N° de acessos:

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Vencedores do Oscar 2012

A cerimônia de entrega do Oscar aconteceu na noite de ontem sem grandes novidades, o que já era previsto aconteceu: Cinco prêmios para O Artista, incluindo Melhor Filme, Diretor e Ator e cinco prêmios para A Invenção de Hugo Cabret. Meia-noite em Paris levou Melhor Roteiro Original e Os Descendentes o de Melhor Roteiro Adaptado, A Separação e Rango confirmaram seus favoritismos absolutos e venceram respectivamente nas categorias de Melhor Filme em Língua estrangeira e Melhor Longa de Animação. Meryl Streep, Jean Dujardin, Ostavia Spencer e Christopher Plummer venceram os cobiçados prêmios de atuação. No geral a premiação foi justa, a meu ver o maior deslize foi aconteceu na categoria de Melhor Fotografia, ganha por Hugo, uma vez que tal aspecto é bem superior em A Árvore da Vida. Quanto ao fato de Real in Rio de Carlinhos Brown e Sérgio Mendes ter perdido para a Man or Muppet da trilha de Os Muppets, para mim também não foi nenhuma novidade e não foi de todo uma injustiça, uma vez que a canção vencedora teve apelo bem maior para os americanos. Penso que a vitória de O Artista na categoria de Melhor Filme deverá ser compreendida como um verdadeiro marco, principalmente por se tratar de um filme de roteiro simples e ainda por cima francês, mudo e em preto e branco em plena era do 3D e do IMAX... Chego, portanto à conclusão de que as maiores injustiças desta edição do Oscar estiveram atreladas às indicações e não às premiações. Vamos então aos vencedores!


Melhor Filme - O Artista

Melhor Diretor - Michel Hazanavicius por O Artista

Melhor Atriz - Meryl Streep por A Dama de Ferro

Melhor Ator - Jean Dujardin por O Artista

Melhor Atriz Coadjuvante - Octavia Spencer por Histórias Cruzadas

Melhor Ator Coadjuvante - Christopher Plummer por Beginners

Melhor Animação - Rango

Melhor Direção de Arte - A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Figurino - O Artista

Melhor Trilha Sonora Original - O Artista

Melhor Roteiro Original - Meia-noite em Paris

Melhor Roteiro Adaptado: Os Descendentes 

Melhor Canção - Man or Muppet de Os Muppets

Melhor Fotografia - A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Filme Estrangeiro - A Separação 

Melhores Efeitos Visuais - A Invenção de  Hugo Cabret

Melhor Maquiagem - A Dama de Ferro 

Melhor Direção de Arte - A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Documentário - Undefeated

Melhor Documentário em Curta-metragem - Saving face

Melhor Curta-metragem - The shore

Melhor Curta-metragem Animado - The Fantastic Flying Books of Mister Morris Lessmore


Melhor Edição de Som - A Invenção de Hugo Cabret

Melhor Mixagem de Som - A Invenção de Hugo Cabret


domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sete Dias com Marilyn

Sete Dias com Marilyn (My Week With Marilyn) - 2011. Dirigido por Simon Curtis. Escrito por Adrian Hodges, baseado na obra de Colin Clark. Direção de Fotografia de Ben Smithard. Música Original de Conrad Pope. Produzido por David Parfitt e Harvey Weinstein. The Weinstein Company e BBC Films / USA | UK.


Desconsidere as pretensões biográficas de Sete Dias com Marilyn (2011) e ele se tornará uma excelente pedida para um final de semana sem coisas melhores para fazer! De fato o filme não é ruim, mas confesso que comecei a assisti-lo cheio de dúvidas em relação à atuação de Michelle Williams, que tem sido ovacionada por boa parte da crítica especializada. Pois acreditem, ela me convenceu. Não acho que as indicações dela ao Oscar e a outros prêmios tenham sido merecidas, uma vez que outras atrizes que tiveram um desempenho fantástico, bem superior ao dela, ficaram de fora, contudo não tenho como negar que ela está muito bem. O legal é que tanto ela quanto o filme vão nos conquistando aos poucos, à princípio eu olhava pra ela e enxergava apenas a aparência, não sei explicar bem, mas ela não me convencia de que era a Marilyn que todos conhecemos. Mas à medida que a trama vai se desenvolvendo isso passa a não ter tanta importância, o que passa a contar é a forma com que a Michelle vive aquela personagem e não se sua atuação consistem em uma recriação perfeita daquela que foi um dos maiores ícones da história do cinema.

Este é um daqueles casos, tão comuns, em que a decisão de esquecermos que a história é inspirada em fatos reais só favorece a nossa apreciação da mesma. A Marilyn mostrada no filme é uma mulher frágil, melancólica e carente, ela traz marcas de personalidade que não condizem com o ritual criado em torno de si (aspectos que provavelmente são reais), há portanto a desconstrução do mito, e este processo poderá incomodar aqueles que conhecem mais a fundo a história da atriz e os seus fãs mais devotos. Outra justificativa para ver o longa como uma história ficcional, e não como uma cinebiografia, é a sensação incômoda provocada pela forma com que outras personalidades, como Laurence Oliver (Kenneth Branagh), são retratadas no filme, de forma superficial e um tanto maniqueísta.


Colin Clark (Eddie Redmayne) é um jovem de vinte e poucos anos que ainda não encontrou um rumo na vida. Filho de uma família abastada, ele nega os planos que seus pais traçaram para si no intuito de seguir seu maior sonho, que é trabalhar com cinema. O anúncio de que Marylin Monroe está indo para a Europa, para atuar no filme O Príncipe Encantado (1957) de Laurence Oliver, deixa o rapaz alvoroçado, ele persiste na tentativa de conseguir um emprego no estúdio de Oliver e este acaba o contratando sem qualquer tipo de remuneração. Pouco a pouco ele vai conquistando a confiança da equipe de produção do filme, principalmente pela sua competência demonstrada na função de "assistente de direção", o que na verdade é uma espécie de “faz-tudo”.


