Margin Call - O Dia Antes do Fim (Margin Call) - 2011. Escrito e dirigido por J.C. Chandor. Direção de Fotografia de Frank G. DeMarco. Música Original de Nathan Larson. Produzido por Robert Ogden Barnum, Michael Benaroya, Neal Dodson, Joe Jenckes, Corey Moosa e Zachary Quinto. Benaroya Pictures / USA.
O que assusta o mundo atual mais do que a crise financeira e a ameaça que ela traz consigo de desfazer da noite para dia fortunas e investimentos de uma vida toda? Tal pergunta pode até ter variadas soluções, mas para os homens de negócio de Wall Street a resposta seria rápida, eles diriam com toda a certeza que nada é capaz de causar mais medo que a crise... Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011), do diretor e roteirista estreante J.C. Chandor, remonta de forma magistral alguns dos episódios que precederam a recessão econômica deflagrada em 2008 nos Estados Unidos, o roteiro busca numa realidade desmascarada e sem atenuantes aquilo que pode nos causar temores e receios... Na primeira sequência do longa, após um plano aberto que mostra Nova Iorque como uma espécie de organismo vivo, somos então conduzidos para as dependências de um grande banco de investimento. Os funcionários estão em alvoroço, pois mais da metade do quadro da empresa foi, ou ainda será, demitido naquele dia. Entre os dispensados está o gerente de avaliação de risco Eric Dale (Stanley Tucci), que já estava há anos na companhia, sua demissão, feita de forma impiedosa, salienta a frieza e a desumanização com que as pessoas são tratadas neste tipo de organização. Aquele, no entanto, seria só o começo de um longo e tenebroso dia...
Até ser demitido, Eric estava trabalhando em uma análise de risco conjuntural que apontava a fragilidade dos papéis nos quais o capital da empresa e os recursos de sua carteira de clientes estavam investidos, eles estavam operando além limiar aceitável de risco e ultrapassar este limite era totalmente irracional, pois em um cenário de aumento da inadimplência, para o qual as projeções de Eric apontavam, o banco não teria capacidade financeira para honrar com o compromisso assumido com seus clientes. Eric ainda não tinha terminado seu trabalho e suas projeções ainda estavam incompletas, o que as tornavam inconclusivas. Ao ser demitido ele entrega o trabalho inacabado para um de seus subordinados, o competente Peter Sullivan (Zachary Quinto), um dos que escaparam da demissão coletiva. Após o expediente, enquanto os outros colegas que sobreviveram aos cortes saem para comemorar, Peter permanece no escritório tentando concluir a projeção iniciada por Eric, ele a termina e o resultado é assustador, ele desesperado liga para Seth (Penn Bagdley), um de seus colegas e para Will Emerson (Paul Bettany), seu superior imediato, estes, que estavam em uma boate, voltam para a empresa no meio da noite.
Emerson passa o olho pelo trabalho do subordinado e pede explicações. Ele, mesmo tendo ainda alguma dúvida em relação à legitimidade das projeções, liga para Sam Rogers (Kevin Spacey), o gerente do escritório, este por sua vez aciona seu superior, Jared Cohen (Simon Baker), e sua assessora, Sarah Robertson (Demi Moore), estes concluem que a coisa é realmente séria e soam o alarme. Sem saberem o que fazer eles chamam John Tuld (Jeremy Irons), o presidente do banco, que chega de helicóptero já no meio da madrugada. Reuniões sucessivas se prolongam até o raiar do dia, ninguém consegue dormir e tão pouco encontrar uma solução capaz de salvar o banco e seus clientes da falência quase certa. A experiência de John Tuld o leva a concluir que a situação é ainda pior e que não só aquele banco seria prejudicado, o que estava por vir era uma crise sem precedentes, em uma decisão ousada e praticamente suicida ele decide fazer o necessário para evitar um prejuízo de trilhões de dólares, nem que isso custe a carreira de cada um de seus subordinados e a sobrevivência da empresa no ramo. A bolha estava prestes a explodir, conforme as projeções indicavam, a crise ia começar por alguém, John decidiu que deveria começar com eles, assim eles se poupariam de algo ainda pior.
