Planeta dos Macacos – A Origem (Rise of the Planet of the Apes) - 2011. Dirigido por Rupert Wyatt. Escrito por Amanda Silver e Rick Jaffa, indiretamente adaptado da obra de Pierre Boulle. Direção de Fotografia de Andrew Lesnie. Música Original de Patrick Doyle. Produzido por Peter Chernin, Dylan Clark, Rick Jaffa e Amanda Silver. Twentieth Century Fox Film Corporation / EUA.
Sempre digo que um bom filme é aquele capaz de nos transportar para além de sua proposta original. Boa parte da impressão que tenho diante de uma obra cinematográfica é devida à carga de conhecimentos e experiências que já trago em minha bagagem. O que acontece durante a exibição é uma espécie de diálogo entre eu, o autor e a obra, como em qualquer processo de comunicação surgem de tal interação diversas variações de uma mesma verdade. Considero que a proposta original do filme, cunhada pelos seus realizadores, seja a primeira verdade, o resultado final deste processo de produção é uma segunda, a ideia que eu elaboro ao decodificar a obra é uma terceira verdade. Diferentes críticos podem valorizar uma destas “verdades” em detrimento das outras, isso fica claro pelas suas resenhas, eu pessoalmente prefiro analisar o filme de acordo com a minha “verdade”, aquela que elaboro sob influência da bagagem que trago comigo, minha “verdade” pode ser ou não condizente com as outras duas “verdades” inerentes à obra, mas em nenhum das situações eu nego a estas, pois de uma forma ou de outra elas são varáveis determinantes na análise fílmica que geralmente ensaio.
Planeta dos Macacos – A Origem (2011) é uma obra do tipo que nos transporta para além da “verdade” de seus realizadores. É perceptível que o principal interesse deste filme, desde a sua concepção, é o de se tornar um sucesso de bilheteria e não o der ser uma ponte para reflexões profundas ou canal de disseminação de ideias, contudo, ao menos em minha “verdade”, ele funciona como tal. Antes de fazer a minha análise, eu preciso lembrar que este é um prequel (termo usado para designar filmes que explicam a origem de outros filmes), cuja franquia original foi inspirada em uma obra literária. Diferente dos filmes a que deu origem, no livro, escrito pelo francês Pierre Boulle, a história ganha em contorno metafórico bem mais forte, nele, que é frequentemente associado à outras obras de temática semelhante, como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e 1984 de George Orwell, o planeta dominado pelos símios se torna uma clara analogia das ditaduras e dos governos totalitários.
O primeiro filme da franquia de Planeta dos Macacos estreou em 1968 e se tornou quase um “cult”, ele gerou 4 continuações que não tiveram o mesmo sucesso de crítica. Após ter se tornado uma série de televisão e até desenho animado, a história foi revisitada em 2001 por Tim Burton que fez um remake (injustificável e irregular, diga-se passagem) do primeiro longa. A versão deste ano, dirigida por Rupert Wyatt, passa longe, bem longe, do teor contestatório da obra literária, no entanto ela consegue a proeza de recolocar a franquia nos eixos. Pode não ter sido um objetivo do filme criar analogias ou metáforas, esta pode não ter sido a “verdade” de seus realizadores, contudo ele me conduziu à uma série de reflexões que foram pontuadas pela sua trama e pela minha já citada bagagem. Substitua os símios por uma cultura menos expressiva socialmente e teremos uma alegoria perfeita acerca da adaptação, da inclusão social e da liberdade... Substitua os símios por pessoas “comuns” e teremos uma alegoria de nós mesmos, que desconhecemos nossa própria força e que aceitamos imposições pela falta de questionamentos... Propositalmente ou não, o roteiro toca em outros temos polêmicos como a exploração de animais, a vivissecção e o embate entre a ciência e a ética.
O curioso é que durante boa parte do filme somos induzidos a torcer pelos símios e não pelos homens, isto seria um reflexo da onda do politicamente correto tem tomado conta de boa parte das produções do cinema pipoca. Alguns dos personagens secundários do filme exemplificam bem a ganância e a irracionalidade (!) do homem, isto faz com que não seja tão difícil sentir raiva e repulsa de toda o gênero humano. Torcemos por uma revolução que traga a libertação aos símios e que seja ao mesmo tempo a punição para os sequentes erros da humanidade, da qual deixamos de nos sentir parte durante a história, queremos uma punição que funcione como catarse, queremos a liberdade dos grandes macacos, mas na verdade o que ansiamos é pela nossa própria libertação. Não é difícil imaginar que nós como humanidade possamos estar caminhando para uma catástrofe que pode nos levar à extinção, catástrofe da qual seremos nós os únicos responsáveis, o castigo imposto a alguns personagens humanos no filme ajuda a aplacar nossa própria culpa, pois diante da tela concluímos que os responsáveis (a raça humana - não fazemos parte dela) já foram apontados e punidos... viva la revolucion!