Marilyn chega à Inglaterra e deixa todos boquiabertos com sua estonteante beleza, mas o fascínio dura pouco, as filmagens são prejudicadas pelos constantes atritos entre ela e o diretor Laurence Oliver. Ela, como adepta do Método Stanislavski, não consegue encontrar verdade em seu personagem, o que a impede de apresentar um bom desempenho e a leva a questionar seu próprio talento. Oliver não tolera isso, para ele o ator só precisa fingir sua interpretação e para isso não seria necessária esta tal verdade do personagem, defendida pela mentora de Marilyn, ainda mais em uma comédia. Os conflitos gerados durante a filmagem expõem ainda mais a fragilidade emocional da atriz, que se torna cada vez mais melancólica. Cansado de toda a situação o marido dela (este já era o terceiro) a deixa sozinha e volta para os Estados Unidos. Esta acaba sendo a grande oportunidade que Colin Clark tem de se aproximar da atriz e ele não a perde, o relacionamento que começa a ser desenvolvido entre eles, cheio de cumplicidade e carinho, funciona para Marilyn como uma válvula de escape e para o rapaz como uma espécie de rito de passagem...


A trama e seus personagens demora pouco para nos cativar e mesmo não se tratando de um filme fantástico, ele consegue nos convencer de sua boa qualidade. Ele é legal por evocar em nós espectadores  um tipo de sentimento similar ao induzido por Meia Noite em Paris (2011) de Woody Allen: a vontade de estar no lugar do protagonista, de passar alguns dias ao lado daquela que se tornou o maior símbolo sexual do século 20 e uma das atrizes mais respeitadas de sua época... Confesso que durante a exibição senti uma espécie de compaixão pela personagem (Marilyn), pela dor que ela silenciava na frente das câmeras e pelo comportamento autodestrutivo que a levaria a uma morte trágica e prematura. Ao contrário do que se tem dito, Sete Dias com Marilyn não é uma comédia, apesar da leveza de sua trama. A atmosfera melancólica que ele tem reforça, ao menos para mim, o boato de que a indicação de Michelle Williams ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz - Comédia ou Musical (e não na de Melhor Atriz - Drama) teria sido uma estratégia para favorecê-la, tirando-a do pário com Meryl Streep, Viola Davis, Tilda Swinton e outras de desempenho bem superior ao seu...


Sete Dias com Marilyn, apesar de não desempenhar da melhor forma sua proposta de recriar fatos e eventos que realmente aconteceram, funciona muito bem como uma filme sobre relacionamentos e busca de identidade, sem grandes pretensões. Ele ainda tem uma bela fotografia, lindas locações e algumas passagens emocionantes, isso sem contar a trilha sonora que é tão cativante quanto a história recriada. Sem dúvidas o elenco está muito bem, o que é mais um peso a favor do filme... Sete Dias com Marilyn pode não ser uma obra prima, ou um filme indispensável, mais ainda assim vale a pena ser conferido... Última dica: Preste atenção em uma sequência, se não me engano uma das primeiras em que Marilyn encontra a sós com Colin, em que ela sorri um sorriso branco e melancólico com a extravagância da mais feliz das gargalhadas (dito assim até parece impossível né?), esta foi a primeira sutileza que me mostrou que a atuação de Michelle tinha sim algo de especial... Recomendo!


Sete Dias com Marilyn ganhou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz - Comédia ou Musical (Michelle Williams), tendo sido indicado ao prêmio também nas categorias de Melhor Filme - Comédia ou Musical e Melhor Ator Coadjuvante (Kenneth Branagh). O filme está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Atriz (Michelle Williams) e Melhor Ator Coadjuvante (Kenneth Branagh).

Assistam ao trailer de Sete Dias com Marilyn no You Tube, clique AQUI !

Esta resenha não traz revelação da trama que não estejam já presentes  na sinopse,
no trailer do filme ou nos fatos históricos que o inspiraram.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo) - 2011. Dirigido por Martin Scorsese. Escrito por John Logan, baseado na obra de Brian Selznick. Direção de Fotografia de Robert Richardson. Música Original de Howard Shore. Produzido por Martin Scorsese, Graham King, Johnny Depp e Tim Headington. Paramount Pictures / USA.


Tudo tem um propósito até as máquinas. Os relógios dizem as horas, os trens levam a lugares... Por isso as máquinas quebradas me deixam triste, não servem aos seus propósitos. Talvez seja assim com as pessoas. Perder o nosso propósito é como estar quebrado... Imaginava que o mundo inteiro era uma grande máquina. As máquinas nunca vêm com peças sobressalentes, vêm sempre com a quantidade certa que precisam. Então entendi que se o mundo fosse uma grande máquina, eu não poderia ser uma peça sobressalente. Eu tinha que estar aqui por alguma razão...

A citação acima é dita por um dos personagens em um dos momentos mais belos de A Invenção de Hugo Cabret (2011), a mais recente obra de Martin Scorsese, que tem como um dos motes esta busca por um propósito maior, que seja capaz de dar um sentido real à existência de cada um. O curioso é que o filme nos mostra que o diretor parece ter encontrado a sua razão de ser, ele parece ter descoberto qual o seu propósito e o reflexo disso está visível na trama cheia de poesia e no personagem central, o menino Hugo, que seria no filme uma espécie de alter-ego não só do cineasta, mas de todos nós que compartilhamos com ela a paixão pela sétima arte. Ao contrário de outros realizadores que se tornam mais amargos á medida que envelhecem, Scorsese parece estar vivendo em paz, em harmonia com o propósito ao qual tem se dedicado: O cinema como expressão artística. Ele fundou há alguns anos a The Film Foundation, empresa através da qual ele tem investido e batalhado para restaurar obras primas do cinema clássico que corriam o risco de serem perdidas para sempre. No filme um dos personagens trava esta mesma batalha contra o decorrer do tempo, tão imperdoável para algumas obras e para tantos artistas.


