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domingo, 21 de julho de 2013

Elena

Elena - 2012. Dirigido e produzido por Petra Costa. Escrito por Petra Costa e Carolina Ziskind. Direção de Fotografia de Janice D'Avila, Will Etchebehere e Miguel Vassy. Música Original de Fil Pinheiro. Busca Vida Filmes / Brasil | USA.


Elena tinha um sonho e lutou para que ele se tornasse realidade, de sua parte não faltou esforço nem dedicação, mas o simples passar dos dias, em um espaço de tempo relativamente curto, se encarregou de mostrar para ela que havia um mundo de solidão, dor e frustração entre o aconchego do lar que ela deixara e aquilo que ela perseguia com tanto afinco. Ela herdara da mãe o sonho de ser atriz, só que, ao contrário dela, Elena não enxergava o casamento como uma opção a ser considerada, ela não cabia no papel de mãe e de dona de casa, sabia disso desde criança. A separação dos pais veio comprovar aquilo que para ela já era uma certeza, a felicidade esperada estava bem longe do monótono conforto de sua casa. Elena, cujo voo no teatro já tinha se mostrado bem sucedido, queria ir mais alto, muito mais alto, ela se mudou para Nova Iorque com a expectativa de tornar mais próxima a sua meta de ser uma atriz em Hollywood. 

Porém, ao contrário do que a ética triunfalista nos diz, não basta acreditar que o sonho é possível e às vezes o maior esforço do mundo não é o suficiente para torná-lo real. Ao se deparar com sucessivas frustrações, Elena se esgota, seu ânimo se esvai pouco a pouco e sua vida perde completamente o sentido. A arte, na qual ela tinha encontrado um razão de ser, acaba se tornando o motivo de sua morte prematura - suicídio em 1990, aos 20 anos. O documentário que leva o nome da jovem foi dirigido por Petra, sua irmã caçula, que tinha apenas sete anos quando ela se matou. No filme, o que vemos é uma tentativa da cineasta de reencontrar a si mesma em meio à culpa e ao sentimento de incapacidade que carregou consigo durante os 23 anos que se passaram desde a tragédia.


Após a morte de Elena, Petra aparenta tomar para si a responsabilidade de preencher o espaço deixado pela irmã e com o tempo a personalidade das duas passa a se confundir, em dado momento, a cineasta, que também narra o filme, conta que pessoas próximas comentavam que ele estava se tornando, fisicamente, cada vez mais parecida com a irmã, com quem não tinha tanta semelhança quando ainda era criança, ela se atormenta com isso mas acaba se apegando a esta ideia numa tentativa de lidar com o sofrimento advindo da perda. A confusão de personalidades parece se estender para outras áreas da vida de Petra e isso fica evidente quando ela opta pela carreira de atriz, aos 17 anos, decisão esta que também lhe atormenta profundamente, ela sente como se tudo isso não fosse o fruto de uma escolha, mas um fardo, legado pelo destino, do qual ela jamais conseguiria escapar.


Na busca pela irmã, que Petra faz através de seu diário, dos vídeos caseiros, recortes de jornais e de entrevistas com amigos, há um verdadeiro mergulho em questões existenciais e de identidade. A coragem da cineasta de lidar com seus próprios fantasmas pode ser notada na autenticidade de seus sentimentos, principalmente de sua dor, que emana quase palpável das cenas que ela mostra e comenta o cuidado, quase maternal que a irmã mais velha tinha com ela, quando ela ainda era um bebê, e na angustiante passagem em que ela descreve a morte de Elena e a reação da mãe e a sua própria ao receber a notícia. É algo extremamente doloroso, até mesmo de ser assistido, mas Petra conta tudo com tamanha sutileza, que torna até a dor mais profunda, sentida por uma criança diante da morte de uma pessoa querida, algo singelo e dotado de uma poética impressionante. 


