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sábado, 29 de dezembro de 2018

O Público e as Verdades da Arte


Oscar Wilde chegou a afirmar, por meio de um de seus personagem mais emblemáticos, Lord Henry Wotton de O Retrato de Dorian Gray (seu alter-ego), que o "objetivo da arte é revelar a obra e esconder o artista"... eu concordo em partes com este pensamento. Se por um lado é impossível, por exemplo, compreender a grandiosidade da obra de Kafka (também escritor) sem conhecer, ainda que superficialmente, a sua trajetória e o contexto em que ele viveu, por outro o foco demasiado no artista pode relegar em segundo plano aquilo de mais importante que sua obra possui, e isso frequentemente acontece. Vivemos atualmente uma inversão extrema do pensamento de Oscar Wilde; a mídia cumpre o papel de desnudar a vida do artista, enquanto o público busca nela, e não na obra, os elementos de identificação capazes de produzir empatia. 

Discorrerei rapidamente sobre três situações que vivenciei recentemente e depois tentarei propor uma breve reflexão sobre o assunto. 

- Em agosto deste ano, Oswaldo Montenegro tocou em Piacatuba, distrito de Leopoldina/MG, no Festival de Viola e Gastronomia. Naquele dia, minutos antes de sua própria apresentação ele estava no meio do público assistindo ao show de dois violeiros locais, um casal então se aproximou dele e pediu para tirar fotos, ele não negou, mas enquanto os flashes eram disparados ele permaneceu na mesma posição em que já estava, de braços cruzados e olhar direcionado para o palco. 

- No último dia 8, na edição do festival Circuíto Banco do Brasil, realizada no Rio de Janeiro, a banda americana MGMT foi vaiada por uma parte do público e um dos motivos foi não ter sido "cordial com a platéia". Uma adolescente, fã da banda que tocaria na sequência, que estava logo à minha frente durante a apresentação resumiu o motivo de sua indignação: "entraram e saíram sem ao menos dar boa noite". 

- No último sábado, Maria Rita se apresentou aqui em Ubá, no Festival de Música Ary Barroso. Apesar de ter feito uma apresentação memorável, ela foi criticada por alguns dos que estavam presentes por não ter recebido o público para uma sessão de fotos e autógrafos. Algumas pessoas chegaram a criticar a organização do evento por tê-la trazido, isso pelo simples fato de não ter conseguido se aproximar dela. 

Chegamos ao ponto: O tratamento seco dado pelo Oswaldo Montenegro ao casal que o abordou, a falta de interação verbal do MGMT com o público e a recusa de Maria Rita a receber admiradores em seu camarim, nenhum destes fatos definitivamente não tornou nenhuma das apresentações menos impactantes pra mim e isso porque o essencial, ao meu ver, não é, e nunca será, a postura do artista em relação aos fãs, mas a proposta e a representatividade que sua obra tem para mim. 

Pode parecer uma afirmação dura, mas artista nenhum tem obrigação de paparicar seu público. Admiro muito aqueles que relacionam de forma natural com seus fãs e repudio os que o faz de forma forçada, por mero sentimento de obrigação. Uma parcela do público aparentemente não consegue compreender isso e para ela bom continua sendo o artista estrangeiro que arrisca algumas palavras em português no palco, o que força sorrisos na hora do selfie e o que bajula o público com frases feitas e falsas afirmações.

Pode parecer contraditório eu escrever uma nota com este conteúdo, afinal sou dos que curte ter o disco original autografado e um dedo de prosa com algum artista cuja a obra eu admiro ou respeito. Mas, a questão é que é preciso separar as coisas, não confundir o artista com a obra, pois tal tipo de simbiose na maioria das vezes não se dá de forma tão harmônica. Quem faz este tipo de confusão corre o risco de acabar frustrado ao descobrir que um determinado compositor não é bem aquilo que se pressupunha que ele era divido à uma interpretação pessoal de suas letras.  

Aqui cabe uma rápida reflexão sobre o que é apreciação artística e sobre a forma com que ela se dá. Quando nos colocamos diante de uma obra (seja ela uma música, um filme ou até mesmo um quadro) estamos diante de pelo menos três verdades que podem ou não ser divergentes, a primeira delas é a que é idealizada pelo artista antes e durante o processo de criação, a segunda é a resultante deste processo, que absolve influências externas, inclusive de outras pessoas envolvidas com ele. A terceira e última verdade é a de quem se coloca diante da obra, que é influenciada pela visão de mundo e pela bagagem que cada um traz consigo. 

O que geralmente ocorre é que uma parte do público confunde a sua verdade com a verdade do artista e por isso passa a exigir dele posturas e comportamentos que validem aquilo que até então não passava de meras impressões. Há neste fenômeno uma negação de todo o processo de criação e de consumo da arte. Desconsidera-se o poder que a obre tem de impactar por si própria e o dever de provocar este impacto é delegado ao artista, como se nele se esgotasse todo o processo. Dai surgem as aberrações criadas pela indústria cultural: os artista cuja obra se resumem à uma única verdade, previamente fabricada para um público que já está de antemão apto para decodificá-la e digeri-la sem maior trabalho.

Felizmente ainda existem artistas cuja grandiosidade de suas obras transcende suas próprias posturas, algumas vezes mesquinhas... Oswaldo Montenegro, MGMT e Maria Rita fazem parte deste grupo! 


Escrito originalmente em 20 de novembro de 2014


sábado, 3 de janeiro de 2015

Um breve, porém intenso, mergulho no cinema argentino!


Não foi algo planejado. Eu estava à procura do filme Relatos Selvagens (2014- coprodução entre Argentina e Espanha, escrita e dirigida pelo Damián Szifron, produzida pelo Almodóvar e com nomes como Ricardo Darín, Darío Grandinetti e Leonardo Sbaraglia no elenco - e, depois de algumas tentativas frustradas desisti de encontrá-lo, foi então que veio a ideia de colocar em dia, ao menos em parte, a enorme dívida que tenho com o cinema argentino. Minha intenção inicial era assistir a dez filmes, acabou sendo nove, pois não consegui encontrar legenda compatível para um deles. A maioria dos filmes assistidos foram lançados no início da década passada, o que não foi intencional, daria para fazer um passeio semelhante passando apenas por obras mais recentes. Esta seleção, no entanto, acabou sendo um reflexo daquele que foi um dos períodos mais prolíferos da cinematografia no país, o auge do 'movimento', surgido na década de 90, que ficou conhecido como Novo Cinema Argentino. 