Se O artista (2011), uma produção francesa de Michel Hazanavicious, exalta a Hollywood clássica da era dos filmes mudos, A Invenção de Hugo Cabret, um filme americano, vai na contramão, ele faz ode é aos primórdios do cinema, que aconteceu na França dos irmãos Lumiére e de Georges Méliès. Com um misto de aventura, poesias e sonhos, Scorsese cria não uma simples referência aos filmes de outrora, como fez Hazanavicious, mas uma convergência sublime entre o clássico e o novo. Penso que não foi a toa o fato de ele ter decidido experimentar a tecnologia 3D justamente neste longa. Assisti-o no tradicional formato 2D (o que lamento pela primeira vez), mas o que se tem dito é que esta é até então a melhor utilização do recurso, que neste caso serve aos propósitos narrativos e não tão somente como o já manjado truque de jogar objetos contra a tela. A tecnologia de ponta convive na produção com a mágica dos efeitos usados nas primeiras obras cinematográficas. Com este filme, Scorsese pede benção e tira o chapéu para Méliès, o pai dos efeitos especiais, em uma das mais belas e emocionantes homenagens do cinema ao próprio cinema.


Hugo vivia com o pai (Jude Law), um habilidoso relojoeiro, com quem ele aprendeu o ofício e o gosto por consertar as coisas quebradas. Após a morte trágica da pai, ele fica órfão e é levado por um tio, um bêbado contumaz, para trabalhar em uma grande estação ferroviária de Paris. Como o tio está sempre ébrio, é o menino que se torna o responsável pela manutenção do relógio da estação, contudo ninguém sabe que ele vive lá, ele está sempre escondido na torre do relógio ou em de passagens que se esgueiram por dentro das paredes do prédio, sem nunca sair de suas dependências. De frestas, janelas, ou de pequenos basculantes Hugo observa o dia-a-dia do lugar, como um expectador que acompanha o drama e a alegria das personagens que estão ao seu redor. Por causa do descaso do tio, ele passa a furtar nas lojas da estação para se alimentar e em busca de peças para consertar um autômato (uma espécie de robô), que seu pai lhe deixara e que ele acredita trazer consigo uma última mensagem (aspecto que me lembrou a trama de Tão Forte e Tão Perto).


Mesmo Hugo sendo um tanto arredio, o destino irá se encarregar da fazer com que o seu caminho se cruze com o de algumas pessoas quen lhe ajudarão a descobrir qual o seu verdadeiro propósito, dentre eles estão o rabugento Georges (Ben Kingsley), um comerciante local, e Isabelle (Chloë Moretz), uma garota criada por ele. Mas como a vida nem sempre é tão fácil, Hugo para conseguir continuar vivendo na estação terá que fazer o possível para não ser pego pelo inspetor do local (Sacha Baron Cohen), que não tolera órfãos e encaminha todos com quem encontra para um temido orfanato. De uma forma tão bela, que é capaz de nos levar ás lágrimas, a trama liga a estória destes personagens aos primeiros anos do cinema na França e à magia das primeiras produções... Não pretendo revelar mais nada para não quebrar assim o encanto que o filme é capaz de nos proporcionar.


Algumas das cenas mais lindas do filme são aquelas nais quais são usados trechos de obras dos primeiros anos do cinema, não há cinéfilo que resista, dentre as produções citadas estão clássicos como A Chegada do Trem na Estação (1986), Viagem à Lua (1902), O Grande Roubo de Trem (1903) e A general (1927). A homenagem de Scorsese ao cinema é tão apaixonante porque sua reverência não é feita ao cinema como indústria, mas o cinema como arte, como criação onírica capaz de nos conduzir às nossas peças perdidas e nos mostrar, não quais são os nossos propósitos, mas que eles existem e que devem ser descobertos. Ouso dizer que A Invenção de Hugo Cabret é um filme de arte concebido pelas engrenagens da indústria cultural e concluo que o que faz toda a diferença é a direção e a carga autoral que Scorsese confere e ele. Nas mãos de outras cineastas, como Spielberg por exemplo, o filme correria um risco bem maior de se tornar raso e maniqueísta, o que definitivamente não é o que acontece nas mãos deste verdadeiro mestre.


A Invenção de Hugo Cabret beira á perfeição em praticamente todos os aspectos, atuações, trilha sonora, figurinos e principalmente direção de arte. Ao assisti-lo preste atenção nos detalhes que compõem cada quadro, os objetos cenográficos, os brinquedos, os cartazes de clássicos do cinema espalhados por toda a estação e tantas outras pequenas coisas, que sem a atenção necessária passariam desapercebidas...  Desconsidere os rótulos e as classificações que a crítica especializada tem atribuído ao filme, pois ele é bem mais que um filme infantil, ou uma mera homenagem saudosista aos filmes de outrora, ele é o próprio cinema vivo e pulsante, que busca as referências no passado, mas sem deixar de olhar para o futuro... Um verdadeiro clássico moderno que só pode ser comparado ao A Árvore da Vida dentre os indicados ao Oscar de Melhor Filme neste ano. Ultra Recomendado!


A Invenção de Hugo Cabret está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado, Efeitos Visuais, Edição, Figurino, Fotografia, Direção de Arte, Mixagem de Som, Edição de Som e Trilha Sonora. O filme ganhou o Globo de Ouro de Melhor Diretor, tendo sido indicado também nas categorias de Melhor Filme - Drama e Melhor Roteiro.

Assistam ao trailer de A Invenção de Hugo Cabret no You Tube, clique AQUI !

Esta resenha não traz revelação da trama que não estejam já presentes  na sinopse,
no trailer do filme ou nos fatos históricos que o inspiraram.

Margin Call - O Dia Antes do Fim

Margin Call - O Dia Antes do Fim (Margin Call) - 2011. Escrito e dirigido por J.C. Chandor. Direção de Fotografia de Frank G. DeMarco. Música Original de Nathan Larson. Produzido por Robert Ogden Barnum, Michael Benaroya, Neal Dodson, Joe Jenckes, Corey Moosa e Zachary Quinto. Benaroya Pictures / USA.


