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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Fuga : utopia juvenil ou neurose?

De Davi a David Thoreau, de Candeia a Crhis McCandless; a busca pela natureza selvagem

                                                  cena do filme na natureza selvagem (2007) 

Preciso me encontrar (Candeia)
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Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar...
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Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver...
.
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
  Depois que me encontrar...
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Preciso me encontrar, canção composta por Candeia e imortalizada na voz de Cartola, aborda um tema recorrente na literatura e na música, um impulso ao qual o indivíduo urbano tem se tornado cada vez mais suscetível, o da fuga para o desconhecido. O selvagem se torna sinônimo de liberdade e beleza. Se não conseguimos nos encontrar em meio ao concreto e a correria das cidades, a possibilidade do contato com a “natureza selvagem” passa a ser uma idealização sob a qual depositamos nossos anseios mais pungentes.
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Tal impulso não é algo novo, nem um resultado de nosso estágio social, já no século XVIII tal sentimento encontrava expressão no bucolismo arcadista. O arcadismo, também chamado de setecentismo ou neoclassicismo, foi uma escola literária surgida na Europa iluminista, que se caracterizava pela exaltação da natureza e da vida no campo e pela crítica da burguesia, da nobreza e do clero. O mito do homem natural era visto como oposição ao homem urbano corrompido pela sociedade. No Brasil o arcadismo teve dentre seus principais representantes Tomás Antonio da Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa.
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O sentimento de fuga também pode ser observado em obras de Mark Twain, Julio Verne, e em muitos outros autores. A idealização do selvagem em detrimento do urbano ganha expressão ainda mais forte nos escritos de Jack London, Henry David Thoreau e Léon Tostoy, que indicam tal postura como um método de afronta ao Estado, uma forma de “desobediência civil”, como bem conceituou Thoreau. Até na bíblia podemos identificar passagens que expressam tal anseio. No salmo 23, Davi afirma que Deus é quem o faz “repousar em pastos verdejantes” e o conduz a “águas tranquilas”.
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Não se deve negar […] que estar solto no mundo sempre foi estimulante para nós. Está associado em nossas mentes à fuga da história, opressão, lei e obrigações maçantes, com liberdade absoluta...
(Wallace Stegner em the american as living space)

A chegada da pós modernidade e da globalização, e o sentimento de estar vivendo em uma “aldeia global” , associados às neuroses, que se apresentam como o mal do novo século, ajudam a formar um contexto propício à disseminação da “fuga para as águas tranquilas” como um novo ideal. Seja em busca de tranquilidade ou de excitação e aventura, o que prevalesce é a ideia de fugir do familiar para se encontrar com o “eu primitivo” no contato com o desconhecido. Como mencionei no ínicio deste artigo, associamos à fuga os nossos anseios mais pungentes e passamos a acreditar que o contato com o selvagem pode nos libertar de cada um de nossos problemas e resolver cada uma de nossas questões.
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  "Caminho agora para dentro da natureza selvagem..."
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Chris McCandless, foi um jovem que acreditou piamente nisso. Chris era filho de uma família americana abastada, seu pai era um bem sucedido empresário, que, dentre outros feitos, tinha sido um dos homens à frente da tecnologia que colocaria os Estados Unidos na dianteira da corrida espacial. No entanto Chris não estava bem, ele não se conformava com a hipocrisia de sua família, nem com as maldades que as pessoas faziam umas às outras. Depois de concluir a faculdade Chris decide partir para uma aventura que o colocaria em contato com o selvagem e com seu lado primitivo. Ele acreditava que isso iria lhe trazer autoconhecimento e lhe libertar de tudo de ruim que a vida social tinha impresso em sua personalidade. 

 


o
(Chris McCandless em fotos que tirou com sua máquina portátil. A primeira ele, já visivelmente
debilitado, tirou dias antes de morrer. Na segunda ele faz pose em frente ao ônibus abandonado,
dentro do qual seu corpo foi encontrado.)

