last Tango in Paris) 1972, dirigido por Bernardo Bertolucci, escrito por Bernardo Bertolucci, Agnès Varda & Franco Arcali, produzido por Alberto Grimaldi. Artistes Associés e PEA / Itália | França.
“Você está sozinha, totalmente sozinha e não poderá livrar-se desse sentimento de estar só até encarar a morte em sua frente...”
Curioso como a fala dita pelo personagem de Marlon Brando, em O Último Tango em Paris (1972), caiu como uma maldição sobre a vida de Maria Schneider, atriz, cujo à personagem a profecia era dirigida. Ela nunca mais conseguiu o sucesso alcançado neste filme de Bertolucci e ainda ficaria marcada para sempre pelo estigma da personagem a quem dera vida na trama. Maria ainda tentou, sem sucesso, “reconstruir” a carreira com a participação no filme O Passageiro – profissão: repórter (1975), de Michelangelo Antonioni, mas o respeito como atriz séria não veio. Nos próximos anos Schneider sofreria os efeitos de sua decadência, ela se viciou em drogas, foi internada em uma instituição para tratamento de doentes mentais e chegou a tentar suicídio. Esta mulher, que se tornou símbolo de uma época e de uma nova abordagem no cinema, morreu na última quinta-feira (03), aos 58 anos.
O Último Tango em Paris foi um divisor de águas, até então nenhum outro cineasta tinha ousado ir tão longe, e de forma tão emblemática, em cenas eróticas fora de um filme pornô. As cenas de sexo mostrada no filme exerceriam um influência que pode ser percebida até hoje nos filmes do “cinema de arte”, e motivariam a censura da obra em diversos países, inclusive no Brasil, que vivia os anos de chumbo da ditadura militar. Injustamente O Último Tango em Paris seria lembrado até nos dias atuais, principalmente pela cena clássica “da manteiga”, em que Marlon Brando, na pele de Paul um angustiado americano de meia-idade, sodomiza a jovem francesa Jeanne, personagem de Schneider. A bilheteria que o filme arrecadou em todo o mundo se deve em grande parte à polêmica relacionada ao erotismo da trama. A ousadia dos atores e do cineasta causou furor na ocasião.
Quem vier a assistir ao filme nos dias hoje pode não compreender o efeito que as cenas “proibidas” tiveram nas platéias no início dos anos 70. Mas, ao contrário do que muitos críticos do filme querem fazer acreditar, as cenas eróticas são muito mais que mera pornografia. O hedonismo vivido pelos personagens é um reflexo da sociedade na qual estavam inseridos. Para entender isso precisamos nos situar. Aquele era um período de liberação sexual, de rebeliões juvenis, de contestação e do avanço da contra-cultura. As instituições como a religião e a família, tidas como base da sociedade burguesa, estavam em crise e pareciam estar condenadas à morte. Neste contexto O Último Tango em Paris insurge como uma expressão dos ideias de amor livre e ao mesmo tempo da desilusão e negação, sentimentos que a geração de 68 começava a experimentar.
Na trama existe a concordância entre os personagens de se manterem totalmente anônimos enquanto se entregam a uma paixão avassaladora, tal convenção exemplifica e deixa clara a opção existencialista que fazem pela negação. Ao se entregarem incondicionalmente um ao outro, da forma com que fazem, eles estão negando a religião, a sociedade, a vida convencional e principalmente a si próprios. Em um dos diálogos do filme há a explicação da diferença entre o casamento “pop” e o casamento religioso, este seria, de acordo com a personagem, caracterizado pela condição das “esposas deprimidas e reclamando” e o outro apenas pela casualidade. Questionado sobre a presença ou não do amor, a personagem resume: “amor não é pop”... É simbólica a cena em que o casal decide substituir seus nomes por grunhidos, cena esta que é cortada para o início da sequência seguinte, que mostra um diretor de cinema colhendo sons de animais em um zoológico para a montagem de um filme.