O que assusta o mundo atual mais do que a crise financeira e a ameaça que ela traz consigo de desfazer da noite para dia fortunas e investimentos de uma vida toda? Tal pergunta pode até ter variadas soluções, mas para os homens de negócio de Wall Street a resposta seria rápida, eles diriam com toda a certeza que nada é capaz de causar mais medo que a crise... Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011), do diretor e roteirista estreante J.C. Chandor, remonta de forma magistral alguns dos episódios que precederam a recessão econômica deflagrada em 2008 nos Estados Unidos, o roteiro busca numa realidade desmascarada e sem atenuantes aquilo que pode nos causar temores e receios... Na primeira sequência do longa, após um plano aberto que mostra Nova Iorque como uma espécie de organismo vivo, somos então conduzidos para as dependências de um grande banco de investimento. Os funcionários estão em alvoroço, pois mais da metade do quadro da empresa foi, ou ainda será, demitido naquele dia. Entre os dispensados está o gerente de avaliação de risco Eric Dale (Stanley Tucci), que já estava há anos na companhia, sua demissão, feita de forma impiedosa, salienta a frieza e a desumanização com que as pessoas são tratadas neste tipo de organização. Aquele, no entanto, seria só o começo de um longo e tenebroso dia...

Até ser demitido, Eric estava trabalhando em uma análise de risco conjuntural que apontava a fragilidade dos papéis nos quais o capital da empresa e os recursos de sua carteira de clientes estavam investidos, eles estavam operando além limiar aceitável de risco e ultrapassar este limite era totalmente irracional, pois em um cenário de aumento da inadimplência, para o qual as projeções de Eric apontavam, o banco não teria capacidade financeira para honrar com o compromisso assumido com seus clientes. Eric ainda não tinha terminado seu trabalho e suas projeções ainda estavam incompletas, o que as tornavam inconclusivas. Ao ser demitido ele entrega o trabalho inacabado para um de seus subordinados, o competente Peter Sullivan (Zachary Quinto), um dos que escaparam da demissão coletiva. Após o expediente, enquanto os outros colegas que sobreviveram aos cortes saem para comemorar, Peter permanece no escritório tentando concluir a projeção iniciada por Eric, ele a termina e o resultado é assustador, ele desesperado liga para Seth (Penn Bagdley), um de seus colegas e para Will Emerson (Paul Bettany), seu superior imediato, estes, que estavam em uma boate, voltam para a empresa no meio da noite.


Emerson passa o olho pelo trabalho do subordinado e pede explicações. Ele, mesmo tendo ainda alguma dúvida em relação à legitimidade das projeções, liga para Sam Rogers (Kevin Spacey), o gerente do escritório, este por sua vez aciona seu superior, Jared Cohen (Simon Baker), e sua assessora, Sarah Robertson (Demi Moore), estes concluem que a coisa é realmente séria e soam o alarme. Sem saberem o que fazer eles chamam John Tuld (Jeremy Irons), o presidente do banco, que chega de helicóptero já no meio da madrugada. Reuniões sucessivas se prolongam até o raiar do dia, ninguém consegue dormir e tão pouco encontrar uma solução capaz de salvar o banco e seus clientes da falência quase certa. A experiência de John Tuld o leva a concluir que a situação é ainda pior e que não só aquele banco seria prejudicado, o que estava por vir era uma crise sem precedentes, em uma decisão ousada e praticamente suicida ele decide fazer o necessário para evitar um prejuízo de trilhões de dólares, nem que isso custe a carreira de cada um de seus subordinados e a sobrevivência da empresa no ramo. A bolha estava prestes a explodir, conforme as projeções indicavam, a crise ia começar por alguém, John decidiu que deveria começar com eles, assim eles se poupariam de algo ainda pior.


Margin Call é perfeito ao mostrar o choque entre as posturas de diferentes gerações, e seus respectivos conflitos éticos. O temor iminente trás á tona o atrito entre as formas distintas de pensamento e de atuação das gerações “X” e “Y”. Alguns dos personagens mais velhos, membros da geração anterior, têm uma noção precisa do que a ganância já lhes custou, mas ainda assim continuam a alimentando como se isso fosse um vício, outros perderam a alma no jogo pelo dinheiro fácil e são incapazes de esboçar qualquer tipo de sentimento humano, que não o medo ou a ansiedade. Os mais jovens, imediatistas e ávidos por uma ascensão meteórica, parecem em alguns momentos desconsiderarem a gravidade do contexto ás suas voltas, Seth, por exemplo, está mais preocupado em saber qual o salário anual de seus superiores, do que com o risco da situação que está prestes a acontecer, sua ficha só cai quando ele passa a ter a noção de que seu emprego pode estar em risco.


O conflito ético surge da decisão, que em determinado momento todos terão que tomar, sobre arruinar ou não o investimento dos clientes da empresa, vendendo-lhes papéis podres, para assim garantir um prejuízo menor para o banco. Acatar ou não a proposta feita pelo presidente da companhia ganha conotações diferentes para cada um dos funcionários, é neste ponto que compreendemos quais são os valores que cada um trazem consigo e quanto tais valores podem ser frágeis diante de uma situação de pressão. Margin Call expõe o lado mais nocivo da ganância que faz girar a roda do capitalismo. Quando a crise estourou em 2008, foi a população quem teve que pagar o alto preço cobrado pela ousadia destes homens de negócio, que não conseguiam enxergar nada além das cifras de seus salários milionários, que em determinados momentos eles chegaram a acreditar que duraria para sempre...


Ao assistir o filme, preste atenção na sequência maravilhosa em que a câmera passeia, ao som do Prelúdio nº 15 de Chopin, pelo escritório escuro (iluminado apenas pelas telas dos computadores ligados) no meio da madrugada, expondo o vazio do lugar e a solidão dos personagens que ainda se encontram por lá; no fundo, afixada em uma parede, pode-se ver a bandeira dos Estados Unidos, a fotografia a descolore e a envolve em sombras compondo uma brilhantes referência aos tempos que estavam por vir... Paul Bettany e Jeremy Irons estão simplesmente fantásticos no filme, o segundo rouba toda a atenção para si desde o momento em que aparece em cena numa das melhores sequências do longa. O restante do elenco também está muito bem, em atuações fortes e cheias de um realismo seco que harmonizam com a proposta da obra e com o clima de suspense mantido no ar. A trilha sonora original e a fotografia também merecem destaque, elas têm funções primordiais no ritmo e na narrativa, que se desenvolvem de tal forma, que nos fazem experimentar o temor e a apreensão que cada um dos personagens vivenciam, fazendo nos sentir como se estivéssemos passado aquela angustiante noite em claro ao lado de cada um deles.


