Tempo de Guerra (Les Carabiniers), 1963. Dirigido e escrito por Jean-Luc Godard e produzido por Georges de Beauregard e Carlo Ponti / França
A característica mais marcante nos filmes de Jean-Luc Godard é a intenção de despertar no expectador, não a emoção, e sim a reflexão. Godard é a contradição do cinema, gerada pelo próprio cinema. Em seus filmes ele buscou o mesmo que Bertolt Brecht buscou na literatura e no teatro; a desconstrução da arte burguesa através da transcendência dos modelos baseados no espetáculo. Explico: o cinema foi o primeiro meio de comunicação de massa em áudio-visual, o advento do cinematógrafo proporcionou uma revolução na forma com que as pessoas faziam a leitura do mundo à sua volta. O cinema, através da imagem, tinha o poder de criar mitos e delinear novos paradigmas que norteariam as relações sociais a partir de então.
A característica mais marcante nos filmes de Jean-Luc Godard é a intenção de despertar no expectador, não a emoção, e sim a reflexão. Godard é a contradição do cinema, gerada pelo próprio cinema. Em seus filmes ele buscou o mesmo que Bertolt Brecht buscou na literatura e no teatro; a desconstrução da arte burguesa através da transcendência dos modelos baseados no espetáculo. Explico: o cinema foi o primeiro meio de comunicação de massa em áudio-visual, o advento do cinematógrafo proporcionou uma revolução na forma com que as pessoas faziam a leitura do mundo à sua volta. O cinema, através da imagem, tinha o poder de criar mitos e delinear novos paradigmas que norteariam as relações sociais a partir de então.
Se o cinema, em sua condição de comunicação de massa, representava um modelo burguês de manipulação e alienação através dos fetiches que produzia (espetáculo), a contradição (antítese) deveria surgir de dentro da própria sétima arte. Bretcht revolucionou o teatro ao subverter o modelo trágico de Aristóteles, que tinha como premissa a manutenção de uma ordem pré-estabelecida, através da conformidade do expectador (povo). Demolido o modelo vigente, o povo se tornaria não só espectador, mas teria despertada em si a ânsia de ser o ator de sua própria trama. Foi mais ou menos isso que Godard fez no cinema. Seus filmes não reproduzem sonhos de consumo, nem o anestesiamento intelectual típicos do cinema espetáculo. Sua genialidade pode ser expressa no novo tipo de montagem que ele levou às telas, estilo que pode ser definido tanto como sátira quanto como ruptura com os modelos clássicos.
Em seu primeiro longa metragem, o clássico Acossado (1959), Godard já trazia inovações narrativas e técnicas e já quebrava um tabu ao filmar com a câmera na mão. Acossado poder ser definido como uma desconstrução dos filmes policiais de Hollywood, que lotavam salas no mundo inteiro. Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), personagem principal de Acossado, é visivelmente uma sátira dos personagens interpretados por Humphrey Bogart, um mito do cinema americano (preste atenção no cigarro aceso, sempre no canto da boca, que parece já fazer parte da fisionomia do personagem e no trejeito de passar o polegar nos lábios). Sutilmente a sátira desmonta a áurea criada em torno do personagem satirizado. Pela ausência da sedução e da emoção, o expectador se liberta para então questionar as entrelinhas da trama.
Tempo de Guerra (1963) pode ser considerado como uma crítica jocosa dos filmes de guerra, porém a sátira, construída sobre o absurdo kafkiano, deste longa vai muito além da que foi feita em Acossado. Ao desconstruir os filmes de guerra, Godard está denunciando o absurdo dos conflitos, que geralmente são romantizados em produções do gênero. Como era de se esperar, no filme não tem imagens estonteantes, nem personagens idealizados, e tão pouco sentimentos de honra, coragem e dever cumprido que possam respaldar uma guerra injustificável. Ao se encontrar desapegado dos protagonistas e de suas respectivas histórias, o expectador tem a possibilidade de compreender o quanto absurda é a guerra e assim refletir sobre até que ponto o absurdo do filme pode ser associado a história de personagens da vida real. Neste aspecto, se o realismo fantasioso dos filmes de guerra nos conduz ao espetáculo vivido pelos personagens através da empatia e da identificação, no modelo de Godard, o absurdo nos conduz é para fora do filme, para o que de fato é real.
Sinopse: Durante um período de guerra, dois homens pobres que moram em uma fazenda, são recrutados por dois soldados, que trazem uma carta de convocação assinada pelo próprio rei. Os dois rapazes são iludidos com a idéia de que a guerra lhes proporcionará diversão e os farão homens ricos. Os rapazes, que mal conseguem entender o conteúdo da carta, não conseguem refletir sobre o que lhes é proposto e devido à pressão de suas respectivas esposas, que estão deslumbradas com a promessa de riqueza, eles acabam “aceitando” a convocação. A certeza que lhes é dada, de que na guerra tudo é permitido, os fazem cometer atrocidades sem mensurar o significado do que estão fazendo. Eles pilham e matam até mulheres e crianças. Quando voltam para a casa, eles estão cansados e desmoralizados, mas trazem dentro de uma maleta o que dizem serem as “riquezas de todo o mundo”. Dentro da mala estão cartões postais com fotos que eles creem serem títulos de propriedades.