Margin Call é perfeito ao mostrar o choque entre as posturas de diferentes gerações, e seus respectivos conflitos éticos. O temor iminente trás á tona o atrito entre as formas distintas de pensamento e de atuação das gerações “X” e “Y”. Alguns dos personagens mais velhos, membros da geração anterior, têm uma noção precisa do que a ganância já lhes custou, mas ainda assim continuam a alimentando como se isso fosse um vício, outros perderam a alma no jogo pelo dinheiro fácil e são incapazes de esboçar qualquer tipo de sentimento humano, que não o medo ou a ansiedade. Os mais jovens, imediatistas e ávidos por uma ascensão meteórica, parecem em alguns momentos desconsiderarem a gravidade do contexto ás suas voltas, Seth, por exemplo, está mais preocupado em saber qual o salário anual de seus superiores, do que com o risco da situação que está prestes a acontecer, sua ficha só cai quando ele passa a ter a noção de que seu emprego pode estar em risco.
O conflito ético surge da decisão, que em determinado momento todos terão que tomar, sobre arruinar ou não o investimento dos clientes da empresa, vendendo-lhes papéis podres, para assim garantir um prejuízo menor para o banco. Acatar ou não a proposta feita pelo presidente da companhia ganha conotações diferentes para cada um dos funcionários, é neste ponto que compreendemos quais são os valores que cada um trazem consigo e quanto tais valores podem ser frágeis diante de uma situação de pressão. Margin Call expõe o lado mais nocivo da ganância que faz girar a roda do capitalismo. Quando a crise estourou em 2008, foi a população quem teve que pagar o alto preço cobrado pela ousadia destes homens de negócio, que não conseguiam enxergar nada além das cifras de seus salários milionários, que em determinados momentos eles chegaram a acreditar que duraria para sempre...
Ao assistir o filme, preste atenção na sequência maravilhosa em que a câmera passeia, ao som do Prelúdio nº 15 de Chopin, pelo escritório escuro (iluminado apenas pelas telas dos computadores ligados) no meio da madrugada, expondo o vazio do lugar e a solidão dos personagens que ainda se encontram por lá; no fundo, afixada em uma parede, pode-se ver a bandeira dos Estados Unidos, a fotografia a descolore e a envolve em sombras compondo uma brilhantes referência aos tempos que estavam por vir... Paul Bettany e Jeremy Irons estão simplesmente fantásticos no filme, o segundo rouba toda a atenção para si desde o momento em que aparece em cena numa das melhores sequências do longa. O restante do elenco também está muito bem, em atuações fortes e cheias de um realismo seco que harmonizam com a proposta da obra e com o clima de suspense mantido no ar. A trilha sonora original e a fotografia também merecem destaque, elas têm funções primordiais no ritmo e na narrativa, que se desenvolvem de tal forma, que nos fazem experimentar o temor e a apreensão que cada um dos personagens vivenciam, fazendo nos sentir como se estivéssemos passado aquela angustiante noite em claro ao lado de cada um deles.
As tomadas que mostram a cidade e seu constante fluxo são estonteantes, é muito interessante a forma com que tais cenas se contrapõem à clausura dos escritórios e das salas de reunião, onde a maior parte da trama se desenvolve, eu vejo isso como um elemento narrativo usado para mostrar o quanto um problema surgido no micro pode impactar o macro, desde que ambos ambientes estejam interligados e em uma relação de interdependência. Comentei no início do texto sobre a cena que abre a sequência inicial do filme, que mostra a cidade como um organismo vivo, pulsante, esta metáfora é interessante pois ela é capaz de explicar a forma com que o mal que gerou a crise se espalhou, foi como um vírus, para o qual não se conhecia tratamento, e que em questão de horas seria capaz de contaminar todo o organismo e cada um de seus sistemas... Em algumas sequência, o linguajar técnico pode afetar a compreensão da parte do público que não estiver familiarizada com alguns conceitos chaves (estes poderão dizer que o longa é chato, ou complexo, quando ele definitivamente não o é), no entanto isso não impede que o filme possa ser apreciado em sua plenitude por aqueles que prezam por uma trama inteligente e muito bem escrita, engrandecida por excelentes atuações. Ultra recomendado!
Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011) está indicado ao Oscar na categoria de Melhor Roteiro Original.
Assistam ao trailer de Margin Call - O Dia Antes do Fim (2011) no You Tube, clique AQUI !
Esta resenha não traz revelação da trama que não estejam já presentes na sinopse,
no trailer do filme ou nos fatos históricos que o inspiraram.