As tomadas que mostram a cidade e seu constante fluxo são estonteantes, é muito interessante a forma com que tais cenas se contrapõem à clausura dos escritórios e das salas de reunião, onde a maior parte da trama se desenvolve, eu vejo isso como um elemento narrativo usado para mostrar o quanto um problema surgido no micro pode impactar o macro, desde que ambos ambientes estejam interligados e em uma relação de interdependência. Comentei no início do texto sobre a cena que abre a sequência inicial do filme, que mostra a cidade como um organismo vivo, pulsante, esta metáfora é interessante pois ela é capaz de explicar a forma com que o mal que gerou a crise se espalhou, foi como um vírus, para o qual não se conhecia tratamento, e que em questão de horas seria capaz de contaminar todo o organismo e cada um de seus sistemas... Em algumas sequência, o linguajar técnico pode afetar a compreensão da parte do público que não estiver familiarizada com alguns conceitos chaves (estes poderão dizer que o longa é chato, ou complexo, quando ele definitivamente não o é), no entanto isso não impede que o filme possa ser apreciado em sua plenitude por aqueles que prezam por uma trama inteligente e muito bem escrita, engrandecida por excelentes atuações. Ultra recomendado!


Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011) está indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original.

Assistam ao trailer de Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011) no You Tube, clique AQUI !

Esta resenha não traz revelação da trama que não estejam já presentes  na sinopse,
no trailer do filme ou nos fatos históricos que o inspiraram.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro

A Dama de Ferro (The Iron Lady) - 2011. Dirigido por Phyllida Lloyd. Escrito por Abi Morgan. Direção de Fotografia de Elliot Davis. Música Original de Thomas Newman. Produzido por Damian Jones. Film4, UK Film Council e Pathé / UK | France.


Para que se possa entender A Dama de Ferro (2011) em sua plenitude se faz necessária a compreensão de um conceito chave, o neoliberalismo, uma doutrina econômica que prega a menor intervenção possível do estado na economia, o que resultaria numa total liberdade de mercado e teoricamente numa melhor organização social, esta regida, conforme pressuposto, pelas mesmas normas que regulam a economia. O neoliberalismo é uma oposição ideológica e política ao welfare state (estado do bem-estar social), modelo no qual o Estado se torna o responsável pela proteção e promoção social e pela organização da economia. A doutrina neoliberal voltara a ganhar expressão global a partir dos anos 60, ela era um dos reflexos que a guerra fria provocara no mundo ocidental, que tentava combater a ameaça comunista a todo custo. No final dos anos 70, tal sistema econômico ganhou ainda mais força, este fora o jeito encontrado por algumas potencias mundiais para lidar com o exorbitante crescimento dos índices de desemprego, era a forma do Estado de dizer que não tinha nada a ver com aquilo... Entender os conceitos de neoliberalismo e também de welfare state é fundamental para a interpretação do filme dirigido por Phyllida Lloyd. Ao contrário do que alguns críticos apontaram, esta cinebiografia tem sim um forte viés político e este é permeia toda a obra.

Uma das figuras mais emblemáticas do neoliberalismo foi sem dúvidas Margaret Thatcher, primeira ministra do Reino Unido de 1979 a 1990. Sua postura rígida e inflexível lhe deu fama de linha dura, os soviéticos, após as duras críticas que receberam dela, a apelidaram de Iron Lady (dama de ferro). Esta personalidade polêmica e controversa é a protagonista de A Dama de Ferro. A astúcia do roteiro deste filme é tentar humanizar a mulher que já foi apontada como carrasca e até demoníaca. Ao invés de focar tão somente a trajetória política de Thatcher (vivida por Meryl Streep na maturidade e velhice e por Alexandra Roach na juventude), a trama retrata também a sua vida pessoal e familiar, com um zoon em seu atual estado físico e mental (ela está hoje com 86 anos). A figura senil, fragilizada pela idade, e com a mente avariada insurge como um contraponto à imagem da primeira ministra à qual estamos familiarizados.


Eu te amo tanto, mas nunca vou ser uma dessas mulheres, Denis, que ficam caladas e bonitas nos braços de seus maridos, ou distantes e sozinhas na cozinha lavando a louça... A vida tem de ser importante, Denis, além da cozinha, da limpeza e dos filhos. A vida deve significar mais do que isso, não posso morrer lavando uma xícara de chá...

A Dama de Ferro retrata através de seu roteiro não linear a trajetória de Thatcher desde a sua juventude, quando ela trabalhava ajudando o pai em uma mercearia, até os dias atuais, passando é claro pelo auge de sua carreira política, no período que ela ocupou o cargo máximo do poder executivo inglês. A relação de Margaret com sua família, principalmente com o marido, Denis Thatcher (vivido por Jim Broadbent na maturidade e velhice e por Harry Lloyd na juventude), ganha relativo destaque na trama. Ironicamente, ela que esteve distanciada da vida familiar por causa da política, se torna cada vez mais dependente da família na velhice por causa do agravamento de seu quadro de Alzheimer. Margaret não consegue superar a morte do companheiro que sempre esteve ao seu lado (mesmo quando ela o ignorava) e isto ajuda a piorar seu estado psicológico, levando-a a devaneios e alucinações.


Tem-se dito por ai que o filme ameniza o lado negativo da personalidade cine-biografada ao tentar humanizá-la, mas definitivamente não é isso que acontece e o desfecho do filme deixa isso bem claro. É interessante ver que no interior da rígida “pele de ferro”, idealizada pelos assessores da primeira ministra, há um ser humano dotado de emoções e fragilidade, isto a torna real, há aqui a desconstrução do mito (aspecto que chegou a incomodar setores da política inglesa), contudo tal angulação não justifica em nenhum momento a conduta ética da Thatcher, nem algumas das decisões extremas que ela tomou enquanto estava no poder... Sempre digo que em todos os filmes há dois tipos de conotações no que diz respeito à sua abordagem temática, tem as conotações originais, que são atribuídas pelos diretores e roteiristas, e as adquiridas, que são percebidas por cada espectador de acordo com a forma com que este decodifica o filme. Não sei especificar se esta é uma conotação original ou adquirida, mas eu não pude deixar de interpretar toda a trama do filme como uma ironia à atual crise que assola toda a Europa.


