Uma reconstrução perfeita de um período de antíteses, transformações e de costumes que hoje nos parecem absurdos!
A década de 60 foi um período de intensas transformações políticas e culturais, durante aqueles anos foram lançados alguns dos fundamentos daquela que viria a ser chamada de sociedade pós-moderna. Em todo o mundo, aquele foi um tempo de antíteses e contradições. Se por um lado havia um temor constante e generalizado, justificado pela ameaça de uma guerra nuclear entre os blocos capitalista e comunista, por outro o consumo ganhava proporções até então inimagináveis. Os Estados Unidos tinham saído muito bem da segunda guerra, a economia do país crescia e a qualidade de vida tinha melhorado consideravelmente desde a década anterior. O otimismo econômico, associado às incerteza em relação ao futuro e aos temores de cunho político, tornava a população cada vez mais imediatista e materialista e, sendo assim, mais suscetível à publicidade. Todo este contexto dava um novo vigor ao American Way of Life, ideal de felicidade que seria reconstruído pelos publicitários a partir de então. Neste período surgiriam algumas das agências de publicidade que iriam reinventar a forma de fazer a propaganda e a comunicação de massa.
É neste contexto histórico que a série Mad Men, exibida nos Estados Unidos pela AMC e no Brasil pela HBO, se passa. A produção, idealizada por Matthew Weiner (o mesmo criado de Família Soprano), faz uma reconstrução meticulosa e detalhista dos anos 60 e de seus costumes e personagens. O desenrolar da trama começa no início da década e o tempo avança lentamente no decorrer das temporadas. No microcosmo focado pela série, o de uma agência de publicidade, vemos os reflexos de diversos temas e acontecimentos que marcaram aquele período, dentre eles os movimentos pelos direitos civis, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a beatlemania e a revolução comportamental...
Já em seu primeiro episódio a série nos provoca um verdadeiro choque, que se dá pelo estranhamento diante daquilo que nos é mostrado. O roteiro parece fazer questão de ressaltar o quanto o mundo mudou em relativamente tão pouco tempo. Nos chega a parecer surreal as garrafas de uísque nos escritórios e nas salas de reunião e a naturalidade com que elas são esvaziadas durante o horário de trabalho. É estranho também ver cenas como a que mostra uma mulher grávida que fuma tranquilamente, sem parecer se preocupar com isso. O cigarro (que é quase um personagem na série) talvez seja o elemento que melhor ilustre as mudanças experimentadas pela sociedade desde a época retratada até hoje. Na série, ele está aceso em escritórios, consultórios médicos, restaurantes, na igreja e até mesmo em ônibus, aviões e elevadores; aquele era um tempo no qual o hábito de fumar ainda estava associado à virilidade e à sensualidade, na ocasião ainda se falava pouco dos males provocados pelo tabagismo. Curiosamente, a publicidade que vendia os "benefícios' do cigarro é a mesma que tempos depois viria a transforma-lo em um dos maiores vilões da sociedade... Tais processos de transformação de ideias e de verdades são mostrados de forma espetacular na série.
Outros pequenos detalhes, que ressaltam a transformação do mundo nas últimas décadas, podem ser percebidos em todos os episódios. Em uma cena de um dos capítulos da segunda temporada, a família do personagem central faz um piquenique em um parque, na hora de ir embora o personagem apenas sacode a toalha deixando seu lixo espalhado sobre a grama... Situações como esta seriam um incentivo ao politicamente incorreto? Não, de forma nenhuma, é apenas uma reconstrução realista de uma época em que que quase não se falava em consciência ambiental. Outro aspecto que chama a atenção é a situação das mulheres que começavam a chegar ao mercado de trabalho, elas são sujeitas à humilhações e situações constrangedoras. No primeiro episódio, uma das funcionárias da agência, ao ensinar uma secretária novata a usar a máquina de escrever, diz: “Parece complicado, mas os homens que projetaram essa máquina a fizeram fácil o suficiente para as mulheres entenderem”. Sem comentários... A série também mostra de forma magnífica como as transformações de tal realidade vão acontecendo, algumas de forma lenta, outras em um picar de olhos...