Durante esta pequena maratona foi quase inevitável não fazer comparações entre o cinema argentino e o nosso. No tocante à qualidade das obras, acredito que temos uma produção tão prolífera e boa quanto a deles. A diferença está, não no processo artístico/criativo, mas no mercadológico. Os hermanos têm conseguido contornar problemas nos quais ainda tropeçamos, boa parte deles relacionado ao financiamento público da produção (geralmente feito através de políticas de incentivo) e à distribuição. A impressão que se tem é a de que os filmes de lá não visam apenas o mercado interno (diferente de boa parte daquilo que é produzido hoje no Brasil) e as melhores obras não ficam restritas apenas ao circuíto de mostras e festivais, como ainda acontece por aqui, o que indica que a industria cinematográfica se encontra em estágios de maturidade diferentes nos dois países. [Pretendo voltar à estas questões em um post específico]. 

Recomendo esta breve maratona para todos! Para iniciá-la, dispa-se da rivalidade tola que fora alimentada durante muito tempo entre os dois países, abra a sua alma e se permita ser impactado por ótimas produções de diferentes gêneros, com propostas diferentes, mas pertencentes a um todo, que daria orgulho a qualquer país! Abaixo seguem breves considerações sobre cada um dos filmes assistidos: 


Minha modesta maratona, que durou uma semana, foi iniciada com O Filho da Noiva (2001), uma pequena obra-prima de Juan José Campanella. O filme, que é o segundo da fruto da longeva e bem sucedida parceria do diretor com o ator Ricardo Darín, tem em sua composição dois dos grandes trunfos do cinema produzido pelos hermanos: a sensibilidade e a universalidade. No centro da história está Rafael (Darín), ele se formou em direito, mas acabou assumindo o restaurante do pai por não ter alcançado sucesso na carreira de advogado. Sobrecarregado por afazeres e responsabilidades,  ele ainda precisa lidar com problemas e conflitos familiares. A pressão é enorme, ele tenta segurar as pontas mas não resiste, o preço a ser pago vem na forma de um infarto, que o deixa por vários dias na UTI, período no qual ele se vê imersos em reflexões forçadas sobre a sua vida e as escolhas que fez. A oportunidade de Rafael encontrar alguma paz interior vem quando o seu pai, Nino (Héctor Alterio), anuncia que quer finalmente se casar na igreja com a sua mãe, Norma (Norma Aleandro); uma proposta ousada devido a um pequeno problema, Norma tem perda de memória, provocada pelo mal de alzheimer, e é incapaz de responder pelos seus atos. O desenrolar da história é uma verdadeira ode ao amor e à valorização dos pequenos prazeres. 


O segundo filme da maratona foi Nove Rainhas (2000), longa dirigido por Fabián Bielinsky, também protagonizado por Ricardo Darín. No centro de sua trama estão dois trapaceiros profissionais, Marcos (Darín) e Juan (Gastón Pauls), eles se conhecem quase que por acaso e decidem 'trabalhar' juntos por um dia. É justo neste dia que surge a oportunidade de aplicar um golpe milionário, que envolve a réplica de uma série de selos raros e um perigoso colecionador que está hospedado na cidade. A fluidez da narrativa, os diálogos afiados e as ótimas atuações dos protagonistas dão ao filme um diferencial que o distancia da grande maioria das obras do gênero que são realizadas atualmente. O último ato, que não comentarei pelo risco de entregar algum spoiler, só confirma aquilo que os primeiros já indicavam, trata-se de uma grande obra, que soube aproveitar da melhor forma possível uma boa história, sem para tal precisar recorrer a malabarismos técnicos e a firulas estilísticas desnecessárias. 


O filme seguinte foi Plata Quemada (2000), triller de Marcelo Piñeyro, baseado em fatos reais, que retrata a fuga de uma quadrilha de bandidos, que vão para o Uruguai após assaltarem um carro forte. O assalto não acontecera conforme o planejado e os dois policiais que estavam  veículo acabaram sendo mortos pelos bandidos. Movida pelo desejo de vingar a morte dos dois militares, a polícia local dá início à uma investigação para descobrir o paradeiro da quadrilha. Os próprios assaltantes reconhecem que é uma questão de tempo até que o local em que se refugiaram seja descoberto, no entanto eles decidem permanecer até que um aliado no Uruguai consiga documentos falsos para eles virem pra o Brasil. A trama é protagonizada por dois dos assaltantes, El Nene (Leonardo Sbaraglia ) e Ángel (Eduardo Noriega ), conhecidos no meio como 'os gêmeos'; apesar desta alcunha eles são bem diferentes um do outro, El Nene é racional e se porta como o cabeça do grupo, enquanto que Ángel se deixa guiar mais facilmente pela emoção, sendo movido frequentemente pela culpa que sente por ser um fora da lei e por manter um relacionamento homoafetivo com El Nene. A narrativa desenvolve de maneira muito satisfatórias os seus dois viés, o romântico/erótico, sustentado pelo relacionamento entre os dois personagens e o suspense, que coloca o filme em uma tensão sempre crescente, que se torna angustiante com a aproximação do último ato.


O quarto filme da maratona foi Lugares Comuns (2002), drama dirigido por Adolfo Aristarain que conta a história de um professor de literatura, já idoso, que é aposentado compulsoriamente devido às ideias que defende em sala de aula. Com o país passando por uma grave crise econômica, Fernando Robles (Federico Luppi), o protagonista, se vê obrigado a vender a casa em que mora e a pegar como parte do pagamento uma propriedade rural para onde se muda. O desenrolar da trama retrata o processo de adaptação do professor à nova vida, processo este que é retratado com uma singeleza enorme, que chama atenção não só pela tentativa do personagem de vencer suas limitações, mas também pela forma com que as suas ideias, quando postas em prática na história, acabam nos impactando. No último ato o filme perde um pouco de sua unidade, à partir de dado momento da narrativa ele abandona alguns dos conflitos que tinham sustentado a narrativa até então para se apegar a outros. Isso faz com que o desfecho soe um tanto forçado, como se tivesse sido construído de tal forma apenas para despertar no público algum tipo de comoção. Todavia, o filme continua acima da média e sendo uma boa pedida para quem valoriza atrativos que dificilmente seriam encontrados no cinema comercial. 