Vale lembrar de forma resumida que o neoliberalismo foi indiretamente uma das causas da instabilidade econômica pela qual o continente europeu vem passando desde 2008. Apesar de estar afetando principalmente os membros do bloco do euro, a crise tem gerado reflexos significativos também nos outros países do velho continente e por tabela no resto do mundo. Entendamos então: Um Estado que interfira menos na economia e que exerça um menor controle social consequentemente arrecada menos impostos, e é justamente a baixa arrecadação que tem sido apontada por alguns economistas como uma das principais causas da crise. Quando a crise foi deflagrada em 2008, provando que as leis do mercado não são autossustentáveis, diversos países chutaram o neoliberalismo para escanteio e recorreram ao welfare state, eles criaram bilionários pacotes de ajuda financeira para evitar assim uma situação de desemprego em massa, era o Estado intervindo diretamente na economia, o problema é que diversos países não estavam preparados para isso, com a arrecadação fiscal baixa eles não tinham reservas suficientes para honrar com os compromissos assumidos, o resultado foi um grande endividamento, que levou à elevação do "risco-país" de de diversos membros do bloco do euro e que gerou o atual quadro de incertezas e pessimismo.


A minha conclusão é a de que a Margaret Thatcher retratada no filme é uma clara alegoria da falência do modelo neoliberal observada na atual situação de diversos países europeus como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha. Como não ver na fragilidade da ex-primeira ministra, em seu atual estado, uma representação da decadência do modelo econômico do qual ela se tornou um símbolo? Como não enxergar em sua incapacidade a inaptidão do mercado de se auto regular? Na trama Thatcher descobre que precisa da família para continuar sobrevivendo, enquanto no atual contexto mundial o mercado descobre que precisa do Estado para recolocá-lo nos trilhos... Numa das cenas mais memoráveis do filme, Margareth lamenta não se reconhecer mais ao ver a si mesma, quando ainda era ministra, em um programa de TV; pouco antes disso ela diz para o esposo que um dia ela será reconhecida por ter feito a coisa certa enquanto detinha o poder (maior ironia impossível)...


O roteiro de A Dama de Ferro, apesar de ser engrandecido pela conotação que abordei acima, é irregular e se mostra como o aspecto mais fraco do filme, que poderia ter sido um dos melhores do ano. Abi Morgan põe tudo a perder ao recorrer a um recurso, que beira o realismo fantástico, para representar as alucinações e devaneios de Thatcher. Tal artifício narrativo não parece estar em consonância com o restante do filme, onde predomina uma abordagem mais realista. Durante todo a história a personagem dialoga como o esposo já falecido, o que gera algumas cenas que beiram ao ridículo. Por ser abusivo tal recurso se torna pedante e cansativo. Já a opção de construir a trama de forma fragmentada e não linear, como se estivesse acompanhando o fluxo de lembranças da mente avariada da personagem, funciona bem, apesar de ser prejudicado pelo artifício que mencionei anteriormente. A atuação de Meryl Streep é de longe o melhor aspecto do longa, a atriz chega a  estar irreconhecível em algumas passagens, é mais uma vez assustadora a forma com que ela entra em seu personagem. A Dama de Ferro não é um filme de todo ruim, mas também não é nem de longe um dos melhores de 2011, contudo vale a pena conferi-lo pela abordagem política bem atual e pelo desempenho espetacular de Meryl. Recomendo!


A Dama de Ferro ganhou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz de Drama (Meryl Streep) e está indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Atriz (Meryl Streep) e Melhor Maquiagem.

Assistam ao trailer de A Dama de Ferro no You Tube, clique AQUI !


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O Garoto de Liverpool

O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy) - 2009. Dirigido por Sam Taylor-Wood. Escrito por Matt Greenhalgh, baseado no livro de memórias de Julia Baird. Direção de Fotografia de Seamus McGarvey. Música Original de Alison Goldfrapp e Will Gregory. Produzido por Robert Bernstein, Kevin Loader e Douglas Rae. Ecosse Films, Film4, UK Film Council , Aver Media e North West Vision / UK |Canadá.


Cinebiografias, princiaplemente as de grandes artistas ou personalidades históricas, me deixam com uma pulga atrás da orelha. Afinal nunca sabemos que angulação será dada àquela história, que nós muitas vezes já conhecemos de antemão. Nestes casos o mais comum é criar-se uma idealização da(s) peronalidade(s) biografada(s), tal idealização tem a ver com o processo de criação ou de manutenção do mito. Uma obra que ousasse destruir um mito já consolidado correria o risco de não ser bem aceita por aquele que tende a ser o seu público mais entusiasta, os admirados daquela personalidade acerca da que o filme discorre. Esta situação se torna uma faca de dois gumes, afinal a simples manutenção do mito, anteriormente criado, não tem em si valor artístico algum e se o mito é desfeito de forma severa a obra pode se tornar alvo de acusações e consequente descrédito. Se tal situação já é por si só complicada, imagina então quando a personalidade de quem se pretende falar é ninguém menos que John Lennon, o homem que transcendeu todas as noções de mito. A diretora estreante Sam Taylor-Wood encarou este desabio e entregou uma das melhores cinebiografias dos últimos tempos.

O Garoto de Liverpool (2009) não tem a intenção de narrar a fase áurea do músico, alcançada após a beatlemania, nem tão pouco contar sua tragetória rumo ao sucesso. A verdade é que o nome Beatles nem é  sequer citado em nenhum momento do filme, afinal a trama deste se desenvolve é durante a conturbada adolescência de John Lennon (interpretado por Aaron Johnson), época em que ele ainda tinha pouco da personalidade contestadora e politizada que viria a adotar mais tarde. O roteiro, escrito por Matt Greenhalgh, o mesmo roteirista do excelente Control (2007), é baseado no livro de memórias de Julia Baird, meia de Lennon, que na ocasião ainda era uma criança. O foco narrativo do filme não é o lado artístico, nem o intelectual do futuro beatle e sim seu relacionamento instável com sua tia Mimi (Kristin Scott Thomas), e com sua mãe, Julia (Anne-Marie Duff).