Na trama, o cientista Will Rodman (James Franco) trabalha em uma grande corporação farmacêutica, ele pesquisa em símios os efeitos de uma droga que poderia retardar e até curar em humanos os sintomas do mal de Alzheimer. Sua principal motivação tem sido seu próprio pai, Charles Rodman (John Lithgow), que já está senil e em uma fase bem avançada da doença... A primeira sequência do filme mostra a captura de chipanzés na floresta, dentre eles está uma fêmea, que ao chegar ao laboratório é apelidada de Olhos Azuis, ela é a cobaia que mostra melhores resultados ao ter o novo medicamento testado em si, sua atividade cerebral aumenta, mas ela se torna agressiva. Somente quando já é tarde demais, os pesquisadores descobrem que o motivo de sua agressividade era um filhote, a quem ela tentara proteger, ela dera a luz sem que ninguém no laboratório descobrisse. A pesquisa é interrompida pelos seus financiadores após um grave incidente, o gestor do laboratório toma a decisão cruel de sacrificar todas os chimpanzés que usados como cobaia, compadecido Will aceita levar o filhote de Olhos Azuis para casa, para que ele não tenha o mesmo destino dos outros macacos.
O filhote de chimpanzé (Andy Serkis – através da "captura de movimentos"), que ganha o nome de Cesar (uma clara alusão ao nome de um dos personagens de um dos filmes anteriores da franquia), se torna quase um bichinho de estimação, ele recebe amor e carinho tanto de Will, quanto do velho Charles. À medida que Cesar vai crescendo, Will percebe nele uma evolução intelectual descomunal, que em alguns períodos chega a ultrapassar a de uma criança, é então que o cientista descobre que ele herdara geneticamente da mãe os efeitos do medicamento a que ela estivera exposta. A atividade cerebral intensa desperta em Cesar a consciência de sua própria condição, coisa que pressupomos que só o ser humano tenha. Ao se reconhecer como indivíduo ele passa aspirar uma vida independente, passa a querer ser um humano e se livrar assim de sua condição animalesca. Will não consegue compreender isso e seu carinho por Cesar em algumas situações só faz aumentar o impulso violento do símio.
Por ironia do destino, assisti Planeta dos Macacos – A Origem no mesmo dia que morreu Jiggs, o chimpanzé que interpretou Chita em doze filmes do Tarzan nas décadas de 30 e 40, o curioso de tudo isso é que o filme atual prenunciou uma outra espécie de morte, a morte de algo do qual Jiggs era o maior símbolo vivo, o uso de animais reais no cinema. Não é de fato uma morte decretada, mas o filme de Rupert Wyatt, com o excelente uso de novas tecnologias, ajuda a tornar obsoleta uma prática com a qual eu nunca concordei e isto é, ao meu modo de ver, um de seus pontos mais positivos. Os símios recriados através da técnica de captura de movimento são quase reais, a segurança na utilização da técnica fica perceptível através dos close-ups e dos movimentos ousados, artifícios dos quais o filme usa e abusa. O elenco humano, mesmo sendo quase secundário, está muito bem e a construção dos personagens centrais e de alguns dos coadjuvantes deixam a trama ainda mais convincente. Se o objetivo era mesmo tão somente o de criar um prelúdio para a franquia clássica, o filme merece todas as honras... apenas tenho medo das próximas sequências deste, que certamente virão.
Planeta dos Macacos – A Origem talvez seja o melhor filme pipoca dentre os lançados neste ano que assisti... Ao assisti-lo, desconsidere as pequenas falhas do roteiro, a superficialidade de algumas situações e o exagero de outras, pois são características inerentes ao gênero, e provavelmente você chegará á mesma conclusão que eu. Além da tecnologia de ponta, o filme tem ao seu favor uma história concisa e bem amarrada, um bom ritmo e um desenvolvimento sem muita dualidade ou complexidade, o que o torna uma obra fácil de cair no gosto popular. A maior façanha do filme é conseguir se destacar em um gênero tomado por inúmeras obras descartáveis, gênero este saturado por histórias de super-heróis, lutadores e carros que viram robôs... Vale lembrar que se você se dispuser a ligar o cérebro durante a exibição, esta pode se tornar ainda melhor, a minha dica é que você transcenda a ideia original do filme e encontre nele a sua própria verdade (esta dica não vale tão somente para Planeta dos Macacos)... Recomendo!