A expressão que dá nome à série é usada até hoje para definir os profissionais de publicidade que se concentram em Manhattan, na Madison Avenue, é obviamente um trocadilho, uma vez que expressão significa “homens loucos”. O personagem central de Mad Men é o publicitário Don Draper (Jon Hamm), diretor de criação na agência fictícia Sterling Cooper, em torno dele e de seus relacionamentos profissionais e familiares são desenvolvidos os conflitos da série. Draper é casado com a belíssima Betty (January Jones), ela que fora uma modelo bem sucedida se tornou depois de casada a clássica dona de casa, cuja vida se resume a cuidar dos filhos (ela tem dois) e do marido. Ela é frustrada e melancólica e seu quadro é agravado pela morte recente de sua mãe e pelo distanciamento afetivo do esposo. Peggy Olsen (Elisabeth Moss) é a nova secretária de Don, o primeiro episódio da série a mostra em seu primeiro dia de trabalho na Sterling Cooper, ela é uma das personagens através das quais a série aborda a questão da inserção da mulher no mercado de trabalho. Ela, desde sua chegada à empresa, se torna vítima do assédio sexual e do descrédito de seus colegas.
Pete Campbell (Vincent Kartheiser) é gerente júnior na agência, ele é o personagem que mais se aproxima de um antagonista, ele é ambicioso e está disposto a qualquer coisa para ter uma ascensão rápida na empresa, sua atual posição foi conquistada graças à influência de seu sogro, que é um rico empresário de Manhattan. O comportamento de Pete não é bem visto por Don Draper, nem por Roger Sterling (John Slattery), um dos sócios da agência. Roger é um dos melhores amigos de Don, ele leva uma vida de excessos e hedonismo, regada a muita bebida e aventuras em casos extraconjugais, mas apesar de disso ele é respeitado por todos seus subordinados e admirado pela esposa, que aparentemente não desconfia de nada. Bertram Cooper (Robert Morse), outro dos sócios da empresa, é por vezes arrogante e autoritário, mas também é respeitado por ser o publicitário mais experiente da agência, ele adora dar lição de moral nos mais novos. Sua paranoia com a limpeza de sua sala (ele obriga a todos a tirarem os sapatos antes de entrar) chega a ser quase cômica em alguns momentos.
Joan Holloway (Christina Hendricks) é gerente de escritório na Sterling Copper, posição alcançada aparentemente graça aos “favores” que ela concede a Roger. Ela defende a total submissão das mulheres aos homens na empresa (ela parece aceitar a ideia absurda de que é inferior a eles tão somente por ser mulher) e abusa da posição de autoridade que tem em relação à Peggy e às demais garotas. Dentre os outros personagens do escritório estão o ítalo-americano Salvatore Romano (Bryan Batt), diretor de arte, Paul Kinsey (Michael Gladis), redator, Ken Cosgrove (Aaron Staton), executivo de contas e Harry Crane (Rich Sommer), comprador de mídia. Midge Daniels (Rosemarie DeWitt) e Rachel Menken (Maggie Siff) completam o grupo de personagens recorrentes na primeira temporada da série. Midge é amante de Don Draper, ela é uma artista plástica de personalidade controversa que se envolve com drogas e com a agitação que seria o embrião do movimento hippie. Rachel é uma empresária judia, cliente da Sterling Cooper, que também se envolve com Draper, seu personagem ilustra a desconfiança dos homens em relação a negócios administrados por mulheres e ainda o preconceito contra as minorias (neste caso os judeus).
O desenvolvimento de parte da primeira temporada de Mad Men é bem lento, o que pode fazer alguns espectadores desanimarem antes de chegar à melhor parte (confesso que quase aconteceu comigo), contudo quando menos se espera a série ganha outro ritmo, que então nos prende à sua trama de uma forma surpreendente. Ao chegar à segunda temporada é que se percebe que a lentidão da primeira foi necessária e digo mais, foi imprescindível. A falta de surpresas e de clímax nos primeiros capítulos (exceto no ótimo episódio piloto, que tem um desenvolvimento bem ágil) faz com que sejamos absolvidos pela “banalidade” daquela realidade a tal ponto que passamos a vê-la como algo normal e quase imutável (é o mesmo fenômeno que acontece conosco em relação à nossa rotina), até que de repente o mundo, o microcosmo da agência e consequentemente a trama viram de cabeça para baixo e as transformações começam a vir á tona, é só então que percebemos que algumas delas já estavam em andamento desde os primeiros capítulos. Por estarmos familiarizados ao contexto ao qual nos acostumamos, as mudanças se tornam mais ainda impactantes, desta forma conseguimos ter ao menos uma noção da dimensão real que cada uma delas teve historicamente.