Li An, a mãe de Elena e Petra, surge no documentário como o galho da árvore genealógica do qual advém a extrema sensibilidade artística, não por acaso, o roteiro destaca o fato de ela também ser uma atriz frustrada, alienada de seu próprio sonho. A dor que ela sente está estampada em seu rosto sofrido, principalmente no olhar, nota-se que ela ainda experimenta o mesmo esvaziamento existencial que levou sua filha mais velha a um destino tão trágico e isso mostra que há um outro fio, além do da experiência compartilhada,  que liga as três. Há entre elas uma troca de projeções constante, como se uma estivesse o tempo todo buscando nas outras as respostas para seus próprios conflitos (isso pode ser notado até mesmo na insistência de Elena, de que a irmã também explore sua própria veia artística).


Longe de ser apenas uma busca pessoal da cineasta por alguma espécie de catarse, Elena se firma como um filme universal sobre perda, dor e frustração. A experiência que ele nos proporciona vai muito além do simples contato com a história de uma garota que morreu jovem demais, diante dele somos instigado à uma reflexão incômoda sobre o sentido que tentamos dar para as nossas próprias vidas, sobre nossos sonhos e nossas expectativas. O documentário é também um tratado sobre a arte, em seu estado mais bruto, e sobre uma entrega visceral a ela, uma entrega tão fascinante quanto destrutiva. Petra soube mesclar de uma forma sublime no filme estes dois elementos - o fascínio e a destruição - e este talvez seja o seu maior trunfo...


Em relação à linguagem, Elena representa uma espécie de rompimento com a estrutura do gênero ao qual foi associado. Ele se distancia do rigor jornalístico e abre margem em sua abordagem da história para um poética, que traz consigo uma verdadeira eclosão de sentimentos. Ao invés de usar as imagens apenas como registro histórico e como comprovação daquilo que está sendo narrado (como é comum no gênero), Petra Costa opta por extrair dos registros em VHS, que sua família guardou por décadas, diversas metáforas visuais e simbolismos, como na passagem maravilhosa em que sua mãe mostra a beleza de uma árvore em Nova Iorque e a câmera se vira sutilmente para a copa frondosa e imponente, que preenche a tela por alguns segundos, após um corte esta imagem é substituída por um registro em preto e branco que mostra galhos secos de uma outra árvore, esta aparentemente já sem vida. 


Esta lógica, que predomina tanto nas imagens de arquivo quanto naquelas que foram produzidas exclusivamente para o filme, demonstra a maturidade da linguagem trabalhada pela cineasta e da eficiência da composição de sua narrativa, que mescla diversos elementos de forma tão harmoniosa  Destaco ainda duas outras passagens que também são carregadas de simbolismos, uma na qual as vozes da mãe e das duas filhas se misturam, evidenciando a confusão de identidades que experimentam, e outra, presente no último ato do filme, que representa a 'libertação' que Petra buscava alcançar com o filme... Ainda que Elena traga consigo uma verdade inconveniente para os que ainda acreditam que exista no universo alguma espécie de mágica que recompensará os esforçados por sua persistência, ele precisa ser lembrado, discutido e principalmente sentido por todos... Não tenho dúvidas, estamos diante de uma obra-prima!

Elena ganhou no Festival de Brasília os prêmios de Melhor Documentário, Direção, Montagem e Direção de Arte e ainda recebeu a Menção Especial no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara e no Festival Internacional de Documentários ZagrebDox


Assistam ao trailer e a um dos vídeos promocionais de Elena no You Tube, clique AQUI e AQUI


A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Pearl Jam Twenty

Pearl Jam Twenty - 2001. Escrito e Dirigido por Cameron Crowe. Direção de Fotografia de Nicola Marsh. Produzido por Cameron Crowe, Kelly Curtis, Andy Fischer, Barbara Mcdonough e Morgan Neville. Tremolo Productions e Vinyl Films / USA.