John Lennon fora criado pelos tios, Mimi e George (David Threlfall), um típico casal da classe média inglesa. Ele mantém um bom relacionamento com o tio, que é permissivo e complacente com sua rebeldia juvenil, mas com a tia a situação é bem diferente, na relação entre eles os atritos ficam mais aparentes que o amor e o respeito, ela é fria e disciplinadora, o que o mantém constantemente distanciado dela. Com a morte repentina do tio, mostrada ainda no início do filme, surgem os dois conflitos em torno dos quais o trama será desenvolvida: O acirramento das desavenças entre John e Mime e o reaparecimento da mãe, que ele ainda não conhecia. Julia aparece no dia do enterro de George, ela observava a cerimônia de longe para não ser notada, ao vê-la o rapaz já tem a certeza de que se trata de mãe, em seguida ele descobre que ela não morava tão longe, o que facilitaria sua tentativa de aproximação, que ele faz contrariando a vontade da tia. O restabelecimento do relacionamento que nunca existiu se dá de forma tranquila, ele passa a idolatrar a mulher e ela aparenta querer recuperar todo o tempo que passou longe dele...


É a mãe quem apresenta o Rock´n´Roll para Lennon, ela lhe ensina os primeiros acorde no banjo e o verdadeiro significado do estilo, “sexo”, segundo ela. Ele abandona a escola e passa a se dedicar só aos ensaios tendo a própria mãe como mentora. Não demora muito e ele decide convidar alguns amigos da escola e montar a sua primeira banda, o The Quarrymen, que seria uma espécie de embrião dos Beatles. Em uma das apresentações do grupo John seria apresentado a um garoto franzino de apenas 15 anos, chamado Paul  (Thomas Brodie Sangster), este logo entraria para banda e formaria com Lennon uma das parcerias mais férteis e lendárias da história da música pop... Mas esta já é uma outra história.


A relação de John com a sua mãe a princípio parece ser um antagonismo de vivência dele com a tia, enquanto esta é rigorosa e controladora, a progenitora é libertária e inconsequente. A medida que a história avança, segredos vão sendo revelados e eles causam um impacto profundo na imagem que John tinha até então de sua mãe e de sua tia. O desenrolar da trama, nos mostra que os personagens não são tão estereotipados e unilaterais quanto o início do filme nos induz a crer, nenhum deles é tratado como vilão ou herói, nem mesmo Lennon e isto acaba sendo o maior trunfo do filme. O roteiro não desfaz o mito, contudo também não o alimenta, o John Lennon mostrado na fita é um garoto como qualquer outro de sua idade. Sua rebeldia juvenil, apesar de não ser sem causa, o torna de certa forma distante da imagem do artista nato e do militante pacifista que comumente associamos a ele. No filme ele não passa de um jovem em um duro processo de amadurecimento e de aprendizado, que ainda que forma indireta iria contribuir para a formação daquilo que ele viria a ser no futuro...


As atuações de Kristin Scott Thomas e Anne-Marie Duff são na verdade são o melhor aspecto do filme, ambas estão ótimas em seus respectivos papéis. Seus personagens, apesar de caricatos, são bem construídos e bem explorados na trama e o bom desempenho delas os dão uma dimensão ainda maior.  Aaron Johnson não faz feio, mas também não nos mostra nada de excepcional, seu personagem acaba sendo amparado pelo contexto dramático no qual está inserido. Como não poderia deixar de ser, a trilha sonora é encantadora, rock`n`roll puro e da melhor qualidade! Os figurinos e a direção de arte também merecem destaque, eles ajudam a tornar o filme ainda mais belo. Os fãs mais xiitas de Lennon podem não gostar da forma com que o ídolo foi representado no filme, contudo acredito que os outros certamente terão a mesma impressão positiva que eu tive. O Garoto de Liverpool não é uma obra prima, mas é sem dúvidas um grande filme, capaz de encantar representantes dos mais diversos públicos... Recomendo sem restrições!


Assistam ao trailer de O Garoto de Liverpool no You Tube, clique AQUI !


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Tão Forte e Tão Perto

Tão Forte e Tão Perto (Extremely Loud & Incredibly Close) - 2011. Dirigido por Stephen Daldry. Escrito por Eric Roth, baseado na obra de Jonathan Safran Foer. Direção de Fotografia de Chris Menges. Música Original de Alexandre Desplat. Produzido por Scott Rudin. Paramount Pictures, Scott Rudin Productions e Warner Bros. Pictures / EUA.


Achei que estivesse me tornando insensível por não ter sido tocado pela trama minimalista de Cavalo de Guerra (2011) de Spielberg, mas Tão Forte e Tão Perto (2011) de Stephen Daldry me provou que não. Enquanto o primeiro filme abusa da manipulação técnica para fazer chorar, o segundo emociona é pela  sensibilidade e humanismo pungente de sua trama. O roteiro, escrito por Eric Roth, baseado no livro de Jonathan Safran Foer, explora cada um dos personagens de forma não maniqueísta, tornando-os detentores de um realismo que aumenta ainda mais o impacto da trama. Outros filmes já foram feitos sobre o atentado de 11 de setembro, mas a maioria deles, ao contrário deste, focava a tragédia e não as suas consequências. Tão Forte e Tão Perto se despe de qualquer viés político na abordagem do tema e desenvolve a sua trama em uma ambiente quase intimista, conduzido pelo olhar de uma criança machucada e traumatizada pelo atentado.

Oskar Schell (Thomas Horn) é um garoto precoce e inteligente, mas que tem dificuldade em se relacionar com outras pessoas e medo de fazer coisas comuns, que todas outras crianças fazem, como brincar em um balanço, atravessar uma ponte ou usar o transporte público. Seu pai, Thomas Schell Jr (Tom Hanks), está sempre próximo a ele, constantemente lhe propondo jogos e brincadeiras que o levem de alguma forma a sair de seu estado de reclusão social. Porém no 11 de setembro de 2001, a vida do menino muda para sempre, sua família, que era até então normal e bem estruturada, foi despedaçada quando o segundo avião, também supostamente pilotado por terroristas da Al Qaeda, se chocou contra a segunda torre do World Trade Center. Thomas estava em uma reunião de negócios quando o prédio foi atingido naquela manhã. Após o choque do primeiro avião na torre ao lado, ele ainda teve tempo de falar com a esposa, que também estava no trabalho e de deixar mensagens para o filho na secretária eletrônica do telefone residencial; aqueles seriam os seus últimos recados para o menino... 