A série tem alguns momentos que quase nos levam ao êxtase, tamanha beleza estética e qualidade técnica, cito como exemplo uma das sequências do décimo primeiro episódio da primeira temporada, que mostra um devaneio de Betty Draper ao som de “Água de Beber”, canção de Tom Jobim interpretada por Astrud Gilberto, passagem simplesmente perfeita! Outro aspecto interessante em Mad Men é a interação na trama entre fatos reais e ficção, é legal ver a forma com que acontecimentos históricos, como a disputa presidencial entre Kennedy e Nixon, a morte de Marylin Monroe e a “crise dos mísseis”, impactam na vida dos personagens e nos negócios da empresa. Legal também é ver as peças publicitárias criadas pela Sterling Cooper para empresas reais como American Air Lines, Gillette, Kodak e Lucky Strike (tal aspecto é um deleita para os profissionais de comunicação social). Como eu já disse, a reconstrução dos anos 60 na série é simplesmente perfeita, preste atenção nas locações, nos figurinos e principalmente na direção de arte. As atuações também são sublimes, nenhum dos atores deixam a desejar, Jon Hamm está simplesmente fantástico na pele do protagonista. Mad Men é uma das melhores séries da atualidade, que fez por merecer cada um dos diversos prêmios que já ganhou! Recomendo-a para todos sem restrições (principalmente para os profissionais de comunicação e publicidade)!
Mad Men já ganhou o Globo de Ouro nas categorias de Melhor Série Dramática (em 2008, 2009 e 2010) e Melhor Ator em Série Dramática (2008). A série também já foi vencedora do Emmy nas categorias de Melhor Série Dramática (2009, 2010 e 2011) e Melhor Elenco em Série Dramática (2010). Isso sem contar as diversas indicações recebidas em ambos as premiações.
Eu não conhecia esse seriado, até vc compartilha-lo no RostoLivro... lembro-me que o coloquei na lista de próximos à serem vistos. Mas, até agora não encontrei tempo. Sua resenha me deixou ainda mais curiosa.
ResponderExcluirbjinhos
A falta de tempo é sempre um problema né Joicy, minhas férias chegaram ao fim e eu nem passei perto da minha meta de filmes, séries e livros...Mas quando conseguir algum tempo, se lembre desta série, ela vai te conquistar aos poucos até se tornar quase um vício!
ExcluirBrunão esse seriado aí parece bom hein! Vou te falar uma coisa depois de Californication e Prison Break eu estou com dificuldade em achar um seriado bom pra ver!
ResponderExcluirVocê esmiuçou o seriado aqui hein!
Um abraço véio!
André, lhe recomendo este e "Damages", que também já resenhei aqui no blog, são a melhores que assisti nos últimos tempos. Ainda não tive oportunidade de ver "Californication" nem "Prision Break", recorrerei á mesma desculpa que a Joicy deu acima: falta de tempo!
ExcluirAbraços!
Bruno,
ResponderExcluirVocê tinha me falado e ainda não encontrei o dia na HBO.
Ah, mas quero ver, pois estou cansada nesses dois meses em que as séries só apresentaram capítulos antigos.
Vamos lá, gostei do cenário década de 60, cigarro, bebida na mesa, máquina de datilografia, mulher se inserindo no mercado profissional, sonho americano, e, claro, o divã. risos.
Fantástica crítica, aliás, como sempre.
Beijos.
Lhe enviei o link com o horário da série, mas o melhor mesmo seria você baixar os episódios para assim poder assistir no seu próprio ritmo... Os anos 60 também me empolgam e muito, principalmente pelo desbunde cultural e pelo engajamento político!