Sob a ótica política, o roteiro do filme pode ser analisado como um resultado da alienação burguesa e principalmente do conflito causado pela busca da liberdade individual elevada ao extremo, o que na trama conduz os personagens para um mundo à parte, alheio aos acontecimentos de suas respectivas realidades - este tema seria retomado por Bertolucci em Os Sonhadores (2003). A amargura vivida pelo personagem de Marlon Brando, causada pela perda da esposa que se suicidou, é similar a amargura vivida pela sociedade naquele período, esta provocada pela desilusão com o “sonho” que começava a se desmaterializar. A agonia ideológica é ilustrada também na figura de outro dos personagens; o namorado de Jeanne. Ele é mostrado como um cineasta jovem e cheio de ideais, que se guia pela utopia socialista. Ele é a “oposição” aos outros dois personagens, diferente deles, ele mergulha é na realidade para produzir seu filme. O andamento das filmagens no entanto é prejudicado à medida em que Jeanne, a atriz principal, não se engaja no processo. Ao meu ver, pode-se fazer uma referência alusiva entre Bertolucci e o jovem cineasta do filme, este pode ser na trama uma espécie de alter-ego do diretor italiano (aquele que colhe o grunhido selvagem dos animais).
O Último Tango em Paris realmente merece estar entre os maiores clássicos do cinema. O cineasta Ingmar Bergman certa vez classificou, seu filme Persona (1966) como um poema visual (o que concordo sem ressalvas), este mesmo título deveria ser dado ao filme de Bertolucci, a fotografia inspirada na obra do artista plástico inglês Francis Bacon é esplendorosa, e a trilha sonora angustiante, que cria um clima opressivo (!) dentro do apartamento onde o casal se encontra, composta pelas valsas de saxofone de Gato Barbieri, é simplesmente impecável. Mas tanto a fotografia quanto a trilha sonora se tornam apenas uma parte do todo que se forma em torno das atuações brilhantes de Marlon Brando e Maria Schneider.
A morte prematura de Schneider foi o que despertou em mim a vontade de assistir ao Último Tango em Paris. Fato curioso, pois é bem provável que tenha sido ela a pessoa que mais odiou este filme, como eu já disse, depois dele ela nunca mais foi a mesma. Talvez ela nunca tenha tido a noção da dimensão do que estava fazendo, quando, com 19 anos de idade, se deitou ao lado de Marlon Brando, este com 48 anos, naquele chão de apartamento, para encenar algumas das sequências que entrariam para o imaginário coletivo e lá permaneceriam durante décadas. Schneider nunca perdoou Bertolucci, a quem ela acusa de tê-la manipulado, e teve que conviver até a morte com o estigma de se sentir mais um símbolo sexual, que uma atriz merecedora de respeito. Mas no fundo ela foi muito mais que isso tudo, seu personagem ajudou impulsionar transformações sociais e históricas, que para bem, ou para mal, estão ai até hoje.
Tal como Greta Garbo, que teve a reclusão, que viveu em seus últimos anos, prenunciada pela sua declaração "I want to be alone" no filme Grande Hotel (1932), Maria Schneider se tornaria vitima da maldição de uma de suas personagens, ela morreu longe do glamour, da fama e do estrelato e como profetizou Paul, o personagem de Marlon Brando, ela por estar angustiada e depressiva provavelmente conviveu com o sentimento de solidão até encarar a morte provocada por um câncer, contra o qual já lutava há algum tempo.
Quem vier a assistir ao filme nos dias hoje pode não compreender o efeito que as cenas “proibidas” tiveram nas platéias no início dos anos 70. Mas, ao contrário do que muitos críticos do filme querem fazer acreditar, as cenas eróticas são muito mais que mera pornografia. O hedonismo vivido pelos personagens é um reflexo da sociedade na qual estavam inseridos. Para entender isso precisamos nos situar. Aquele era um período de liberação sexual, de rebeliões juvenis, de contestação e do avanço da contra-cultura. As instituições como a religião e a família, tidas como base da sociedade burguesa, estavam em crise e pareciam estar condenadas à morte. Neste contexto O Último Tango em Paris insurge como uma expressão dos ideias de amor livre e ao mesmo tempo da desilusão e negação, sentimentos que a geração de 68 começava a experimentar.