Cameron Crowe ainda não era um cineasta reconhecido quando se mudou para Seattle no final dos anos 80, naquela ocasião sua principal atividade ainda era a de colunista musical. Ele se tornara nos anos 70 o mais jovem colaborador da revista Rolling Stone e deste então ele trilhara um bem sucedida carreira no jornalismo cultural. Crowe foi para o noroeste dos Estados Unidos atraído pela prolífera cena musical da cidade natal de Jimi Hendrix, que começava a chamar a atenção da mídia e da indústria cultural. Neste período, ele teve contato com aquilo que seria o embrião do hype que a crítica especializada apelidaria de Grunge. Ele estava no lugar certo e na hora certa... em Seattle ele faria o seu primeiro filme, Digam o que Quiserem (1989), e a ebulição cultural  da cidade serviria de pano de fundo para o segundo, Singles - Vida de Solteiro (1992).

O fato de que Crowe conheceu de perto a cena musical da cidade, antes da explosão do Grunge, faz dele o cineasta mais indicado para contar, através de um documentário, a história de uma das bandas mais importantes surgidas naquele período, o Pearl Jam. A relação entre o cineasta e a banda sempre foi bastante amistosa, membros dela fizeram pontas em Singles, como integrantes da banda de um dos personagens centrais do filme e este mesmo personagem teve seu figurino montado basicamente com peças do guarda roupas de Jeff Ament, baixista do banda. A proximidade entre Cameron e os músicos contou muito para que Pearl Jam Twenty se tornasse um documentário quase passional, destituído de qualquer pretensão de ser imparcial ou de se ater a qualquer rigor jornalístico...


Eu diria que Pearl Jam Twenty é um filme de um fã para outros fãs da banda e justamente por isso a parcialidade dele não chega a ser um demérito. Para os fãs não há nenhum problema em ser parcial, desde que desta parcialidade resulte uma abordagem positiva. O documentário não se prende tanto à datas, mudanças de formação e coisas do tipo, ele não funciona tão bem como biografia e este é na minha opinião um de seus grandes acertos. O Pearl Jam sempre se manteve relativamente à margem da indústria fonográfica (ainda que seu primeiro disco permanecendo um tempo enorme nas paradas de sucesso), raramente seus integrantes concediam entrevistas e eles se tornaram conhecidos mais pelas suas atitudes do que por aquilo que diziam diante de câmeras e gravadores. Crowe no entanto quebra esta barreira difícil de ser transposta e nos apresenta para uma banda formada, não por rock-stars, mas por pessoas comuns, que trazem consigo seus próprios dramas e experiências da vida...


Outro ponto positivo do filme é que ele não comete o equívoco (muitas vezes cometido) de mostrar o Grunge como um movimento, ou como um sub-estilo musical. Crowe não despreza a influência , direta ou indireta, que as outras bandas de Seattle exerceram sobre o Pearl Jam, no entanto ele aponta a efervescência cultural da cidade apenas como uma cena musical, que é tão somente o que ela foi... 

Pearl Jam Twenty começa falando da importância de uma das bandas de maior sucesso no underground local antes do hype, o Mother Love Bone, que terminou após a morte prematura de seu vocalista, Andrew Wood, por overdose. O fim desta banda causaria um forte impacto na cena musical da cidade e uma onda de melancolia tomaria os integrantes remanescentes do grupo, dentre eles Jeff Ament e Stone Gossard, futuros integrantes do Pearl Jam. A experiência de ver o amigo agonizando funcionou como um rito de passagem para eles e influenciou diretamente no clima das músicas que eles compuseram naquele período.


Eddie Vedder, que não viveu esta experiência, chegou a Seattle trazendo seus próprios dramas em sua bagagem, ele era fruto de um lar despedaçado, o homem que o criara não era seu pai biológico e ele só descobriu isso quando seu progenitor já estava morto. Cameron Crowe destaca estes dois eventos no filme, a morte de Andrew Wood e o drama familiar de Vedder, pois deles sairiam a inspiração para algumas das músicas do primeiro disco da banda, que se tornariam verdadeiros clássicos. Ele dá continuidade a este tipo de abordagem que aproxima a vivência de cada um dos integrantes da obra produzida por eles.

