Há mais de um ano eu tenho me divido entre duas cidades, Belo Horizonte e São Pedro dos Ferros, ao menos uma vez por semana estou na estrada, arrastando malas, tentando não perder o ônibus, perdido, como um objeto sem rumo, sendo arrastado de um ponto ao outro do mapa. Não sei quando estou indo, não sei quando estou voltando, a referência deveria o lar, não sei em qual dos dois extremos há um lar, já nem sei se existe um.
Lar é o lugar que nos cabe, não apenas o corpo, mas todo o amontoado daquilo que somos, seja este amontoado físico ou não. Há mais de um ano, meus CDs e discos estão em caixas, os DVDs apenas postos na estante sem qualquer tipo de organização, a vitrola acumula poeira e se deteriora, os livros estão divididos, tal como eu, entre duas cidades. Às vezes procuro um e não encontro, nem lá, nem aqui. Como disse, nem sei mais diferenciar o lá do aqui. Às vezes o livro reaparece fora do lugar, às vezes não reaparece.
Para olhares que não o meu, os livros, os discos, as revistas, os CDs são apenas entulhos, um estorvo em uma casa que ja carece da falta de espaço. Imagino a felicidade que sentiriam se um dia vissem todo este acúmulo ser posto na rua para ser recolhido pelo caminhão de lixo. Mas este entulho, este excesso de coisas, este estorvo, é parte daquilo que sou, é a parte que impede que eu caiba.
Na última mudança, alguma boa alma achou que seria interessante guardar alguns de meus DVDs (incluindo dois boxs dó Almodóvar, um do Fellini e um outro com a trilogia clássica do Indiana Jones) em uma sacola preta junto com uma toalha molhada, o saco foi jogado em uma pilha de entulho e eu só o encontrei há poucos dias, quase um ano depois. Ninguém é responsável, ninguém disse ao menos um “sinto muito, poderíamos ter sido mais cuidadosos”, o culpado sou eu que nem estava presente no dia da mudança.
O recado é claro, aquilo que é importante pra nós não necessariamente o será para outras pessoas. Eu tenho tentado lidar com isso, mas enquanto tento, sinto atenuada a sensação de estar sem lugar; sem lugar físico e sem lugar afetivo. Terei achado um lugar quando eu finalmente encontrar um lugar que me caiba, a mim, meus livros, discos, revistas, que são parte daquilo que eu sou