A História Oficial (1985) foi o próximo a ser assistido. Dirigido por Luis Puenzo, ele foi o primeiro filme latino-americano a ganhar o Oscar na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira. É sem dúvidas uma obra-prima, grandiosa em todos os aspectos: Roteiro, atuações (Norma Aleandro está sublime), fotografia, direção de arte, trilha sonora... Todavia, creio que o seu maior trunfo foi ter levado para a tela grande a discussão sobre um tema tão polêmico, tão recente na época, que ainda era uma ferida aberta na história da Argentina. Em sua trama, Alicia (vivida pela Norma) é uma professora de história que preza pela disciplina e pela ordem. Ela não percebe que o rigor de suas posições e a unilateralidade de sua visão sobre aquilo que ensina a têm distanciado da história real de seu país. Alienada das questões políticas e sociais ela se recusa a enxergar a cruel realidade que a ditadura militar representava. No entanto, a suspeita de que a menina, que adotara ainda bebê, possa ser filha de militantes políticos mortos pelo regime, começa mudar a visão que até então ela tinha. Como pano de fundo, o filme retrata a luta da Mães da Praça de Maio, mulheres que se uniram para lutar e reivindicar notícias sobre seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar. 


O sexto filme da maratona foi outra obra de Juan José Campanella, O Mesmo Amor, a Mesma Chuva (1998), o primeiro fruto da parceria dele com Ricardo Darín. A trama acompanha o relacionamento entre os dois protagonistas, Jorge Pellegrini (Ricardo Darín) e Laura (Soledad Villamil), durante 20 anos, retratando as crises, os términos, os longos períodos de separação e também os bons momentos, que foi o que manteve uma centelha do sentimento inicial acesa por tanto tempo. Sem os clichês do cinema mainstrean, a narrativa nos apresenta a personagens complexos, dotados de vícios e virtudes, que muitas vezes erram tentando acertar e por isso acabam colocando em risco aquilo que têm de mais importante. Em uma análise mais ampla, eu diria que a história de amor contada funciona como uma metáfora daquilo que o país vivia em cada um dos períodos retratados; começa com a utopia, passa pela esperança (representada na esfera social pela abertura política) e por diversas crises, até chegar à uma espécie de maturidade, onde os problemas ainda não estão todos resolvidos, mas há a sabedoria que impede que erros do passado voltem a ser cometidos.


O sétimo da lista foi Um Conto Chinês (2011), filme dirigido por Sebastián Borensztein, que também traz Ricardo Darín no papel principal. Com sua trama construída sobre a ideia de que talvez exista um porquê associado a questões atribuídas ao acaso, o longa direciona o foco de sua narrativa para a vida monótona de Roberto (vivido por Darín), um homem ranzinza, mas de bom coração, que não faz nada além de administrar sua loja de ferragens. A rotina de Roberto muda completamente depois que seu caminho se cruza por acaso (será mesmo?) com o de Jun (Ignacio Huang), um jovem chinês que fora para a Argentina em busca de um tio com quem nunca teve qualquer tipo de contato. Sem saber uma palavra em Espanhol e sem ter lugar para ficar, Jun acaba sendo acolhido por Roberto. A chegada do rapaz mexe com o pacato comerciante e sutilmente muda a forma com que ele enxerga a si mesmo e o mundo à sua volta. Ao observar o rapaz, Roberto descobre que tem tanta dificuldade de se comunicar como ele, talvez venha daí a empatia que surge entre os dois, sentimento este que impactará a vida de ambos. 


Abraço Partido (2004) de Daniel Burman, o penúltimo filme da maratona, tem como pano de fundo a crise econômica que assolou a Argentina, sua história passa-se quase que totalmente no interior de uma galeria comercial, onde Ariel Makaroff (Daniel Hendler), o protagonista, trabalha. Ariel tenta tirar dupla cidadania (ele é descendente de poloneses) para conseguir finalmente deixar a Argentina e se mudar para a Europa. No entanto, o galho da árvore genealógica que pode o favorecer em sua tentativa de ter a cidadania polonesa aprovada, é o mesmo que o conduz à uma série de dúvidas sobre o seu passado. Seu pai, um judeu idealista, deixara a família pouco tempo depois dele nascer para se alistar no exército de Israel. A recusa da mãe e do irmão mais velho de tocar no assunto indica que pode haver algo que Ariel não sabe. O desenvolvimento da trama retrata a busca do jovem por informações que expliquem o fato do pai não ter voltado e o relacionamento dele com o que sobrou de sua família e com as outras pessoas que também trabalham na mesma galeria. O bom ritmo, a maneira com que diversas sub-tramas são costuradas e a ótima atuação de Hendler ajudam a tornar esta uma grande obra, digna de estar entre as melhores do Novo Cinema Argentino.


Crônica de uma Fuga (2006), dirigido por Adrián Caetano, o último da maratona, é baseado em fatos reais e tem sua trama ambientada durante o período em que a Argentina esteve sob uma ditadura militar. Claudio Tamburrini (Rodrigo de la Serna), o goleiro de um time argentino da segunda divisão, é sequestrado por agentes do governo e levado para uma antiga mansão, usada como campo de detenção e tortura. Lá um grupo de jovens é mantido em cativeiro e submetido a diversos tipos de tortura, métodos estes que são usados para arrancar deles confissões e dados sobre operações suspeitas e outros envolvidos com a militância política de esquerda. Claudio, que não tinha nenhum envolvimento com questões desta natureza, arquiteta junto com outros sequestrados um plano de fuga, que se torna uma última esperança para o grupo, que teme a pena mais alta aplicada pelo tribunal clandestino: a morte. O filme consegue retratar com realismo a angústia e o sofrimento vivenciado no local. A tensão criada pela trama chega a se tornar quase insuportável em alguns momentos. Trata-se, sem dúvidas, de uma grande obra, cujo valor transcende as questões meramente técnicas, é o tipo de história que precisa ser contada para que os erros do passado não voltem a ser cometidos. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Festival Mundial das Artes pela Paz


A estimativa era de que cerca de 1800 artistas de 118 países estariam presentes na edição do Festival Mundial das Artes pela Paz que foi realizada em Ubá/MG entre os dias cinco e 15 de novembro, mas não foi o que aconteceu. O público, formado em sua grande maioria por pessoas que já estão são ligadas direta ou indiretamente à produção cultural local, foi relativamente pequeno, o povo não compareceu. Já o número de artistas presentes fez parecer utópica a quantidade mencionada acima. Algo deu errado e este já era um desastre anunciado. O amadorismo que pode ser observado na realização do evento caracterizou também aquela que deveria ter sido a fase de planejamento. Muito pouco do que fora prometido na cerimônia inaugural, na qual Ubá foi oficialmente anunciada como sede do Festival, foi cumprido. Todavia, não se pode culpar apenas os realizadores, afinal trazer para uma cidade do interior um evento do porte pretendido não era uma tarefa fácil e talvez o grande erro dos envolvidos no projeto tenha sido o de acreditar que o seria. Ubá está acostumada a consumir entretenimento, não arte, e esta realidade já representava desde o início um grande desafio a ser enfrentado.