ExcluirNão sou muito fã de séries, mais vi sua dica no youtube e até gostei. Ah e seu comentário sobre o filme lá no blog ahasou, sabia que ia arrasar, até porque seu blog fala sobre filmes, né? rs
ResponderExcluirobg pela visita é sempre uma honra te receber por lá.beijos, o blog esta atualizado, confira em www.spiderwebs.tk
Sabrina, o legal de séries, é quando você encontra alguma que te empolga e que te deixa ansiosa após o final de cada episódio... "Mad Men" tem me deixando assim!
ExcluirParece bem interessante...
ResponderExcluirO Falcão Maltês
É muito interessante Antônio!
Excluirpoxa já conhecia a série , mas ainda não vi, boas dicas cara, Rango também é outro que fico na promessa mas ainda não vi. Bjo otimo fim de semana
ResponderExcluirAssista o episódio piloto e veja se você gosta Josi e o melhor é que à medida que a trama vai se desenrolando a série vai ficando cada vez melhor!
ExcluirÓtimo final de semana pra ti também! Bjs
Eu sempre escuto elogios para esta série.. mas, ainda não vi. Acho que irei conferir.
ResponderExcluirObrigada pela dica!
;D
Confira sim Karla, estou certo de que você vai gostar!
ExcluirAssisa alguns episódios e depois me fale o que achou!
Caraaa foda demais!! Li em voz alta para minha primeira dama todo essa resenha.
ResponderExcluirOs sopranos junto com Californication e Dexter são minhas séries preferidas.
Bah década de 60 foi o bum cultural e principalmente como tu bem cita, comportamental!
Foda mesmo. Vou começar a ver essa semana!
Abraçãoo e vou ver o filme que me recomendou no blog! Se é lado B, perfeito! melhor ainda haha
Jim, não se esqueça de voltar aqui para me dizer o que está achando! Depois me fale o que achou do filme também!
ExcluirAbração!!!
Opa!! Vou dar uma olhada, depois de assistir True Blood e me apixonar pela serie, é uma boa pedida eu entrar em outra!! Beijos
ResponderExcluirAssista sim Jane, recomendo pra você também a "Damages" que é excelente, confira depois a resenha desta aqui no Blog! Beijos!!
ExcluirOi Bruno,
ResponderExcluirMuito boa a sua resenha! Sempre fico feliz de encontrar outros fãs da minha série amada! Estou contando os dias para a 5a temporada iniciar!
Também tenho um blog, onde falo de TV e de publicidade, minhas áreas de atuação. Acho que irias gostar. Dá uma passada lá pra me visitar. Escrevo muuuuitos posts sobre Mad Men, inclusive o nome do blog é uma homenagem a um dos episódios.
Aqui vai um artigo q acho q vais curtir: http://sher-meditationsinanemergency.blogspot.com/2010/11/mad-men-mad-americans.html
Abraço!
Sheron
Seja bem vinda Sheron,
ExcluirEu me tornei um fã da série desde o episódio piloto e perto do final da primeira temporada minha admiração cresceu ainda mais, ela é sem dúvidas uma das melhores séries da atualidade, em todos os aspectos.
Passarei agora pelo teu Blog!
Abraços!
É uma pena que a série chegou ao fim. Eu acho que a série é boa, mais as ações que tivemos foram excelentes, especialmente Don Draper, que é bem que o homem age. Creio, portanto, que a série vai continuar no gosto do público por um tempo.
ResponderExcluirOs anos 60 que caracterizam Mad Men é um contexto que, pessoalmente, eu gosto. Sempre Mad Men é uma seri incrível ninguém deve perder, eu a amo, eu não me pirno qualquer época do ano.
ResponderExcluirPara mim está série não tem defeitos. Estou na primeira temporada e estou amando. 😍
ResponderExcluirEssa série é incrível, ela tem uma beleza descomunal e um charme muito característico da época! Ela é sincera abordando com NATURALIDADE e sem ser "enche saco" de vários temas sérios como saúde, sexismo e sentido da vida.A beleza contida nos cenários, nas fotografias e no figurino é de cair o queixo!Mad Men é sutilmente provocadora , pra mim uma obra de arte como poucas hoje em dia... Quem se entedia com ela não se dá o prazer de descobrir coisas novas e sensações diferentes, creio que simplesmente tem preguiça de apreciar e refinar os gostos! Ótimo texto. ��
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