Depois de viajar por boa parte do território americano, Chris foi encontrado morto no Alasca, destino de sua aventura, no verão de 1992, dois anos depois de ter “fugido” de casa. Ele tinha 24 anos e segundo a autópsia ele teria morrido por inanição. Sua história foi contado pelo jornalista Jon Krakauer no livro Na Natureza Selvagem (Into The Wild), que foi adaptado para o cinema em 2007 por Sean Penn. (recomendo filme e livro). Em Na Natureza Selvagem Krakauer também resume a trajetória de outros aventureiros, cujo impulso de fuga lhes custaram a vida e cujas trajetórias podem ser comparadas à de McCandless.
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Ao contrário de muitas pessoas que acusaram Chris de ser audacioso e ingênuo, Krakauer compreende o tipo de sentimento que leva um jovem a deixar uma vida estável em busca de sua “verdade”, o próprio autor chegou a embarcar numa aventura parecida pelos picos do Alasca em sua juventude. Talvez, por mais que tentemos esconder, tal ansiedade pelo contato com o estranho esteja presente em cada um de nós e como classifica o autor, talvez seja realmente uma espécie de rito de passagem pelo qual realmente tenhamos a necessidade de passar, saindo do seio do que nos é familiar para nos encontrar (como cantou Cartola) e entrar em contato com nossa total potencialidade criativa.
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O fato de que passamos a conhecer apenas as histórias que terminaram em desastre nos faz crer no oposto e enquanto nos acomodamos à nossa vida normal a publicidade se apresenta como a nossa salvadora e boa parte de seus produtos visam apenas aplacar as mais intimas necessidades de nossa alma. Não é atoa que agências de viagem andam tão cheias, que existam tantos dependentes de drogas e que os ansiolíticos sejam a terceira droga lícita mais consumida no mundo de acordo com dados da ANS. A obsessão pela fuga continuará sendo, cada vez mais, uma tentadora sedução no mundo pós-moderno...
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Além do Horizonte (Erasmo Carlos e Roberto Carlos)
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Além do horizonte deve ter
Algum lugar bonito
Pra viver em paz
Onde eu possa encontrar a natureza
A alegria e felicidade com certeza
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Lá nesse lugar o amanhecer é lindo
Coom flores festejando mais um dia
Que vem vindo
Onde a gente pode se deitar no campo
Se amar na relva escutando o canto dos pássaros
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Aproveitar a tarde sem pensar na vida
Andar despreocupado sem saber a hora de voltar
Bronzear o corpo todo sem censura
Gozar a liberdade de uma vida sem frescura...
..
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9 comentários:

  1. Posso falar de fuga por experiência própria, já que hoje faço parte da estatística do fenômeno crescente do êxodo urbano.
    Tudo bem que minha busca não envolvia a liberdade selvagem, mas o princípio arcadista de uma vida mais tranquila e simples, num lugar calmo.
    Não me arrependo, e recomendo!
    Qualidade de vida é essencial.
    Abraço

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  2. Essa fuga é necessária. Acho que simbolicamente, representa a mudança de conceitos, de interesses , de atitudes, é quando nós precisamos "fugir" um pouco dos padrões determinados, em busca do novo. É assim a historia da humanidade, sempre buscando algo novo e desconhecido.

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  3. É importante salientar que a globalização às vezes tem o efeito contrário. Muitas vezes ela fortalece o nacionalismo e o apego à cultura local, daí vemos o renascimento de políticas fascistas e xenófobas na europa

    grande abraço

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  4. MUITO BOM SEU POST, EXCELENTE MATÉRIA. REALMENTE ESSE LADO AVENTUREIRO É INERENTE À NOSSA NATUREZA.SE EU TIVESSE GRANA, VIAJARIA BASTANTE PARA CONHECER CULTURAS EXÓTICAS.

    ABRAÇÃO.

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  5. seguindo segue tbm ?
    WWW.diamondsfashion.blogspot.com

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  6. Obrigado a todos seguidores! Retribuirei sim!

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  7. Interessante o post!Passando para te desejar um maravilhoso 2012 que todos seus sonhos se realizem e muito sucesso no seu blog!Feliz Ano Novo!

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