A qualidade das apresentações musicais salvou o Festival de ser um enorme fiasco, pois o que se viu durante os onze dias de programação foi uma série de erros grosseiros... Um dos vídeos promocionais, divulgado poucos dias antes do evento, convidava o público para conhecer o mural Guerra e Paz de Cândido Portinari, obviamente tratava-se de uma réplica, mas a chamada não deixava isso claro. A grande surpresa, no entanto, foi descobrir que não só Guerra e Paz era uma réplica, mas também boa parte das obras expostas na galeria improvisada. A má qualidade da impressão conferiu às telas reproduzidas um tom desbotado, que comprometeu seriamente o impacto que acredito que elas seriam capazes de causar aos visitantes. Sem a cor e a textura original, sobrou apenas o tecido descolorido sobre a moldura e sua intenção de recriar aquilo que o originou representava. Destituídas de qualquer valor artístico, tais cópias poderiam ao menos funcionar como material didático (ainda que esta não fosse a proposta do Festival), mas isso também não aconteceu, boa parte dos quadros não tinham nenhum tipo de identificação, o que tornava impossível para um leigo como eu descobrir, por exemplo, em que ano eles foram pintados ou quem eram os autores e os seus países de origem - informações essenciais como estas foram simplesmente negligenciadas. 

Em meio ao grande número de cópias de má qualidade se sobressaiam as obras originais de artistas e artesões da região, estas sim merecedoras de todo o respeito do público presente. Tenho a impressão de que o evento teria sido melhor sucedido se tivesse aberto mais espaço para obras como estas. Tudo poderia ter funcionado melhor se não fosse a megalomania dos realizadores do evento, que chegaram a considerar irrelevante a participação de artistas da cidade e região, mal sabiam eles que estes possuíam algo que o Festival como um todo não teve: a capacidade de dialogar e interagir com o público não erudito. Penso que talvez tenha faltado aos realizadores um pouco mais de conhecimento sobre as diversas expressões artísticas presentes no Festival e acima de tudo sensibilidade, isso justifica tropeços tão grotescos quanto o de posicionar a frente de um palco atrás de uma grande pilastra, quando suas laterais estavam livres (!)... Não tenho dúvidas, onde abundou negociatas, trocas de favores e politicagem faltou um trabalho sério e competente de curadoria. 

Todavia, há que se reconhecer também os aspectos positivos do evento, que não eliminaram, mas ao menos diminuíram os efeitos dos equívocos cometidos. Infelizmente, por questões de saúde, não consegui estar presente em todos os dias, o que eu queria muito ter feito, sei que com isso acabei perdendo muita coisa boa, mas ainda assim tive a oportunidade de conferir espetáculos memoráveis, como o excelente show da banda Cosmosoul, que foi formada em Barcelona na Espanha por músicos de diversas nacionalidades, e o retorno da banda americana Santa Esmeralda, que voltou à cidade quase um ano após o trágico show em que o baterista Brad Parker teve uma parada cardíaca no palco, enquanto tocava, e veio a falecer a caminho do hospital. As duas bandas presenteou o público minguado com ótimas performances, que mereciam um contingente de pessoas muito, muito maior...

Ainda que não tenha acontecido como o planejado e tenha deixado tanto a desejar, o Festival veio para somar. Só o fato de termos um evento cultural a mais na cidade (ainda que tenha sido uma única edição) já é um motivo para grande comemoração. Por hora, apenas torço para que os erros cometidos sejam reconhecidos e nos tragam algum aprendizado. Vale lembrar também que as críticas, por mais devastadoras que elas possam parecer, também servem para abrir os olhos e colocar pés flutuantes no chão... 

Algumas lições que precisam ser lembradas: Nunca prometa o que não pode cumprir. Jamais pense em cobrar ingressos de um evento que teve a 'entrada franca' divulgada. Convide/contrate pessoas que entendam de fato do assunto para ajudar na organização. Não venda a arte da mesma maneira que se vende um móvel. Aumente o tamanho da letra nos outdoors.  Valorize a produção local. Planeje. Não deixe nada para a última hora. Faça um cronograma compreensível e respeite-o. E, acima de tudo, respeite o público e os artistas convidados... Este já um começo! 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

2° Festival de Cinema de Visconde do Rio Branco


Aconteceu dentre os dias 12 e 18 de agosto a segunda edição do Festival de Cinema de Visconde do Rio Branco, o evento foi realizado pela Associação dos Amantes do Cinema, com o apoio da Revista Atual, do Museu Municipal de Visconde do Rio Branco e da Prefeitura da cidade, através da Secretaria de Cultura e Turismo. Foram inscritos filmes de Ubá, Cataguases, Rio de Janeiro, Viçosa e Visconde do Rio Branco. As obras foram avaliadas em três categorias: longa-metragem, curta-metragem e documentário. 

Tive a honra de ser convidado para fazer parte do juri, estive presente em todas as sessões e acabei testemunhando algumas situações simples, porém dotadas de um significado profundo e belo. A primeira foi a reação de uma parte do público, que foi à mostra para se ver no 'cinema'. Via-se durante os intervalos entre uma sessão e outra a magia que o 'reconhecer-se na tela' representava e isso podia ser percebido claramente em alguns olhares emocionados, cheios de orgulho; ouso dizer que nem os maiores clássicos da história da sétima arte seriam capazes de proporcionar para esta parcela do público presente este mesmo efeito. Este fenômeno atesta a importância do fomento à produção local, com o fortalecimento da cena e seu constante aprimoramento (acordem empresários, acorde poder público, isso é investimento!!!). 