Crowe ainda dá enfase no relativo distanciamento que a banda manteve do circuíto comercial e da grande mídia e a alguns eventos que marcaram sua trajetória, como a briga com a Ticketmaster pela redução dos preços dos ingressos de seus shows e a tragédia acontecida em 2000 em uma apresentação no  Festival de Roskilde na Dinamarca.


Os depoimentos presentes em Pearl Jam Twenty são em sua maioria de integrantes da banda e de pessoas próximas a eles, o que reforça a postura parcial e passional do filme, todavia Crowe não deixa de mencionar os maus momentos pelos quais a banda passou e crises internas que ela enfrentou, o que funciona como um interessante contraponto à abordagem predominante. 

O documentário está repleto de imagens raras (o que é característico do gênero), várias delas do início da banda, feitas pelo próprio Cameron enquanto ele ainda atuava como jornalista em Seattle, o que é sem dúvidas é um deleite para qualquer fã da banda, principalmente para aqueles que não viveram o início dos anos 90 e a explosão do Rock Alternativo de Seattle. Recomendo para os 'camisa de flanela' e para todos os demais que apreciem e valorizem a boa música! 

Assistam ao trailer de Pearl Jam Twenty no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de Compramos Um Zoológico (2011) e Singles - Vida de Solteiro (1992), também dirigidos por Cameron Crowe!

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Exit Through the Gift Shop

Exit Through the Gift Shop - 2010. Dirigido por Banksy. Música Original de Roni Size. Produzido por Holly Cushing, Jaimie D'Cruz e James Gay-Rees. Paranoid Pictures / USA | UK.


Exit Through the Gift Shop estreou em 2010 no Festival de Sundance, o maior do cinema independente americano, desde então ele tem causado controvérsias entre críticos, cinéfilos e apreciadores da street art, tema sobre o qual ele discorre. Em 2011 ele foi, por ironia do destino, indicado ao Oscar de Melhor Documentário, prêmio que perdeu para Trabalho Interno, a indicação recebida foi irônica porque uma das maiores polêmicas em torno dele se deve ao fato de que não se sabe ao certo se ele pode ou não ser considerado um documentário - abordarei isso mais adiante. Antes mesmo de sua estreia ele já estava causando frisson, afinal o realizador por trás dele era ninguém menos que Banksy, o grafiteiro inglês que tem sacudido os circuítos internacionais de arte com suas obras politizadas e sarcásticas, que estão espalhadas por diversas partes do mundo. 

Não se sabe ao certo qual a verdadeira identidade de Banksy, nem se ele seria de fato uma única pessoa, ou um grupo agindo sob um pseudônimo e boa parte do alarde que se tem feito em torna da obra dele é motivado pelas contradições entre a postura anárquica que ele adota e aquilo no que sua produção tem se transformado; de um contraventor ele passou a um renomado artista, cujas obras são vendidas a preços milionários em algumas das galerias mais importantes do mundo. De alguma forma tais contradições se refletem no filme dirigido por ele, talvez mais que isso até, há a possibilidade de que o filme seja tão somente sobre elas... Ao analisarmos Exit Through the Gift Shop perceberemos que ele funciona como uma profunda reflexão sobre o consumo e a criação artística no mundo contemporâneo.


A sequência de abertura do filme é simplesmente maravilhosa, ao som da canção Tonight The Streets Are Ours de Richard Hawley, ela mostra diversos grafiteiros em ação na noite, o resultado de suas intervenções no ambiente urbano e a repressão policial à elas. Neste primeiro momento entramos em contato com aquilo que seria a essência da street art: contestação e contravenção. Em seu decorrer o suposto documentário mostra como estes elementos são absolvidos pela indústria cultural se tornando desta forma inofensivos e rentáveis. A agitação artística vinda das ruas, que chega a ser apontada em determinado momento como o "maior movimento contra-cultural desde o punk", vai pouco a pouco sendo superficializada e incorporada pela cultura pop, que cria a partir de então mitos e ídolos em torno dela. O próprio Banksy seria transformado em um mito e em seguida em um ídolo, contudo, para a decepção de alguns, a personalidade focada pelo filme não é ele, mas um francês radicado em Los Angeles chamado Thierry Guetta.