Se o Sol Explodisse, só daríamos conta oito minutos depois. Porque este é o tempo que leva para a luz chegar até a gente. Durante oito minutos ainda haveria claridade e ainda faria calor. Fazia um ano que meu pai morrera e eu sentia que meus oito minutos com ele estavam se esgotando...

Só depois de um ano o garoto decide abrir o guarda-roupas do pai, que a mãe (Sandra Bullock) mantivera fechado desde o “pior dos dias”. Lá ele encontra uma maleta, que estivera guardada no compartimento mais alto, junto com ela estava um vaso e dentro do vaso, um envelope contendo uma chave. Dentro maleta estavam coisas que o pai guardara por muito tempo, dentre elas um recorte de jornal com uma parte do artigo destacada com marca-texto, este fragmento dizia apenas: “Nunca desista de procurar”. Entendendo que talvez aquilo fosse uma mensagem do pai, deixada para ele, Oskar decide procurar a fechadura que poderia ser aberta pela chave que encontrara. A única pista que ele tem é o nome “Black”, escrito no envelope dentro do qual a chave fora achada. O garoto seleciona na lista telefônica todas as pessoas cujo sobrenome era "Black" e inicia então uma busca que percorrerá os cinco bairros de Nova Yorque.


Não demora muito e Oskar encontra um companheiro para suas buscas pela cidade, é um senhor idoso, o mais novo inquilino de sua avó (interpretado brilhantemente por Max von Sydow), que aparenta estar tão machucado pela vida quanto o ele. O "inquilino", como o menino o chama, não consegue falar e se expressa apenas escrevendo em um bloquinho de notas. A relação entre os dois é um dos melhores aspectos do filme, o primeiro “diálogo” entre eles é simplesmente fantástico. A cumplicidade que um encontra no outro, parece dar força a ambos para lidarem com seus respectivos problemas. O novo amigo substitui para Oskar a figura paterna, o menino passa a ver no velho os trejeitos do pai e isto os aproxima ainda mais. Um outra cena protagonizada por eles, que se passa em um metrô é também memorável...


Mesmo ao abordar uma temática tão forte e ao mesmo tempo melindrosa, o roteiro não força a barra em nenhum momento, nós expectadores não somos induzidos a sentir pena dos personagens, ou a vê-los por apenas uma das dimensões possíveis, a comoção que experimentamos é desenvolvida à medida que percebemos o quanto a história contada é real e antes de tudo universal. Ainda que suavizada pelo olhar do menino, que assume a função de narrador em diversas cenas, a trama fala de temas pesados, com quais nunca temos habilidade de lidar, ele fala da perda de entes queridos e do processo de superação pelo qual somos obrigados a passar... O filme ainda fala de culpa e de de ressentimento, mostrando que em muitas situações somos nós mesmos os culpados pelo não fechamento das nassa próprias feridas.


Cada um dos personagens com quem Oskar se encontra durante sua busca trazem consigo suas próprias dores e dramas pessoais e de alguma forma o menino acaba impactando em suas vidas e eles na dele, o que torna a história contada pelo filme uma espécie de processo de amadurecimento coletivo. Penso que o filme terá um efeito acentuado no público americano, afinal na trama o garoto vive um drama que não é só seu. A dor provocada pelo atentado ainda está encrustada na consciência coletiva daquele povo. Eles, ao verem a forma com que o menino lida com sua perda, provavelmente se sentirão acalentados, pois, mesmo que o longa não traga uma solução mágica para superar a dor, ele aponta um caminho, que não o do ressentimento ou o da vingança, é um caminho onde a força necessária para continuar vivendo é encontrada no apoio mútuo e no amor compartilhado.


Tão Forte e Tão Perto exige de nós expectadores uma boa dose de sensibilidade, pois só assim seremos capazes de compreender a grandiosidade desta obra e o sofrimento de cada um dos personagens. O filme não é fácil, por se tratar de uma história onde o sofrimento e a dor são quase uma constante, como uma grande ferida aberta incapaz de ser fechada de uma hora para outra. Sem o olhar sensível, enxergaremos apenas a personalidade por vezes irritamente do menino, ou a limitação senil do personagem de Max von Sydow e não a situação angustiante que eles vivem na história... Thomas Horn está excelente em sua atuação,  ele consegue dar ao seu personagem uma profundidade fantástica, demostranto uma grande desenvoltura em um papel bastante complicado. Sydow, o ator que já desafiou a morte para uma partida de xadrez em uma das sequências mais antológicas do cinema, aparece aqui em uma atuação memorável, mesmo não dizendo uma palavra durante rodo o filme, ele consegue nos arrepiar com a força e consistência de sua atuação.


O roteiro do filme é muito bem escrito, apesar de em alguns momentos lembrar o de Forrest Gump (1994) e o de O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), também escritos por Eric Roth. Toda a trama é muito bem amarrada e cheia de sutilezas que são capazes de nos impactar de forma totalmente inexplicável. A edição não linear e narrações em off, são artifícios que se não usados da forma certa podem colocar tudo a perder, mas aqui eles funcionam da melhor maneira possível. A trilha sonora original assinada pelo premiado compositor francês Alexandre Desplat é ótima, ela ajuda a criar uma atmosfera melancólica, mas sem se tornar com isso opressiva ou massante. Tão Forte e Tão Perto é um filme belo, poético e sensível, para o qual infelizmente muitos torcerão seus narizes, eu contudo o vejo como uma obra prima, à altura da filmografia de Daldry. Sua indicação ao Oscar de Melhor Filme foi justa e ao meu ver inquestionável. Ultra recomendado!


Tão Forte e Tão Perto foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme e Melhor Ator Coadjuvante (Max von Sydow).

Assistam ao trailer de  Tão Forte e Tão Perto  no You Tube, clique AQUI !