Outro ponto que merece ser destacado tem relação direta com o efeito que as novas tecnologias têm provocado na produção cinematográfica independente. A relativa democratização dos meios de produção tem tornado cada vez mais fácil e barato a realização de um filme e diante deste contexto o que se sobressai é a criatividade e a originalidade de cada realizador; mais do que nunca é válida a máxima glauberiana  que diz serem necessárias apenas "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça" (não por acaso, criatividade e originalidade foram quesitos determinantes no processo de eleição dos vencedores). Mas, o mais interessante é que a criatividade não estava presente só nos argumentos dos filmes exibidos, mas também nas alternativas encontradas para custeá-los, divulgá-los e distribuí-los. 

O longa A Onda da Vida, do diretor José Augusto Muleta, (vencedor na categoria de Melhor Longa Metragem) recebeu patrocínios, mas sua realização não seria possível se não fosse a colaboração entre os envolvidos em sua produção, o filme foi feito entre amigos e isso reduziu os gastos com cachês e com a terceirização da mão de obra técnica. Zé do Pedal - As Fronteiras do Mundo, dos diretores Fabricio Menicucci e Bruno Lima, (vencedor na categoria de Melhor Documentário) foi realizado graças a uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo através de doações) realizada na internet. O Intruso, dirigido por Filipe Ruffato, (vencedor na categoria de Melhor Curta Metragem) também foi realizados entre amigos e provou que uma boa ideia pode valer muito mais do que um sofisticado aparato técnico. 

Vejo com bons olhos o caminho que o Festival tomou nesta edição e este foi um grande passo para consolidá-lo como um dos mais importantes eventos do gênero na região, algumas pequenas falhas ficaram como lição e acredito que na próxima edição elas já não serão cometidas. Se algumas barreiras levantadas pelo conflito de egos, que caracteriza o cenário político local, forem transpostas, certamente os frutos colhidos no próximo ano serão ainda mais notáveis, as sementes para isso já foram lançadas...


O grande homenageado desta edição do Festival foi cineasta rio-branquense Geraldo Santos Pereira, co-autor  do clássico Rebelião em Vila Rica (1958) (um dos primeiros filmes brasileiros fotografados em cores), que foi exibido na noite de encerramento, antes da premiação.


Confiram abaixo os vencedores:

Melhor Longa-Metragem: A Onda da Vida de José Augusto Muleta 
Confiram o teaser do filme no You Tube, clique AQUI !


Melhor Curta-Metragem: O Intruso de Felipe Ruffato
Confiram o curta completo no You Tube, clique AQUI !



Melhor Documentário: Zé do Pedal - As Fronteiras do Mundo de Fabricio Menicucci e Bruno Lima
Confiram um 'promo' do filme no You Tube, clique AQUI !


domingo, 11 de dezembro de 2011

Minha história de leitura... qual a sua?


Foi por causa do post homônimo da amiga blogueira Joicy Doux Sorcière que decidi subverter a linha editorial que adotei este ano aqui no Sublime Irrealidade e escrever um artigo ainda mais pessoal e intimista... Pretendo falar rapidamente sobre a minha experiência com a literatura e como ela transformou, sem nenhum exagero, a minha visão de mundo e a minha forma de interagir com outras pessoas e seus pensamentos... Sempre estudei em escola pública e hoje faço a triste constatação de que foram poucos os professores que se preocuparam em tornar a mim e meus colegas devoradores de livros. Minha mãe aprendeu a ler sem nunca ter ido à escola, isso de alguma forma colaborou para que a leitura não se tornasse um de seus hábitos, ela não tinha consigo as melhores condições para se tornar uma incentivadora... Este contexto fez com que eu estabelecesse um relacionamento já tardio com a literatura, que veio a acontecer na minha adolescência, o pouco contato que tivera antes disso, fora através de alguns livros da Coleção Vaga-lume, aqueles cuja a leitura escassa era obrigatória em algumas escolas. A maior parte da minha turma os lia por obrigação, ou simplesmente não os lia, eu no entanto lia com o maior prazer do mundo.

Mas a verdadeira revolução artística e cultural que experimentei começou a acontecer quando eu tinha 13 anos, foi quando se deu o meu primeiro contato com a música como forma de arte, pode parecer que estou mudando de assunto, mas não, eu passara então a experimentar a música não mais como uma simples forma de entretenimento, mas como um canal para novas ideias e pensamentos, no auge de minha utopia eu acreditava que a música, não só ela, mas toda expressão artística poderia mudar o mundo e torná-lo melhor, mas eu queria ir além, eu queria ir até a fonte de tais pensamentos que eu considerava revolucionários. Foi nesta época que estabeleci meus primeiros contatos com a filosofia. Enquanto o meu professor desta disciplina tecia interpretações mesquinhas do mito da caverna de Platão, eu mergulhava em clássicos como Utopia de Thomas More, O Príncipe de Maquiavel, O Contrato Social de Russeau e outras obras e fragmentos de Marx, Bakunin, Malatesta, Emma Goldman, Proudhon, Kropotkin e outros...


O contato com a filosofia política me levaria à leitura de clássicos de outras correntes filosóficas, foi então que conheci Nietzsche, com quem desenvolvi uma relação de amor e ódio, Epicuro, um de meus favoritos, Spinosa, Erasmo e é lógico aqueles que seriam a base de todo o pensamento ocidental, Sócrates, Platão e Aristóteles, sendo este último aquele com o qual eu mais me identifico. A crise ideológica que experimentei algum tempo depois direcionaria o meu olhar para os clássicos ficcionais, durante um bom tempo eu preferi me distanciar, não da filosofia, mas do radicalismo que eu havia adotado como estilo de vida, foi neste período de antítese que conheci o meu autor favorito: Franz Kafka. De uma forma assustadora sua obra conseguia materializar todas as dúvidas, angústias e crises que eu então experimentava. Li O Processo e enxerguei ali uma alegoria da minha própria viva e esta identificação foi devastadora e se repetiu quando eu li A Metamorfose.

Foi também neste mesmo período que li Os Sofrimentos do Jovem Werter de Goethe, outra obra que deixaria marcas profundas em mim e que exemplifica bem a forma com que eu sempre dialoguei com os livros que lia, quando eu o li eu vivia uma situação parecida com a que levara o personagem central ao suicídio na história, porém, ao invés de despertar em mim sentimentos negativos, similares ao vividos por Werter, o livro trazia era algo de mágico, uma espécie de confirmação de que tudo aquilo que eu estava vivendo era digno de uma das maiores obras da literatura mundial, o que tornava meu sofrimento quase poético. O meu constante diálogo com os livros faria com que em muitas situações eu visse confundidas a minha história com a dos personagens com quem eu interagia.