Após a introdução, Banksy aparece (com o rosto oculto, lógico) para apresentar o assunto que seu documentário abordará: A trajetória do francês aficionado pela street art. Guetta tinha se tornado obcecado por registrar com uma câmera cada momento de sua vida, tal compulsão começara depois que sofreu um grande trauma, que lhe trouxe a compreensão do quanto as sensações que vivemos são efêmeras. Ele entra em contato com a arte de rua pela primeira vez quando viaja à França para passar uma temporada com um primo, o respeitado grafiteiro Space Invader. Num rompante que beira à insanidade ele se torna tão obcecado pela contra-cultura quanto pelas suas filmagens do cotidiano e não demora muito e ele mescla as suas duas paixões, á princípio ele começa a sair junto com o primo para filmar suas incursões pela noite e logo em seguida ele passa a acompanhar também outros grafiteiros, ele convence a todos que está produzindo um documentário... 


Os caminhos de Thierry Guetta e Banksy acabam se cruzando e surge uma relação de amizade e respeito mútuo entre eles, o francês passa a acompanhar o grafiteiro e este aposta suas fichas no documentário que ele estava produzindo. Ao descobrir que toda a proposta do novo companheiro não passava de uma grande farsa, Banksy decide tomar as rédias da produção do filme e colocá-lo para escanteio. Para afastá-lo da ideia de continuar trabalhando no documentário, Banksy o convence a começar a produzir sua própria arte. Mesmo sem ter talento, Guetta, em mais um rompante de insanidade, adota o codinome de Mr Brainwash, vende tudo o que tem e investe em um trabalho megalomaníaco que tinha tudo para dar errado, mas que incrivelmente não dá. Da noite para o dia ele se torna o mais novo ídolo forjado pela indústria cultural. Sua obra não tem qualquer essência e não passa de uma remontagem de formulas bem sucedidas já usadas por artistas renomados como Andy Wharol, ele se torna então o maior símbolo de algo que sequer existe...  


A grande questão envolta nesta história é: Thierry Guetta é de fato real, ou só um personagem criado por Banksy, ou ainda, quem sabe seja ele o próprio Banksy? O filme deixa durante seu desenvolvimento diversos indícios que são capazes de alimentar a teoria de que Exit Through the Gift Shop se trata na verdade de um pseudo-documentário. Guetta, por exemplo, nos parece caricato demais para ser real e suas atitudes são em diversos momentos absurdas demais de tão improváveis que são. Nas cenas que mostram trechos das filmagens que ele fez de sua família, nas quais aparecem a esposa e os filhos dele,  tem-se a impressão de que são imagens previamente preparadas para parecem naturais, mas que não conseguem sê-lo. Em outros momentos, a própria reflexão proposta pelo filme nos induz a questionar sua veracidade... Afinal, estaríamos nós nos comportando em relação ao filme, tal como os fãs de Guetta diante de suas pseudo obras de arte? Pois é, é algo a se pensar... 


Se este for de fato um pseudo-documentário, ele será sem dúvida a maior e mais brilhante de todas as obras de Banky, mas independente disso, os questionamentos levantados por ele em relação a produção artística são totalmente pertinentes, o fenômeno que vemos acontecer na vida de Thierry Guetta é o mesmo que já estamos cansados de testemunhar no cinema, na música, na literatura e em tantas outras formas de expressão, que têm sido reduzidas à meros produtos, fabricados em escala industrial para satisfazer a um público ávido por entretenimento empobrecido de significações e de efeito passageiro. 