Na trama existe a concordância entre os personagens de se manterem totalmente anônimos enquanto se entregam a uma paixão avassaladora, tal convenção exemplifica e deixa clara a opção existencialista que fazem pela negação. Ao se entregarem incondicionalmente um ao outro, da forma com que fazem, eles estão negando a religião, a sociedade, a vida convencional e principalmente a si próprios. Em um dos diálogos do filme há a explicação da diferença entre o casamento “pop” e o casamento religioso, este seria, de acordo com a personagem, caracterizado pela condição das “esposas deprimidas e reclamando” e o outro apenas pela casualidade. Questionado sobre a presença ou não do amor, a personagem resume: “amor não é pop”... É simbólica a cena em que o casal decide substituir seus nomes por grunhidos, cena esta que é cortada para o início da sequência seguinte, que mostra um diretor de cinema colhendo sons de animais em um zoológico para a montagem de um filme.
Sob a ótica política, o roteiro do filme pode ser analisado como um resultado da alienação burguesa e principalmente do conflito causado pela busca da liberdade individual elevada ao extremo, o que na trama conduz os personagens para um mundo à parte, alheio aos acontecimentos de suas respectivas realidades - este tema seria retomado por Bertolucci em Os Sonhadores (2003). A amargura vivida pelo personagem de Marlon Brando, causada pela perda da esposa que se suicidou, é similar a amargura vivida pela sociedade naquele período, esta provocada pela desilusão com o “sonho” que começava a se desmaterializar. A agonia ideológica é ilustrada também na figura de outro dos personagens; o namorado de Jeanne. Ele é mostrado como um cineasta jovem e cheio de ideais, que se guia pela utopia socialista. Ele é a “oposição” aos outros dois personagens, diferente deles, ele mergulha é na realidade para produzir seu filme. O andamento das filmagens no entanto é prejudicado à medida em que Jeanne, a atriz principal, não se engaja no processo. Ao meu ver, pode-se fazer uma referência alusiva entre Bertolucci e o jovem cineasta do filme, este pode ser na trama uma espécie de alter-ego do diretor italiano (aquele que colhe o grunhido selvagem dos animais).
O Último Tango em Paris realmente merece estar entre os maiores clássicos do cinema. O cineasta Ingmar Bergman certa vez classificou, seu filme Persona (1966) como um poema visual (o que concordo sem ressalvas), este mesmo título deveria ser dado ao filme de Bertolucci, a fotografia inspirada na obra do artista plástico inglês Francis Bacon é esplendorosa, e a trilha sonora angustiante, que cria um clima opressivo (!) dentro do apartamento onde o casal se encontra, composta pelas valsas de saxofone de Gato Barbieri, é simplesmente impecável. Mas tanto a fotografia quanto a trilha sonora se tornam apenas uma parte do todo que se forma em torno das atuações brilhantes de Marlon Brando e Maria Schneider.
A morte prematura de Schneider foi o que despertou em mim a vontade de assistir ao Último Tango em Paris. Fato curioso, pois é bem provável que tenha sido ela a pessoa que mais odiou este filme, como eu já disse, depois dele ela nunca mais foi a mesma. Talvez ela nunca tenha tido a noção da dimensão do que estava fazendo, quando, com 19 anos de idade, se deitou ao lado de Marlon Brando, este com 48 anos, naquele chão de apartamento, para encenar algumas das sequências que entrariam para o imaginário coletivo e lá permaneceriam durante décadas. Schneider nunca perdoou Bertolucci, a quem ela acusa de tê-la manipulado, e teve que conviver até a morte com o estigma de se sentir mais um símbolo sexual, que uma atriz merecedora de respeito. Mas no fundo ela foi muito mais que isso tudo, seu personagem ajudou impulsionar transformações sociais e históricas, que para bem, ou para mal, estão ai até hoje.
Tal como Greta Garbo, que teve a reclusão, que viveu em seus últimos anos, prenunciada pela sua declaração "I want to be alone" no filme Grande Hotel (1932), Maria Schneider se tornaria vitima da maldição de uma de suas personagens, ela morreu longe do glamour, da fama e do estrelato e como profetizou Paul, o personagem de Marlon Brando, ela por estar angustiada e depressiva provavelmente conviveu com o sentimento de solidão até encarar a morte provocada por um câncer, contra o qual já lutava há algum tempo.
Confiram também, aqui no SUBLIME IRREALIDADE, as resenhas de
ambos dirigidos por Bernardo Bertolucci!
Existem mais "coisas" entre o céu e a terra que nossa vâ filosofia possa imaginar
ResponderExcluirExcelente!!
ResponderExcluir