A literatura se tornou então o código secreto que confirmava para mim que a minha existência tinha algo de superior, ao contrário do que tudo à minha volta dizia. Eu era alguém, eu era um indivíduo diferente dos demais e justamente por isso eu era alguém. Foi a literatura que de alguma forma de libertou das amarras do determinismo, que constantemente me dizia que o meu destino já estava escrito e por isso seria intocável, eu estava condenando a ter o mesmo futuro mesquinho esperado por todos aqueles garotos que liam a Coleção Vaga-lume por obrigação nos tempos da escola. Ler não me tornou mais rico, ou mais poderoso (ainda!), mas me possibilitou a fazer uma leitura diferenciada do mundo á minha volta. Hoje, posso afirmar que a reação que tenho diante de um filme, ou de uma peça teatral está diretamente ligada às reações que tive a priori com a literatura.

Não lembro muito bem do meu primeiro livro, lembro apenas que ele tinha um caracol na capa e que o ganhei quando entrei na escola primária, já do segundo eu lembro, na verdade guardo ele até hoje, é O Burrinho Insatisfeito, um livro infantil que narrava a história de um burrinho que não contentava em ser burro, ele então encontra um mágico que passa a lhe conceder desejos e o transforma em vários outros animais que ele julgava ter uma vida mais fácil que a sua, no final ele chega à conclusão de que ser burro era de fato o que ele gostava... Lembrei desta história pois ela ilustra bem aquilo que a literatura nos proporciona, ela é este mágico que nos concede o desejo de ser ao menos por alguns instantes aquilo que não somos e este processo nos ajuda descobrir quem realmente somos...

No momento estou lendo lentamente Crime e Castigo de Dostoiévski e devorando A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera...

Termino este post com um agradecimento emocionado a alguns mestres que me ajudaram a descobrir e/ou aprimorar o gosto pelos livros, obrigado Carla Fagundes (por ter lecionado sobre a literatura brasileira com a maior paixão do mundo), Carla Silva Machado, (por ter me apresentado, dentre outros, O Retrato de Dorian Gray de Oscar WildTaís Alves, (por ter me apresentado a Zuenir Ventura e ao jornalismo literárioMaria do Carmo Mello (pelas ótimas discussões literárias e filosóficas e por ter me apresentado a O Mundo de Sofia de Jostein Gaarder) e Robson Terra (pelas brilhantes análises das obras de alguns dos mais importantes teóricos da comunicação)!


Visitem meu profile no Skoob, uma rede social sobre livros! 


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cólera - O Último dos "Gigantes"

.Uma Homenagem Póstuma.
 ao Maior Ícone do Movimento Punk no Brasil.

 

Hoje, quando entrei no facebook pela manhã, recebi a notícia trágica: “Edson 'Redson' Pozzi, vocalista e guitarrista da banda punk Cólera, morreu nesta terça-feira (27), aos 49 anos”. Para a grande maioria das pessoas nem este nome, nem a notícia, têm sentindo algum, mas para mim a aquela manchete caiu como uma bomba! À medida que eu procurava por confirmação daquele fato na rede e percebia que ele ia se tornando mais real, fui sendo tomado por um inesperado sentimento de comoção. De repente eu já tinha sido transportado para uma das épocas mais agitadas de minha vida, o final de minha adolescência, período de transformações, traumas e contato com o que de mais real e cruel a existência pode nos oferecer. Acho que dentre as bandas que eu ouvia com maior frequência neste período, somente o Ramones tenha sido mais importante, do que o Cólera foi. Mas diferente da banda americana, que me ensinou o que era Rock de verdade, o trio paulista me deu algo que ia além de sua sonoridade, suas canções deram voz ao meu engajamento e às minhas utopias, que eram então o que de melhor que eu tinha.

O Cólera foi formado em 1979, sendo uma das primeiras bandas da cena punk, que surgira em São Paulo nos idos de 1978. Em 1982, a banda participou, ao lado de Inocentes e Olho Seco, do primeiro disco Punk lançado no Brasil, o clássico Grito Suburbano, em novembro do mesmo ano o trio se apresentou no lendário festival O Começo do Fim do Mundo, organizado pelo escritor e jornalista Antônio Bivar; o evento rendeu um LP com 19 faixas, uma de cada uma das bandas participantes (apenas o Ulster não quis participar da edição original do disco). No ano seguinte Redson criairia o Estúdios Vermelhos, que mais tarde passaria a se chamar Ataque Frontal, por este selo foi lançado Sub, outra coletânea clássica do período, que trazia o Cólera, o Ratos de Porão, o Fogo Cruzado e o Psykóze, cada uma das bandas com seis músicas. Em 1985 o Cólera lança, pelo selo de Redson, o seu primeiro álbum, intitulado Tente Mudar o Amanhã, que tinha nítida influência do punk/hc finlandês. No mesmo ano é lançado o Split LP, Ao Vivo na Lira Paulistana, junto com o Ratos de Porão.

 

Em 1986 foi lançado o disco mais clássico da banda, Pela Paz em Todo o Mundo, que trazia músicas como Medo, Direitos Humanos, Alucinado, Adolescentes e o hino Pela Paz. A temática pacifista indicava que a banda já havia alcançado a maturidade e era ainda um diferencial em uma cena onde ainda existia uma acentuada segregação entre as bandas da capital e as do ABC Paulista, contexto que favorecia o acontecimento de brigas e outros casos de violência. Diferente da cena de Brasília, onde os integrantes das bandas eram geralmente estudantes filhos de políticos e diplomatas, o cenário paulista era formado por jovens operários e desempregados, mas mesmo sem nenhum recurso aqueles "garotos do subúrbio" fizeram valer o do it yourself teorizado pelo punk inglês, prova disso foi que em 1987, o Cólera encarou uma turnê que passou por vários países da Europa, sem ganhar nenhum dinheiro com isso, apenas as passagens e o alojamento em squaters (casas abandonadas que são ocupadas por ativistas).