Em uma das últimas cenas do filme Guetta diz: "Espere até o fim da vida e verão se eu sou uma lebre ou uma tartaruga"; esta citação pode parecer desconexa, mas talvez ela tenha muito a dizer sobre Banksy e seu filme... Exit Through the Gift Shop é uma obra de difícil conceituação, daquelas que parecem escapar de qualquer rótulo pre-existente, isto potencializa ainda mais sua condição de obra de arte e sua capacidade de nos provocar as mais diversas reações... é um filme indispensável para qualquer um que se propor a pensar a produção artística como fato social. Ultra recomendado! 


Exit Through The Gift Shop foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário. No BAFTA ele recebeu uma indicação na categoria de Melhor Estreia de Roteirista, Diretor ou Produtor Britânico (Banksy e Jaimie D'Cruz).

Assistam ao trailer de Exit Through the Gift Shop no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade o artigo 


terça-feira, 24 de abril de 2012

Pina

Pina - 2011. Escrito e Dirigido por Wim Wenders. Direção de Fotografia de Hélène Louvart. Música Original de Thom Hanreich. Produzido por Wim Wenders e Gian-Piero Ringel. Neue Road Movies / Alemanha | França | UK.


Meu primeiro contato com a obra de Pina Bausch foi através do filme Fale com Ela (2002) de Pedro Almodóvar, que mostra em uma de suas primeiras cenas um trecho da peça Café Müller. Apesar de curto, este recorte da encenação, que funciona no longa como prelúdio de desdobramentos do roteiro, me impactou fortemente. Em movimentos corporais aparentemente simples era possível identificar sentimentos e sensações tão pungentes, como dor, angústia e ânsia de libertação... Almodóvar soube escolher muito bem qual parte da montagem teatral usar em seu trabalho, primeiro porque este fragmento está fortemente relacionado com a história contada em seu filme e segundo porque, mesmo sendo breve, ele compila alguns dos elementos mais característicos do estilo da coreógrafa alemã. A opressão e a melancolia, associadas à dicotomia masculino versus feminino, que ficam tão evidentes na passagem reproduzida, foram as principais marcas da obra desta artista, que nasceu em Solingen em 27 de julho de 1940 e reiventou o teatro e a dança na década de 60.

O projeto de rodar um filme sobre a obra de Pina surgira anos atrás, antes da morte dela em 30 de junho de 2009. O cineasta Wim Wenders estava convencido de que seria capaz, com suporte tecnológico oferecido pelo 3D, de transportar para a tela a experiência artística única que suas montagens proporcionavam nos palcos. Quando ele lhe apresentou a ideia, ela gostou e decidiu acompanhar todo o processo criativo ao lado dele, que era seu amigo de longa data, contudo algo inesperado faria com que o projeto tomasse um outro rumo... Com a morte repentina de Pina (em decorrência de uma doença diagnosticada cinco dias antes), Wenders decidiu dar continuidade ao projeto transformando-o em uma belíssima homenagem póstuma, cujo o foco seria a imortalidade que ela alcançara através de sua arte. 


Implicitamente o documentário defende que a imortalidade artística, que seria uma condição suprema, fora alcançada por Pina e como prova disso ele aponta a riqueza daquilo que ela deixou como legado e o respeito quase surreal que seus amigos e discípulos devotavam a ela.

Dance, dance, otherwise we are lost”- esta citação de Pina é evocada enfaticamente por Wenders como um epitáfio e ao mesmo tempo como uma testificação de que ela, como artista, não estará "perdida", umas vez que sua memória será preservada pela dança, que era sua principal forma de expressão. 

A importância e grandiosidade da obra de Pina se manifesta no filme através da passionalidade de cada um dos depoimentos concedidos por dançarinos que trabalharam com ela e na reverência com que o cineasta estabelece o diálogo entre a arte dela (a dança) e a dele (o cinema).