Godard utiliza muitos simbolismos para ilustrar a trama, que vão desde o nome dos personagens (Ulysses; Michelangelo; Venus e Cleopatra), que nos remetem a heróis e modelos de perfeição (que serão desconstruídos), aos cortes abruptos, que até parecem amadores, que funcionam como uma quebra da linguagem espetaculosa. Podemos perceber também uma associação que Godard faz entre a guerra e a propaganda, é a publicidade que faz com que os ingênuos camponeses acreditem nos soldados e que os mantêm fieis ao rei, mesmo nos momentos de angústia e desesperança. Os cartões postais que trazem como tesouros para a casa podem ser interpretados como uma crítica à maneira como a imagem se tornou mais convincente e real do que a própria realidade.
Tempos de Guerra é uma crítica à fetichização da imagem e um alerta para a existência de uma realidade além da mostrada pelo espetáculo burguês. |
Numa das cenas mais emblemáticas, Michelangelo, um dos personagem principais, assiste a um filme no cinema de uma das cidades que invadem. Uma das cenas do filme mostra uma mulher nua, tomando banho em uma banheira. Na verdade a perspectiva não nos permite saber se a mulher está realmente nua, somos induzidos a acreditar nisso pelo que vemos projetado na tela. Na ânsia de conferir se a nudez é de fato real, Michel se levanta e vai até à frente. Junto à tela, ele tenta ver a cena por outra perspectiva e olhar dentro da banheira, mas não consegue, ao se levantar ele acaba derrubando a tela e revelando a parede vazia no fundo. Esta cena, que pode passar despercebida para a maioria dos espectadores, é uma crítica ao cinema espetáculo, que tal como no mito da caverna de Platão, nos permite ver apenas um reflexo do que seria de fato o real. A imagem nos seduz, nos desperta o desejo de posse, mas não pode ser tocada...
Esse filme é uma fábula, um apólogo em que o realismo só serve para socorrer, para reforçar o imaginário. E é assim que a ação e os acontecimentos descritos nesse filme podem muito bem se situar em qualquer lugar, à direita, à esquerda, em frente, um pouco em qualquer parte e em parte nenhuma... Enfim, tudo, cenários, personagens, ações, paisagens, aventuras, diálogos, são somente idéias e, como tal, tudo será filmado da forma mais simples possível, a forma mais simples do mundo, sendo a câmera, se ouso dizê-lo, um simples aparelho, em homenagem a Louis Lumière. Porque não se pode esquecer que o cinema deve, hoje mais do que nunca, manter como regra de conduta esse pensamento de Bertolt Brecht: “O realismo não é fazer como as coisas verdadeiras, mas como são verdadeiramente as coisas”
- Jean-Luc Godard sobre Tempo de Guerra
Tempo de Guerra é um dos filmes mais obscuros de Godard, mas talvez seja um dos que melhor representa sua proposta como cineasta. São filmes como este que me fazem entender porque ele foi adorado por uma geração que era ao mesmo tempo política e poética e que queria romper com os tabus e normas pré-estabelecidos. Godard é um gênio que conseguiu transcender a própria arte e se tornou um dos maiores representantes de um dos movimentos mais importantes do cinema das últimas décadas a Nouvelle Vague. Alguns dirão que Tempos de Guerra é interessante, mesmo sem terem compreendido nada, apenas pelo fato de ser considerado filme cult, mas vale a pena tentar decodificar a mensagem ali contida, ela é mais atual nos dias de hoje, de que nunca antes esteve. Mas se você procura apenas um bom entretenimento, passe longe!
De Jean-Luc Godard, recomendo também o clássico Acossado (1959).
Assistam ao trailer de Tempo de Guerra no You Tube, clique AQUI !
Não assisti este ainda não, mas parece ser muito bom.
ResponderExcluirGostei do blog cara. bem legal!
Se quiser fazer parcerias para troca de links estamos aí haja vista nossos blogs terem assuntos em comum...
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http://algunsfilmes.blogspot.com/
O filme podE ser; desconstruir a AURA; a guerra os farÁ; a certeza os FAZ; trazer o que dizem SER; Michelângelo assistE.
ResponderExcluirOs cartões postais me parecem mais como se o soldado, ao "vencer" a guerra, "conquistar" as cidades, "derrotar" o inimigo, nada mais fizesse que trazer consigo ilusões, não a realidade das paisagens e atos q se desenrolaram.
Gosto mto do Alphaville de Godard.