 

Em 1987 a banda lançou o disco ao vivo European Tour '87, gravado durante a excursão do outro lado do Atlântico, e o seu segundo álbum, intitulado Verde, Não Devaste, que trazia uma urgente mensagem ecológica em faixas como Verde, Dont Waste It e Presídio Zoo, isso em uma época em que o ambientalismo ainda não era moda. Em 1992 lançaram o regular Mundo Mecânico Mundo Eletrônico, cujo o principal destaque é uma regravação, a da faixa 1.9.9.2., presente no primeiro disco. Após seis anos sem lançar nada de novo, o Cólera grava o excelente Caos Mental Geral, que chega a soar como uma volta aos primórdios. O disco traz músicas memoráveis como a faixa título, Cultural Revolução, Fuck I.U.R.D. e Dia e Noite, Noite e Dia, além de regravações de lados B e músicas presentes até então só em coletâneas como, Dê o Fora, Subúrbio Geral e Quanto Vale a Liberdade?, esta última, a melhor música da banda na minha opinião.

 

Mais outros seis anos sem novidades e então a banda nos presenteia com Deixe a Terra em Paz!, disco que mesclou o pacifismo de Pela Paz em Todo o Mundo e o Ambientalismo de Verde, Não Devaste, em músicas que mostravam uma sofisticação nunca antes experimentada pela banda. A poesia marginal expressa em letras diretas dão lugar a metáforas e alegorias, que ilustram reflexões sobre temas mais maduros e complexos, tirando o foco que até então estava na sociedade e direcionando-o para o indivíduo. Os destaques do disco são as faixas Espelho no Quintal, De ET pra ET, Samba-Core, Circocore, Aperta o Nó, Águia Filhote e São Paulo é Gig. Foram ao todo seis álbuns de estúdio, pode parecer pouco, mas foi o suficiente para transformar a banda em uma lenda, uma verdadeira instituição do movimento punk brazuca. Mesmo nos anos em que não gravou nada de novo, a banda continuou excursionando e se apresentando nos quatro cantos do país.

 

Nenhum dos integrantes chegaram a conseguir viver da banda, eles conciliaram durante anos os shows com seus respectivos empregos, sem nunca conseguirem sucesso comercial, o que fato não era o interesse da banda. O Cólera conseguiu atravessar três décadas se mantendo fiel à sua proposta original, sem se deixar levar por modas e pela pressão do mercado convencional. A banda é na minha opinião a que melhor representou não só a cena punk, mas todo o underground brasileiro nos últimos anos. Como você pode perceber no decorrer deste post, onde tentei resumir a trajetória da banda, eles foram os pioneiros de tudo aquilo que sustentou e ainda sustenta o meio alternativo até hoje. Com a morte prematura de Redson, devido a uma parada cardio-respiratória, a banda encerra suas atividades (uma vez que é quase inconcebível alguém o substituir) deixando um aperto no coração de quem presenciou e viveu ao menos parte desta respeitável trajetória.


Redson - um verdadeiro guerreiro do movimento punkl 
Só quem viveu as mesmas coisas que eu e alimentou as mesmas utopias pode compreender o impacto que a banda provocou em um dos melhores, apesar de tudo, e mais loucos períodos de minha vida... Precisei registrar aqui esta tentativa de homenagem á voz que um dia bradou: “Gostaria de te escutar, gostaria de te entender, por que você é Alguém! Se você quiser pode dizer o que sente, pode até gritar...”. Que traduziu minha indignação: “Às vezes tenho raiva, às vezes sinto que a ilusão me faz recuar, pois muita gente mente, pois muita gente dá a mão só pra empurrar...”. Que me ajudou a tecer inúmeras reflexões: “Se você não se virar pro espelho, sempre vai ter esse vulto por trás, um vulto estranho que te dá medo. Não corra não, é só você. O mundo dá voltas, o mundo dá voltas e a vida se entorta pra gente enxergar. O mundo dá voltas, o mundo dá voltas e a gente volta pra se reencontrar...”. E me deu a noção precisa da força que eu tinha em minhas mãos: “Você percebe que o tempo se vai, como as águas de um rio, vai se afastando, se encolhe mais, deixando um vácuo, um vazio. Voltar, voltar, voltar. Não tem por onde. Onde?! Você está solto, pode se afundar, ou pode se controlar! Forte e grande é você!”... Valeu camarada!
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terça-feira, 2 de agosto de 2011

The Strokes - Is This It - O disco que "salvou" o Rock!

 

No dia 30 de julho de 2001, o disco Is This It foi lançado na Austrália, o lançamento mundial só viria a acontecer no dia 25 de setembro daquele ano. Dez anos se passaram e muita coisa mudou no cenário musical desde então. Este, que é o primeiro álbum do The Strokes, chegaria ao mercado musical provocando um verdadeiro rebuliço, a banda era apontada pela parte mais entusiasta da crítica como a “salvação do Rock”, uma outra parte no entanto os acusavam de ser uma farsa, um projeto para fazer sucesso, que já tinha de antemão tudo para dar certo. Os integrantes da banda já eram ricos e tinham pais influentes, ou seja, eles não precisariam de ralação para chegar ao topo, o pai do vocalista Julian Casablancas, por exemplo, é o dono da Elite Models, simplesmente a maior agência de modelos do mundo, o pai do guitarrista Albert Hamond Jr já era um músico respeitado e renomado nos EUA.

Os dois lados da crítica no entanto estariam equivocados em seus respectivos apontamentos, na verdade o Rock não estava, nem nunca esteve precisando de salvação (a cena Underground que o diga), e o fato de  serem filhos de figurões do meio pode ter facilitado as coisas, mas eles batalharam bastante antes de alcançarem um merecido sucesso, curiosamente, eles tiveram que conquistar primeiro o mercado inglês para depois ganharem os Estados Unidos. O sucesso do The Strokes impulsionou um Hipe, que pode ser considerado similar ao que aconteceu em Seatle no início dos anos 90, os olhares se voltaram mais uma vez para a cena alternativa, que insurgia como uma fonte abundante de criatividade, que viria na contramão do mais do mesmo apresentado à exaustão pelo circuíto mainstrean.