"Há situações, é claro, que te deixam absolutamente sem palavras. Tudo o que você pode fazer é insinuar. As palavras, também, não podem fazer mais do que apenas evocar as coisas. É aí que vem a dança..."

O olhar de Wenders sobre a obra de Pina denota o enorme respeito dele em relação à ela, esta postura o impede de minimizar a complexidade de suas peças e até mesmo de arriscar interpretações reducionistas sobre cada uma delas e é justamente isso que torna o documentário tão especial e diferenciado dos demais. Quem está acostumado com o formato padrão do gênero (informações históricas + imagens marcantes/raras) certamente irá estranhá-lo, uma vez que ele foge completamente do estilo "jornalístico" (nele felizmente não somos expostos a informações do tipo que poderiam ser encontradas na wikipedia), podendo ser melhor definido como: uma conversão da experiência da apreciação artística em uma nova obra de arte, tão impactante e bela quanto a original... Os posicionamentos de câmera, os ângulos de cada tomada, a edição, todos estes aspectos parecem ter sido trabalhados com a pretensão de nos proporcionar uma experiência similar à de de ter assistido ao espetáculo em um teatro - provavelmente esta experiência chega ainda mais próxima do real no formato 3D - porém com a surrealidade que só o cinema poderia acrescentar, como o deslocamento das encenações do palco para as ruas e outros lugares insólitos...


As belíssimas cenas de dança são intercaladas no documentário à declarações de dançarinos e de outras pessoas que atuaram ao lado da coreógrafa em sua companhia, a Tanztheater Wuppertal. É muito interessante a forma com que estes depoimentos são mostrados ao longo do filme, em nenhum momento vemos os entrevistados conversando, apenas ouvimos suas vozes em off, enquanto eles são filmados rapidamente em posições quase estáticas, que enfatizam apenas suas expressões faciais, em seguida eles são mostrados já em ação, ou seja dançando. Eu entendo a opção por tal tipo de edição como mais uma prova da reverência prestada pelo cineasta, é como se ele se recusasse a mostrar no filme qualquer movimento que não fosse as coreografias criadas por Pina. Outro aspecto interessante, é o fato de o cineasta permitir que cada entrevista fosse concedida na língua original do entrevistado, o que acentua a multietnicidade do elenco da companhia, aspecto este que era muito bem aproveitado por Pina em cada montagem, ela valorizava a individualidade e as experiências de cada membro de sua equipe. 


Somente após assistir Pina eu consegui compreender o nervosismo de algumas críticas negativas que ele recebeu e a sua relativa má recepção em algumas das principais premiações da última temporada, ele meio que repetiu o fenômeno provocado por A Árvore da Vida (2011) de Terrence Malick, ambos não conseguiram se fazer compreendidos pelo grande público, para quem a experiência artística/filosófica tem pouco valor. A escassa verbalidade da linguagem do filme de Win Wenders dificultou a sua digestão por aqueles que são incapazes de sentir a ebulição de sentimentos e sensações que cada uma de suas sequências evocam. A desculpa de que só quem gosta de dança contemporânea seria capaz de compreender e apreciar o filme simplesmente não cola, uma vez que cada uma de suas mensagens transcendem a sua linguagem por serem universais e compreensíveis a cada um que ainda tenha um mínimo de sensibilidade. Pina é uma obra prima cativante e emocionante, porém não ouso a recomendar para todos...


Pina foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário e ao BAFTA na categoria de Melhor Filme de Língua Não-inglesa.

Assistam ao trailer de Pina no You Tube, clique AQUI !

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade a resenha crítica de Asas do Desejo (1987), também dirigido por Wim Wenders.

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra, 


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Stanley Kubrick – Imagens de Uma Vida

Stanley Kubrick – Imagens de Uma Vida (Stanley Kubrick – A Life in Pictures) - 2001. Produzido e dirigido por Jan Harlan. Narrado por Tom Cruise. Warner Bros Pictures / USA.


O que esperar de um documentário sobre a vida e a obra de um dos maiores gênios da sétima arte, dirigido por um dos profissionais que o acompanhou em algumas de seus mais notórios trabalhos? Pois é, não tinha como esperar outra coisa a não ser um mergulho na personalidade, no estilo e no modus operandi do homem e do mito sobre o qual se fala. A expectativa se torna ainda maior por se tratar de um filme sobre Stanley Kubrick, o cineasta que enquanto vivo fez de tudo para se manter longe dos olofotes e do assédio midiático, dirigido por Jan Harlen, o produtor que apostou em alguns mais importantes da história do cinema. Conhecido por ser um diretor “bissexto”, meticuloso e perfeccionista, Kubrick fez o inimaginável, ele rodou verdadeiras obras de arte em Hollywood, mesmo sendo polêmicas algumas destas produções conseguiram a proeza de conquistar sucesso tanto de público quanto de crítica. O considerável retorno financeiro de alguns de seus filmes lhe rendeu uma liberdade criativa poucas vezes vista no cinema mainstrean americano, de posso de tal liberdade ele experimentou e ousou, transpondo limiares que não tinham sido até então sequer atingidos.

Stanley Kubrick – Imagens de Uma Vida (2001) cobre toda a tragetória do cineasta, desde seu primeiro longa, Fear and Desire (1953) até De Olhos bem Fechados (1999), o último, concluido dias antes de sua morte. O documentário ainda invade a tão resguardada privacidade do cineasta, mostrando imagens de sua infância e de sua vida ao lado da esposa e das duas filhas. Jan Halen se preocupa também em explorar a gênese da genialidade de Kubrick, mostrando sua paixão pela literatura, pelo xadrez e pela música clássica e ainda seu trabalho prematuro como fotógrafo, atividade na qual descobriria o dom de manipular as imagens.


Stanley Kubrick – Imagens de Uma Vida traz diversos depoimentos de atores, técnicos, produres e até de outros diretores que trabalharam com o cineasta ou que reconhecem a importância de sua obra. Dentre os entrevistados estão Steven Spilberg, Martin Scorcesse, Woody Allen e Sydney Pollock, eles analisam cada um dos filmes de Kubrick, suas inovações, experimentalismos e a importância deles para o cinema como um todo. É interessante ver outros realizadores cultuados comentando suas reações diante de algumas uma das películas de Stanley, que já lhe causaram espanto, admiração e até decepção. Um dos pontos positivos do documentário é que ele não se atém a falar apenas dos lados positivos do cineasta, alguns depoimentos chegam a ser conflitantes por exporem visões tão diversas acerca de um mesmo homem. Enquanto alguns lamentam não poder trabalhar com ele novamente, como é o caso Jack Nicholson, outros como a atriz Shelley Duvall (para quem as filmagens de O Iluminado (1980) foram traumatizantes) dizem não ter coragem de repetir a dose.

Sendo ou não um figura complexa, dona de uma personalidade difícil, o que não se pode negar é que Stanley Kubrick foi um dos maiores e mais importantes cineastas de todos os tempos, seu perfeccionismo quase doentio, que o fazia repetir durante dias uma mesma cena, rendeu obras as quais o tempo não foi capaz de envelhecer. 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968) e Laranja Mecânica (1971) continuam a nos intrigar até hoje, o suspense de O Iluminado (1980) ainda consegue causar mais arrepios que a maior parte das obras atuais do gênero... Stanley Kubrick – Imagens de Uma Vida será um verdadeiro deleite para aqueles que já conhecem a obra de Kubrick, já para aqueles que ainda não testemunharam sua genialidade, este documentário é um forma de adentrar neste mundo belo e perturbador que é a mente deste homem que aparentava ter sempre uma ebulição de ideias em sua cabeça. Ultra Recomendado!


Assistam a introdução de  Stanley Kubrick – Imagens de Uma Vida  no You Tube, clique AQUI !