 

Como sempre acontece, a indústria cultural busca no celeiro, onde foi gerado algo de “novo”, outras novidades para compor o seu casting, os olhares estavam então todos voltados para Nova Iorque (e não era só por causa dos ataques terroristas daquele ano). Outras bandas da cidade, como Yeah Yeah Yeahs, Interpol e The Rapture, ganhariam as páginas de publicações especializadas e as rádios comerciais quase que instantaneamente, deixando enlouquecidos os executivos de grandes gravadores, que tentavam a todo custo achar um “novo Strokes”. A indústria cultural se apressou ao reciclar o rótulo “Indie Rock”, para classificar os principais nomes desta efervescência musical, que já tomava proporções mundiais, o fato é que não só NY tinha excelentes bandas, ainda sem visibilidade. Era a vez das bandas de garagem virem à tona, de novo. The Hives (de Estocolmo, Suécia), The White Stripes (de Detroit, EUA), The Vines (de Sidney, Austrália) e The Libertines (de Londres, Inglaterra) foram alguns dos associados pela mídia à esta nova onda, mesmo que alguns deles fossem bem antecessores à esta badalação.

Voltamos então a falar de Is This It, o disco não trás musicalmente nenhuma novidade, mas suas referências sonoras são as melhores. O álbum representa a volta ao básico, às bandas compostas apenas por vocal, baixo, guitarra e bateria, sem muitos efeitos de estúdio e sem muitas frescuragens. O estilo remonta à new wave e ao rock de garagem setentista, lembrando bandas como Television, Velvet Underground, The Jam e Buzzcocks. A simplicidade a la Ramones também está presente em todo o disco, as músicas são simples, com letras ás vezes banais e melodias chicletes, que em conjunto proporcionam um agradável clima retrô. Is This It começa com a faixa título, que tem uma introdução lenta e arrastada. "The Modern Age", a segunda canção, já vem com um pegada mais rápida e contagiante, que é mantida em "Soma", a terceira. "Barely Legal", que vem na sequência, foi a primeira música que escutei da banda, ainda na ocasião do lançamento do disco no Brasil, no programa Alto-Falante exibido pela TV Cultura.

 

O disco continua com "Someday", "Alone, Together", "Last Nite" (que já pode ser considerada um clássico do Indie Rock), "Hard to Explain" (que foi o primeiro hit da banda e a primeira do disco a ser lançada em Single), "New York City Cops" (que foi retirada da edição americana do disco, por sua letra ter sido associada aos ataques de 11 de setembro), "Trying Your Luck" (uma das minhas preferidas do disco), até chegar a última "Take It or Leave It", que encerra o disco de forma bem diferente da que começou, nela Casablancas berra o refrão “and take it or leave it” até quase perder a voz, fechando com chave de ouro aquele que talvez seja o disco mais importante da última década. Is this It é um disco que beira à perfeição em cada uma de suas 11 faixas. Como raramente acontece comigo, o disco parece melhor a cada vez que o escuto. Se o The Strokes não foi de fato a “Salvação do rock”, ao menos eles abriram as portas para o que de melhor seria produzido nos anos seguintes. "I try but you see, it's hard to explain"! 

Visitem o canal do The Strokes no You Tube, clique AQUI !


quarta-feira, 22 de junho de 2011

Dudu Lima e Emerson Nogueira no ViJazz & Blues

.Bom show, mas com um gosto amargo de quero mais!.


O vacilo de não ter percebido um simples detalhe e quase que um evento, que tudo para ser ótimo, se torna uma grande decepção. No último domingo (17/06) acordei cedo e peguei o ônibus para Viçosa, naquela manhã a minha expectativa era das melhores possíveis, afinal eu tinha passado boa parte da semana anterior ansiando pelo show do Emerson Nogueira, que aconteceria naquela tarde. Durante a viagem fui lembrando de alguns dos clássicos do rock´n´roll que estão no repertório daquele talentoso cantor e violonista... Eu nunca fui de render aplausos para covers, mas a playlist do cara é simplesmente formidável, ele fez fama tocando Beatles, Creedence, Pink Floyd, Police, Eagles, Surpertram e outros clássicos absolutos dos anos 60, 70 e 80.

O detalhe que me havia passado despercebido era quase banal e veio à tona quando, na casa de uma amiga em Viçosa, fiquei sabendo que o tal show nem estava na agenda do Nogueira. “Como assim?!?” Era verdade, aquilo que tinha me levado à Viçosa naquele domingo não era um show, mas apenas uma participação do cantor na apresentação do músico Dudu Lima, um virtuose do contrabaixo, que já tocou com Milton Nascimento, Stanley Jordan e outras feras. Antes do show começar a minha expectativa, que era até então das melhores, foi mudando e se convertendo em uma incômoda dúvida: “Como será esta tal participação?


Dudu Lima subiu no palco depois de mais de duas horas de atraso, mas para o delírio de quem gosta de boa música, ele mostrou que a espera tinha valido a pena. Com influências que vão da música mineira ao jazz, ele provou que o contra-baixo não é apenas um mero instrumento “tapa-buracos”. Depois de umas quatro cancões interpretadas apenas com baixo, bateria e teclado, ele convidou o Emerson Nogueira para lhe acompanhar. O cantor, meio sem jeito pela falta do já tradicional banquinho, contou que estava gripado, o que se notava pela sua voz rouca. No entanto a rouquidão desapareceu como em um passe de mágica no momento em que ele começou a cantar a primeira música.  

Quem conhece o Recanto das Cigarras, que fica dentro campus da UFV, entendo porque tão poucos eventos são realizados no local hoje em dia. O espaço cercado pelo verde da natureza já foi muitas vezes alvo de vandalismo. Durante festas e shows que aconteciam lá, as dependências da universidade eram depredadas e o espaço aos poucos destruído. Hoje o Recanto se encontra revitalizado e muito bem cuidado, trazendo uma confortante sensação de paz e calmaria, principalmente para quem, como eu naquela tarde, o visitava pela primeira vez. O contato com a natureza potencializou o efeito do show, foi indescritível a sensação de escutar uma versão de Pink Floyd, por exemplo, em um lugar tão agradável.


O evento só não foi perfeito, pois enquanto eu imaginava que o show estava apenas começando, o Emerson anunciava que aquela já seria a última música. Sua participação se resumiu a cinco ou seis canções, totalizando umas dez, se contarmos com as que Dudu Lima tocara antes. Ficou um amargo gostinho de quero mais e a vontade de que o anúncio feito pelo Nogueira, de que Viçosa receberá um show completo em breve, seja de fato verdade, se for, torço para que seja novamente no Recanto das Cigarras

P.S. O Show de Dudu Lima e Emerson Nogueira fez parte da edição 2011 do festival ViJazz & Blues, que aconteceu no dia 16 de junho em Ponte Nova/MG e do dia 17 ao dia 19 em Viçosa/MG.

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